Representantes de ex-policiais venezuelanos detidos durante o governo de Hugo Chávez pediram sua libertação na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Segundo a defesa, Juan Bautista Guevara Rodríguez, Otoniel José Guevara Pérez e Rolando Jesús Guevara Pérez foram presos de forma ilegal e arbitrária, em um processo repleto de irregularidades e falsos testemunhos. Eles foram acusados de assassinar um promotor do Ministério Público, Danilo Baltazar Anderson e seguem detidos há 20 anos.
Segundo a advogada Jackeline Sandoval, representante das vítimas e esposa de um deles, Rolando, os três foram tidos como bodes expiatórios em uma “montagem judicial” com testemunhas pagas pelo governo chavista à época.
“Até hoje continuamos às cegas, sem uma investigação séria sobre os verdadeiros responsáveis pelos acontecimentos, e sem investigação sobre as denúncias das vítimas, o que resultou em uma nova impunidade por parte do governo venezuelano”, disse ela em audiência na terça-feira (22/4), alegando que há uma intenção de “invisibilizar e reduzir as vítimas”.
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O Estado venezuelano não enviou representantes à audiência com a Corte IDH.
Acusação baseada em dois testemunhos
Os irmãos Otoniel, ex-diretor da extinta Polícia de Inteligência DISIP (hoje SEBIN) e Rolando, ex-chefe de Homicídios da polícia de investigação penal, foram detidos em novembro de 2004 por agentes que portavam armas e uniformes oficiais como supostos autores do assassinato do promotor Danilo Anderson.
Três dias antes, o primo de ambos, Juan, também tinha sido preso sob a mesma alegação. A detenção, porém, não contava com mandado judicial, e os três não foram informados sobre a causa da privação de liberdade.
Eles foram liberados e, dias depois, presos novamente. Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a ação teve como objetivo dar uma aparência de legalidade às detenções. As vítimas afirmaram ter sido levadas vendadas e algemadas a um local desconhecido, onde sofreram torturas por vários dias enquanto eram interrogadas pela morte do promotor Anderson, ocorrida em 16 de novembro do mesmo ano. Anderson morreu após a explosão de uma bomba colocada em sua caminhonete em Caracas, capital venezuelana.
Em 2005, os três ex-policiais foram condenados pelo assassinato. Na ocasião, as autoridades judiciais basearam a condenação na declaração de duas testemunhas que teriam ouvido em uma reunião que os três planejavam colocar explosivos no carro do promotor. Os recursos apresentados pelas vítimas e seus familiares foram recusados pelos Tribunais de Justiça à época.
“A Comissão determinou que a prisão das vítimas foi ilegal, já que o Estado não mostrou ordem judicial ou flagrante. Além disso, as detenções não foram inicialmente registradas. As vítimas não foram informadas sobre as razões de prisão e sofreram tortura por vários dias, sendo liberadas de forma clandestina”, afirmaram representantes da CIDH na audiência.
“A Comissão considerou que foram vítimas de desaparecimento forçado durante o período de paradeiro desconhecido. Observou também que os relatos sobre torturas coincidiam com os relatórios médicos pedidos pelo Ministério Público. No entanto, a situação de impunidade permanece.”
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‘O regime não perdoa’
A Corte IDH escutou duas testemunhas na audiência. A primeira foi Maria Angelica Correa Lugo, jornalista venezuelana que hoje reside na Espanha, após sofrer ameaças por investigar o caso.
Aos juízes, ela afirmou que as entrevistas e investigações que fez ao longo dos anos indicavam que o governo chavista estava buscando testemunhas para esconder o real assassino de Anderson, que pertenceria ao alto governo.
Segundo ela, a Promotoria venezuelana era um “laboratório de testemunhas”, parte de uma “engrenagem” que inclui juízes e até a inteligência militar para apoiar o Estado. Uma das testemunhas, afirmou, teria contado a ela ter sido contratado para declarar contra os Guevara.
“(As vítimas do caso) eram pessoas que incomodavam. Os policiais tiveram ação importante defendendo a democracia durante o golpe de Hugo Chávez”, afirmou Maria Angelica, acrescentando que eram frequentes os falsos testemunhos usados pelo governo para incriminar pessoas que desagradavam o regime ou para alegar que milícias teriam entrado no país para matar Chávez.
Ainda segundo a jornalista, o promotor Danilo Anderson estaria envolvido em um grupo de extorsão. Ele teria obtido muita informação sobre integrantes do alto escalão de poder e “não soube navegar em águas profundas”. Tudo indica que sua morte foi planejada de dentro do próprio governo, afirmou Maria Angelica.
“Ocultaram os verdadeiros autores intelectuais”, disse a jornalista, “e no lugar colocaram três oficiais pouco simpatizantes de Chávez”.
Os juízes da Corte IDH também ouviram Hernando Contreras, ex-promotor do Ministério Público que acompanhou o assassinato de Anderson e que denunciou, posteriormente, uma série de violações de direitos no processo.
“Nas investigações que fiz, me convenci de que as coisas iam por um mau caminho”, afirmou ele, dizendo que havia diversas irregularidades no processo judicial. Contreras mora hoje nos Estados Unidos.
“Eu poderia ter sido liquidado também, porque esse regime não perdoa ninguém. Ele tem uma famosa palavra que é ‘traidor’, e quem assim considera está eliminado”, disse, afirmando que na Venezuela impera um sistema de terror que é “um dos mais eficazes e terríveis do mundo”.
Para a advogada das vítimas, Jackeline Sandoval, também representante da Fundação para o Devido Processo, a defesa tem certeza da inocência dos ex-policiais. Passados 20 anos, diz, eles seguem presos na própria sede da SEBIN, com diversos problemas de saúde e sem perspectivas de libertação.
A defesa pediu aos juízes da Corte IDH que declarem a responsabilidade do Estado venezuelano e determinem a liberdade dos presos e revisão completa do caso como medidas de reparação.
A CIDH, por sua vez, lamentou a ausência do Estado venezuelano na audiência.
“A Comissão entende que os senhores Juan, Otoniel e Rolando sofreram tortura efetuada por agentes estatais, permaneceram em condições desumanas de detenção e que persiste a situação de impunidade pelos fatos”, afirmaram seus representantes.
O Estado venezuelano, acrescentaram, violou uma série de direitos dos ex-policiais, entre eles o direito à liberdade pessoal e às garantias judiciais.
A Corte emitirá a sentença do caso nos próximos meses.