Como o STF e os TRTs decidem sobre as licenças maternidade e paternidade

A família contemporânea é constituída, além dos laços biológicos, pela afetividade e afinidade. Os padrões conservadores e tradicionais, que consideravam incluídos no conceito de família somente os grupos sociais possuidores de uma figura paterna, do sexo masculino, e uma figura materna, do sexo feminino, foram declinados pelos novos tipos de famílias, que trouxeram diversas inovações em seu modo de constituição e organização.

E a família, seja ela formada a partir do casamento ou da união estável, por pais solteiros ou não, tem o dever de proteção da criança e do adolescente e a promoção do seu bem-estar, de acordo com o artigo 227 da Constituição.

Nesse contexto, como ficam então as licenças para cuidados com os filhos, considerando a realidade das empresas de diferentes portes e as necessidades das famílias brasileiras, nas suas diversas configurações?

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De modo geral, com o enfoque no direito materno, a CLT, no artigo 392, assegurou o período de licença-maternidade de quatro meses (120 dias), permitindo que a funcionária se afaste de suas atividades profissionais sem prejuízo de salário. Esse período pode ser estendido para 180 dias em empresas que participam do Programa Empresa Cidadã ou para servidoras públicas. O benefício também se aplica em casos de adoção.

Quanto ao direito paterno, tanto a Constituição no 1° ato das Disposições Transitórias (ADCT), como o artigo 473, III, da CLT, preveem que a licença paternidade seja de 5 dias (remunerada), podendo chegar até 20 para empresas cidadãs.

Entretanto, devido a omissão legislativa que regulamente a licença-paternidade, o assunto virou objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 20, no STF. Em 14 de dezembro de 2023, o STF reconheceu a omissão inconstitucional do Congresso Nacional e fixou um prazo de 18 meses para que o Legislativo regulamentasse o direito previsto no artigo 7º, XIX da Constituição.

O STF por sua vez já se pronunciou em diversos casos e consolidou jurisprudência no sentido de que a licença parental deve ser garantida sem discriminação, independentemente da forma de parentalidade.

As decisões levam em consideração principalmente a proteção integral das crianças e os princípios da dignidade humana, igualdade e não discriminação, da personalidade, da intimidade, da isonomia, da saúde e da felicidade, contidos artigo 1º, III, artigo 5º, caput, V, X e IX, art. 206, I, da CF/88.

Vejamos alguns exemplos:

  • RE 778.889 (julgamento em 2016): precedente no sentido de que a duração do benefício deve ser idêntica para genitoras adotivas e biológicas;
  • RE 1.348.854 (julgamento em 2022): reconhecido o gozo da licença a servidores públicos solteiros do sexo masculino que adotem crianças;
  • RE 842.844 (julgamento em 2023): garantiu-se o direito à licença também às servidoras públicas detentoras de cargos em comissão;
  • RE 1.211.446 (julgamento em 2023): fixada a tese indicando que a mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença-maternidade, sendo que, caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade; e
  • ADIs 7.520, 7.528, 7.542 e 7.543 (julgamento em 2025): reconhecido o direito à licença-maternidade de seis meses para servidoras temporárias e comissionadas em casos de adoção ou guarda, conforme seus regimes jurídicos. O mesmo período foi assegurado ao pai solo, biológico ou adotante.

Já com relação à simultaneidade de concessão do benefício, destaca-se o disposto no artigo 71-A da Lei 8.213/91, o qual estabelece que o indivíduo que detiver a guarda de uma criança terá direito ao salário-maternidade por um período de 120 dias, sendo vedada a concessão simultânea do benefício, ou seja, não é permitido que ambos os parceiros recebam a licença-maternidade:

Art. 71-A.  Ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias.

§ 2º Ressalvado o pagamento do salário-maternidade à mãe biológica e o disposto no art. 71-B, não poderá ser concedido o benefício a mais de um segurado, decorrente do mesmo processo de adoção ou guarda, ainda que os cônjuges ou companheiros estejam submetidos a Regime Próprio de Previdência Social.

Este entendimento decorre do fato de que o salário-maternidade tem como objetivo fornecer suporte à família como um todo, priorizando o melhor interesse da criança, seja ela recém-nascida ou adotada. 

Não à toa, a Resolução CNJ 556/2024 modificou o artigo 8-B da Resolução CNJ 21/2020, que disciplina a concessão de licença-maternidade/paternidade para os membros do Judiciário, estabelecendo que, em uma união estável homoafetiva, um dos pais teria direito ao tempo equivalente à licença-maternidade, enquanto o outro parceiro terá direito à licença-paternidade:

Art. 8º-B Aos casais em união estável homoafetiva, que utilizem técnicas de inseminação artificial, fertilização in vitro e/ou necessitem de barriga solidária ou de aluguel, fica assegurado o direito de usufruírem das licenças nos seguintes termos:
I – apenas um(a) dos(as) companheiros(as) de casais homoafetivos terá direito à licença-maternidade;
II – o(a) outro(a) companheiro(a) poderá se afastar do trabalho por prazo igual ao da licença-paternidade. (NR)

Vale destacar ainda que, no âmbito dos TRTs, foi proferida decisão considerando a situação de pessoa não gestante que passou por tratamento para poder amamentar o filho, sendo definido pelo Tribunal do Trabalho que nesse caso também haveria o direito à licença-maternidade, ainda que sua companheira tenha usufruído do benefício:

LICENÇA-MATERNIDADE. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. MÃE NÃO GESTANTE QUE REALIZOU TRATAMENTO MÉDICO PARA ESTIMULAÇÃO DA PRODUÇÃO DE LEITE. No caso em exame, a Reclamante, mãe não gestante, comprova a realização de tratamento para estimulação de leite para viabilizar o aumento na disponibilidade de amamentação da filha, bem como para o estreitamento de laços maternos. Em que pese inexista legislação específica de licença-maternidade para união estável homoafetiva entre duas mulheres, destaco o entendimento firmado pelo STF no julgamento conjunto da ADI 4277 e da ADPF 132 em que fora estabelecido: “O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica”. Assim, uma vez que a Reclamante comprova aptidão para aleitamento da filha recém-nascida, em atenção ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e por ser inadmissível uma interpretação reducionista dos direitos dos casais homoafetivos, entendo que a sentença deve ser mantida. Negado provimento ao Recurso da Reclamada. (TRT-5 – RORSum: 00000597120245050037, Relator: ANA PAOLA SANTOS MACHADO DINIZ, Segunda Turma – Gab. Des. Ana Paola Santos Machado Diniz, julgamento em 20/09/2024)

A decisão considerou que o leading case do STF (RE 1.211.446) distingue-se do caso em questão e destacou o voto vogal do ministro Cristiano Zanin em relação à duplicidade da licença-maternidade em situações excepcionais, como por exemplo, quando a companheira não gestante faça tratamento para ter condições de aleitamento. No voto restou expresso que situações tais devem receber soluções excepcionais, analisadas caso a caso. 

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Esse cenário evidencia que a licença-paternidade no Brasil ainda carece de regulamentação adequada para garantir maior equidade na divisão das responsabilidades parentais. Enquanto a licença-maternidade avançou significativamente ao longo dos anos, o direito dos pais permanece limitado e depende de iniciativas legislativas que ainda estão em tramitação. A decisão do STF de reconhecer a omissão legislativa representa um marco importante para impulsionar mudanças nesse sentido.

Como práticas do mercado, enquanto não há legislação que atenda aos novos formatos de organização familiar (apesar de existirem atualmente muitos estudos relacionados ao tema licença parental  e inclusive projetos de lei, como por exemplo o PL 1974/2021[1], o PL 3.773/2023[2] e o PL 6.063/2023)[3], a tendência tem sido a criação pelas empresas de políticas internas que oferecem a chamada “licença parental”, um benefício que não faz distinção de gênero e é concedido por um período igual ou superior ao que está previsto pela legislação vigente, visando criar um ambiente mais inclusivo e equilibrado, apoiando os colaboradores na criação de vínculos com seus filhos, promovendo uma maior harmonia entre a vida profissional e pessoal.


[1] PL 1974/2021: Institui a licença parental de 180 dias para cada responsável (limitada a duas pessoas por criança), aplicável a pais, mães ou outros cuidadores com vínculo socioafetivo. Altera a CLT e outras leis para promover a igualdade na divisão de cuidados familiares.

[2] PL 3.773/2023: Aprovado na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado em julho de 2024, esse projeto propõe um aumento gradual da licença-paternidade, começando com 30 dias nos dois primeiros anos de vigência e podendo chegar a 60 dias. Inclui ainda o “salário-parentalidade” como benefício previdenciário e veda a demissão sem justa causa por um mês após o término da licença. O substitutivo da senadora Damares Alves prevê o parcelamento da licença em até dois períodos, com o primeiro sendo pelo menos metade do total e iniciando-se logo após o nascimento ou adoção. Atualmente, está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

[3] PL 6.063/2023: Propõe 60 dias de licença-paternidade e 180 dias de licença-maternidade, com acréscimos em casos de nascimentos múltiplos e possibilidade de compartilhamento entre os pais. Está em análise na Comissão de Direitos Humanos (CDH).

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