A reforma tributária trouxe uma nova realidade para empresas brasileiras com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirão gradualmente os tributos sobre consumo (ICMS, ISS, PIS e Cofins e parte do IPI) já a partir de 2026.
No sistema atual, muitas discussões relacionadas a conflito de competência entre ICMS e ISS ou mesmo abrangência da tributação sobre contratos envolvendo múltiplas atividades foram sendo travadas ao longo dos anos, em operações envolvendo locação de bens combinada com prestação de serviços e utilidades ao usuário, serviços de telecomunicação combinados com serviços de valor agregado, arrendamento de infraestrutura com operação e manutenção associadas, dentre outros.
Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF
Sobre esse aspecto, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem admitindo a incidência do ISS (ou do ICMS) sobre a totalidade de um contrato complexo, se essas atividades forem indissociáveis entre si, sendo possível, por outro lado, aplicar tratamentos tributários distintos a atividades de naturezas também distintas, desde que o objeto e o preço de cada uma sejam claramente segregados. É o que decidiu o Tribunal em casos de franquia, arrendamento, plano de saúde e compartilhamento de infraestrutura, em que o uso do bem e o serviço desenvolvido seriam inseparáveis da finalidade contratada.
A reforma tributária nasceu com a promessa de simplificação e, dentre suas inúmeras medidas, buscou atingir uniformidade na tributação das atividades econômicas, tentando superar ao máximo antigas e infindáveis discussões que atrelavam a definição do tratamento tributário aplicável à determinação da natureza jurídica das operações. Essa finalidade foi em certa medida atendida em muitas situações a partir da criação de alíquotas uniformes em todo o território nacional e da vedação à concessão de regimes especiais não autorizados na Constituição Federal.
Contudo, ainda assim, o novo sistema autorizou alguns tratamentos específicos e diferenciados (alguns favorecidos) para determinadas atividades econômicas e a possibilidade de determinação de locais da operação distintos para recolhimento dos tributos conforme o tipo de atividade, que, embora também sejam regramentos uniformes em todo o território nacional, podem não o ser em relação às operações praticadas por um mesmo contribuinte em suas contratações.
Diante disso, a regulamentação da reforma tributária considerou os contratos que envolvem múltiplos fornecimentos e definiu como regra geral a separação contratual de cada fornecimento, com aplicação do tratamento tributário que lhe é próprio (ex. local da operação, alíquotas, isenção etc.), com clara discriminação dos valores atribuídos a cada atividade.
Como exceção, porém, a reforma permite que não sejam segregadas as atividades sujeitas ao mesmo tratamento tributário ou aquelas onde seja possível identificar um fornecimento principal que prevaleça em relação a atividades acessórias (aqui definidas como aquelas atividades que sejam condição ou meio para o fornecimento principal).
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Não há ainda na regulamentação, todavia, elementos objetivos para qualificar um contrato complexo como um fornecimento “único”, em que seja possível defender que uma das atividades é principal em relação às demais.
Na nossa percepção, diversas são as situações que ainda podem gerar debate sobre a possibilidade de tratamento como fornecimento único e, portanto, sobre a definição dos critérios de materialidade do IBS e da CBS.
Podem ser citadas, por exemplo, atividades que envolvam a locação de equipamentos, com serviços de manutenção, operação e monitoramento remoto associados; ou atividades que envolvam a locação de imóveis com algum tipo de serviço ou utilidade agregado (como em contratos do tipo built to suit, em que o imóvel é construído para atender as necessidades específicas do locatário); ou mesmo situações em que é da natureza da prestação do serviço realizar construção ou desenvolvimento de infraestrutura (muito comum em concessões de serviços públicos em geral).
A definição sobre natureza jurídica das atividades e o que constitui fornecimento principal ou acessório continuará, portanto, sendo fonte de controvérsias no novo sistema tributário e seria de grande utilidade que a iminente regulamentação da reforma tributária abordasse o tema em mais detalhes.
Para contribuir ao debate, alguns parâmetros podem ser considerados na análise, como: (i) a preponderância econômica de cada componente do contrato; (ii) a finalidade essencial buscada pelo adquirente; (iii) a autonomia técnica e jurídica dos fornecimentos; (iv) a estrutura de custos e margens de cada componente; e (v) as práticas de mercado no segmento específico.
Inscreva-se no canal de notícias tributárias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões!
Como se vê, a reforma tributária, embora prometa simplificação a longo prazo, traz desafios imediatos de adaptação, especialmente para empresas com contratos que envolvem múltiplas naturezas jurídicas.
Diante desse novo cenário, enquanto a regulamentação não dispõe sobre o tema, contribuintes podem adotar medidas preventivas para adequar seus contratos, modelos de negócios e sistemas à nova realidade. É fundamental revisar modelos e contratos vigentes, identificando aqueles que envolvam múltiplas naturezas jurídicas e o respectivo tratamento tributário nos diferentes fornecimentos, com especial atenção à definição de atividade principal e acessória, documentando cuidadosamente os critérios utilizados e o histórico da árvore de decisões que possa servir de norte para as práticas tributárias do novo sistema.