Tributação ambiental: reforma abre caminho, mas falta estrutura para avançar

O sistema tributário brasileiro nunca foi desenhado para enfrentar os desafios ambientais do século XXI. No entanto, a Emenda Constitucional 132/2023 trouxe o reconhecimento formal da tributação como instrumento de proteção ambiental ao estabelecer, no artigo 145, § 3º da Constituição Federal, que o sistema tributário nacional deve observar o princípio da defesa do meio ambiente. Essa inovação abre caminho para mudanças importantes, mas ainda sem garantias de que a tributação ambiental será estruturada de forma eficaz. A proteção ao meio ambiente já estava prevista de forma programática no artigo 225 da mesma constituição, mas sem nenhuma possibilidade de aplicação prática por ausência de instrumentos legais efetivos.

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A ideia de nudging fiscal — ou seja, a utilização de incentivos e desincentivos para induzir comportamentos sustentáveis— foi importada da economia comportamental, pode ser traduzida como “pequeno empurrão” ou estímulo sem revestir necessariamente incrementar tributos, e tem sido amplamente discutida nos debates atuais sobre tributação ambiental. A lógica é simples: com determinados incentivos, que não necessariamente representem um aumento de carga tributária, os agentes econômicos tenderão a migrar para práticas ambientalmente responsáveis sem necessidade de uma imposição direta do Estado. No Brasil, entretanto, essa estratégia tem sido tímida e fragmentada, limitada a ajustes pontuais e sem uma estrutura normativa clara para sua implementação em larga escala.

A criação do Imposto Seletivo (IS), previsto no artigo 155, inciso VIII da CF, poderia ser um passo relevante para aprimorar essa abordagem, pois sua função é justamente desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. No entanto, ainda não há regulamentação que defina quais produtos serão tributados, quais alíquotas serão aplicadas e como esse tributo será integrado ao restante do sistema. Sem critérios bem estabelecidos, há o risco de que o IS seja visto apenas como uma nova fonte de arrecadação, sem cumprir efetivamente sua função ambiental.

Mesmo sem um imposto ambiental claramente estruturado, o Brasil já pratica uma forma indireta de nudging fiscal ao aplicar incentivos tributários a setores considerados estratégicos para a economia verde. No entanto, esses incentivos são insuficientes para corrigir o desequilíbrio entre práticas sustentáveis e convencionais. Um exemplo claro está no setor de alimentos: produtos orgânicos e agroecológicos ainda são mais caros e inacessíveis para grande parte da população. Essa realidade marginaliza milhões de consumidores, que não precisam apenas de um empurrãozinho para adotar hábitos mais sustentáveis, mas sim de recursos efetivos que tornem o consumo ambientalmente responsável uma alternativa viável para todas as camadas sociais.

Além disso, setores altamente degradantes muitas vezes conseguem repassar seus custos ambientais para a coletividade, mantendo sua competitividade sem internalizar adequadamente os impactos negativos que geram. Esse problema se torna ainda mais evidente na precificação do carbono, que no Brasil ainda está restrita ao mercado regulado de créditos de carbono, recentemente criado, mas que opera sob uma lógica não tributária.

Se o Brasil pretende utilizar a tributação como um instrumento eficaz de governança ambiental, será necessário ir além do nudging e estruturar um sistema tributário que realmente internalize os custos ambientais na economia, garantindo que os agentes econômicos que degradam o meio ambiente arquem proporcionalmente com o custo de suas atividades sem repassá-los à
coletividade. Isso exige um modelo fiscal que vá além da extrafiscalidade tradicional e incorpore métricas ambientais objetivas para definir sua base de incidência.

E essas métricas não são tão distantes de serem precificadas e incorporadas ao sistema tributário aplicável ao meio ambiente. O uso de tecnologia blockchain no agro é um exemplo efetivo e atual de como é possível rastrear externalidades ambientais durante todo o ciclo produtivo e já vem sendo progressivamente aplicada no setor.

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A tributação ambiental tem potencial para ser um dos principais mecanismos de transição para uma economia sustentável, mas, sem uma estrutura normativa clara e eficaz e sem mecanismos de precificação, continuará sendo apenas um conceito abstrato. A reforma tributária abriu uma porta, mas será preciso muito mais do que um empurrãozinho para atravessá-la.

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