O Congresso Nacional reconheceu, na prática, a existência da categoria de nanoempreendedor. Isso aconteceu em um dos textos mais relevantes para a legislação brasileira: a reforma tributária. A Lei Complementar 214/2025, que instituiu o Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), criou um regime tributário para o nanoempreendedor – neste grupo, estão profissionais como revendedores de produtos de catálogos, manicures, jardineiros, cozinheiras, técnicos de informática, motoristas e entregadores de aplicativos.
A partir desse novo arranjo, a previsão é de avanços na formalização desses profissionais e alterações na arrecadação de tributos dos que já estão regularizados, com isenção ou redução do pagamento de tributos de acordo com a renda bruta anual. “Ao estabelecer que esses profissionais são nanoempreendedores, há a criação de um regime tributário especial para eles. O objetivo é não afastá-los da legalidade, se caracterizando como empresas com condições especiais”, pontua Paulo Renato Fernandes da Silva, advogado empresarial, doutor em Ciências Jurídicas e Sociais e professor da FGV-Rio.
Ao mesmo tempo, é aberto um caminho de maior entendimento sobre a categoria, que recebe tratamento próprio e não se confunde com outras categorias de trabalhadores, como celetistas. Enquanto não há avanços em uma legislação própria para a regulamentação do trabalho intermediado por plataformas – ou da definição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto – essa é uma das primeiras leis a reconhecer expressamente a característica particular de motoristas e entregadores.
O que diz a nova Lei Complementar?
Com a sanção, a Lei Complementar institui três novos impostos, os quais substituem cinco tributos em um Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) dual. A CBS reformula três tributos federais, o IPI, o PIS e o Cofins. Já o IBS unifica o ICMS, de âmbito estadual, e o ISS, por sua vez, municipal. A lei também regulamenta o Imposto Seletivo (IS), que atua de forma extrafiscal e regulatória.
Na prática, a nova categoria se aplica a pessoas físicas com receita bruta inferior a 50% do limite estabelecido para adesão ao regime do Microempreendedor Individual (MEI), que foi de R$ 81 mil em 2024, e não tenham aderido a esse regime. O nanoempreendedor não será tributado pelo IBS e nem pela CBS. O cálculo para esta categoria será feito apenas com base em 25% do faturamento desses profissionais. Isso significa que a categoria que engloba motoristas e entregadores pode ganhar até R$ 162 mil por ano.
“A medida possibilita que motoristas e entregadores de aplicativos considerem como receita bruta para fins de enquadramento nessa categoria apenas 25% do valor bruto mensal recebido”, explica Anderson Trautman Cardoso, sócio da área Tributária do Souto Correa Advogados.
De acordo com a emenda que acabou inserida no texto final, redigida pelo senador Marcos Rogério (PL/RO), a categoria de prestador de serviço por aplicativo tem uma particularidade a ser observada, que justifica essa mudança.
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“Apesar de grande parte desses motoristas e entregadores possuírem receita bruta anual acima do limite estabelecido, fato é que os custos dessa atividade (combustível, manutenção do veículo, IPVA, seguro, depreciação, por exemplo) são muito altos, o que acaba resultando em uma renda líquida muito inferior a sua receita bruta”, pontua o texto publicado em agosto de 2024.
Em busca do equilíbrio tributário
Nesse contexto, ao enquadrá-los sob essa categoria inédita, há também uma busca pelo equilíbrio da carga tributária desses prestadores de serviços. “A preocupação atual é como tornar compatível a ideia de justiça tributária (de que todos devem contribuir com o Estado por meio dos tributos) com a capacidade econômica dessas pessoas, que podem estar em situação de fragilidade financeira”, observa Silva, da FGV-Rio.
Segundo pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), com dados obtidos das empresas associadas à Amobitec, os motoristas ganham, em média, R$ 43 por viagem. Caso um motorista trabalhe cerca de 44 horas semanais, sua renda bruta será de cerca de R$ 90 mil em um ano. A remuneração por hora em corrida dos entregadores, considerando uma jornada de 20h semanais, é de R$ 23.
Por outro lado, se o profissional atua de forma esporádica, como uma renda complementar, por exemplo, estima-se uma renda aproximada de R$ 49 mil. Desse total, é estimado que os custos da atividade estão em torno de 75% dos ganhos brutos – como apontou o Grupo de Trabalho que discutiu o texto no Congresso.
Ao considerar essa porcentagem como custo operacional, o montante não é interpretado como renda ou lucro desses profissionais. Isso é, na verdade, uma parcela de investimento de natureza indenizatória, sobre a qual não deve haver incidência de tributação, explica Silva, da FGV-Rio. “A ideia é criar um ponto de equilíbrio entre a contribuição tributária e, ao mesmo tempo, possibilitar um ambiente jurídico e tributário que deixe as pessoas na legalidade e no mercado formal de aplicativos”, acrescenta.
Caso houvesse uma tributação diferente da proposta pelo PLP 68/24, consequências como aumento do preço e diminuição da demanda possivelmente trariam repercussões ao serviço. “É importante não permitir que essa atividade acabe pelo excesso de tributação. Se esse valor fosse repassado ao consumidor, haveria um encarecimento da atividade e um reflexo econômico que poderia gerar uma crise nesse sistema”, opina o advogado.
A transição para o novo sistema tributário ocorrerá de forma gradual, entre 2026 e 2033. No ano que vem, será iniciado o teste nacional do CBS e do IBS. Em 2027, deve-se começar a cobrança parcial desses novos tributos, com aumento gradual das alíquotas até a substituição completa dos impostos atuais. Essa previsão também vale para a emenda que envolve motoristas e entregadores de aplicativos sob a nova classificação de nanoempreendedores.
Diferenças entre MEI e nanoempreendedor
Conheça as diferenças entre as categorias que buscam facilitar a formalização de diferentes profissionais:
- Faturamento
MEI – receita anual de até R$ 81 mil
Nanoempreendedor – teto de R$ 40,5 mil. - Registro
MEI precisa de CNPJ e registro como pessoa jurídica
Nanoempreendedor atua como pessoa física. - Tributação
MEI paga mensalmente uma taxa fixa com impostos e previdência, o Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS).
Nanoempreendedores são isentos do IBS e CBS, e podem ter descontos em contribuições previdenciárias. - Obrigações acessórias
MEI deve entregar declaração anual.
Ainda não há essa exigência para o nanoempreendedor.