PGFN evita perdas de R$ 727 bilhões para União; R$ 321 bilhões só no Carf

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) evitou R$ 727,1 bilhões em perdas fiscais em 2024, número 2,3 vezes maior que no ano anterior, em que se foram evitados R$ 304,6 bilhões. Desse montante, R$ 321,4 bilhões foram contabilizados com relação aos julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), enquanto os outros R$ 405,7 bilhões foram evitados nos tribunais superiores. Os números são do relatório “PGFN em Números”, divulgados nesta quarta-feira (19/3), em São Paulo. 

No Carf, o número representa um aumento de 195% em relação a 2023, quando foram evitados R$ 110,4 bilhões em perdas no contencioso administrativo tributário. 

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De acordo com o procurador-geral adjunto, Moisés de Sousa Carvalho, um dos fatores que contribuíram para o resultado no âmbito administrativo foi a volta do voto de qualidade, utilizado como critério de desempate no Carf. Ele determina que a decisão seja exercida pelo presidente da turma julgadora, que, por regra, é sempre um conselheiro representante da Fazenda Nacional.

Carvalho também citou os julgamentos represados durante a pandemia de Covid-19, período no qual o conselho realizou os julgamentos por videoconferência e com limite de valor. Com isso, casos vultosos sobre ágio, por exemplo, ficaram travados. 

Não à toa, o relatório da Procuradoria aponta dentre as teses mais relevantes: os juros sobre capital próprio (JCP) em operações de ágio interno, processos que somaram juntos R$ 10,7 bilhões de créditos tributários; aplicação das regras de preço de transferência na exportação de commodities minerais (R$ 6,9 bilhões); e a bipartição de contratos de afretamento no setor de petróleo (R$ 9,8 bilhões). 

Já no contencioso judicial, o valor das perdas evitadas chegou a R$ 405,78 bilhões, sendo que parte desse número já estava previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), segundo a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida. O montante inclui as perdas evitadas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Outros processos com impacto bilionário estão no radar do órgão em 2025, incluindo a discussão sobre a manutenção do limite de dedução de despesas educacionais do imposto de renda. Esta é uma discussão de R$ 75 bilhões, segundo a procuradora, que está em pauta no plenário virtual do STF desta semana. O placar já conta com 5 votos favoráveis à União. 

R$ 34,1 bi da dívida ativa da União foram recuperados em transação tributária

Além da atuação nos tribunais, a PGFN também arrecadou R$ 61,3 bilhões da dívida ativa e do FGTS, dos quais R$ 34,1 bilhões vieram de acórdãos de transação tributária. O resultado foi 20% superior a 2023, quando foram arrecadados R$ 48,3 bilhões, e o dobro do valor recuperado em 2020 (R$ 25,7 bilhões recuperados).

Segundo a PGFN, esse é um instrumento que tem se mostrado bastante efetivo para reduzir litígios e garantir arrecadação. Nos últimos cinco anos, de acordo com João Grognet, procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa e do FGTS, a PGFN já realizou mais de 3 milhões de acordos de transação tributária e cerca de R$ 750 bilhões foram transacionados.

“A gente tem, fruto do acúmulo dos acordos de transação, uma arrecadação obviamente crescente. Nesse aspecto, fazer concessões mútuas representa um incremento e uma elevação nos resultados da PGFN e da União e, obviamente, na última análise, do país”, afirmou.

Em adesões totais entre 2019-2024, foram cerca de 3,2 milhões de acordos, com o valor consolidado sem descontos chegando ao total de R$ 777,1 bilhões. Entre os casos principais de sucesso, há o destaque para o acordo com as companhias aéreas Gol e Azul para regularizar dívidas previdenciárias e fiscais de R$ 7,5 bilhões.

Além da conciliação com a Gol e a Azul, a procuradora-geral da Fazenda Nacional mencionou a atuação conjunta com a Câmara de Conciliação da Advocacia-Geral da União (AGU) em relação à companhia aérea Varig, que formalizou um acordo para quitação de créditos tributários no valor aproximado de R$ 170 milhões e R$ 800 milhões referentes ao FGTS. O caso começou a ser discutido há cerca de 20 anos, quando a Varig decretou falência.

O acordo com a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), também destacado no anuário, deu fim a litígios judiciais de mais de duas décadas. Segundo os dados da PGFN, essa transação resolveu uma dívida de cerca de R$ 6,2 bilhões em tributos federais e R$ 252 milhões em FGTS, o que beneficiou diretamente centenas de trabalhadores que aguardavam havia anos o pagamento da verba.

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Em 2024, a PGFN também realizou transações com companhias de saneamento, renegociando mais de R$ 6 bilhões em débitos tributários. Na 1ª Região, por exemplo, foi assinado um acordo com a Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia (Caerd) para saldar R$ 1,5 bilhão em dívidas da concessionária com a União, o que resultaria em recuperação anual de mais de R$ 33 milhões aos cofres públicos.

Desafios do contencioso

Mais cedo, a procuradora-geral e outros integrantes da PGFN participaram de um seminário na FGV em São Paulo que discutia o contencioso tributário. Dentre os diversos temas em debate, o procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS, João Grognet, chamou atenção para a necessidade de atuar antes da formação dos litígios. Para ele, não é possível prever o tamanho do contencioso gerado pela reforma tributária.

De forma otimista, Grognet disse acreditar que a tendência é de redução de litígios, considerando características como a alíquota única, poucos regimes diferenciados e a tributação no destino. Isso não significa, ponderou, que o contencioso deixará de existir, mas deve se concentrar principalmente em operações B2C (business-to-consumer — quando uma empresa vende seu produto diretamente ao consumidor final), por conta do inadimplemento, e em fraudes.

Por essa razão, o procurador defendeu uma mudança na relação entre fisco e contribuinte. Segundo ele, o atual sistema vive um estado de desconfiança generalizada, no qual as partes atuam de forma defensiva, o que contribui para o aumento do contencioso.

Anelize Almeida também tratou dessa questão e afirmou que, uma vez instalado o conflito, deixa de ser uma questão de interpretações divergentes e se torna efetivamente um contencioso. Nesse cenário, a transação tributária assume um papel fundamental no novo modelo de relação entre o fisco e o contribuinte, justamente por permitir a resolução tanto do contencioso jurídico quanto econômico.

Segundo ela, o Programa de Transação Integrada (PTI) é um passo nessa direção ao viabilizar a negociação conjunta desses dois tipos de litígios. A procuradora também defendeu a ampliação do alcance da transação para além dos créditos inscritos em dívida ativa. Segundo a procuradora, a PGFN tem recebido pedidos nesse sentido e, na sua avaliação, já é “‘chegada a hora de levar a transação para todos os créditos”.

Estrutura de harmonização

Anelize também tratou da interpretação da lei tributária que, segundo ela, precisa ser construída de forma coletiva, sobretudo no contexto da reforma tributária, e não pode ficar concentrada nas mãos de um comitê gestor. Durante o seminário, a procuradora afirmou que uma parte do contencioso atual vem da falta de comunicação e excesso de informação, e não de divergências técnicas.

Almeida criticou a atual estrutura pensada para os comitês de harmonização e defendeu que a interpretação da lei tributária seja feita a muitas mãos como forma de diminuir o contencioso. “Não é possível tirar o jurídico da sala quando se fala de interpretação tributária, não é possível dizer que só um determinado organismo tem o poder ou o domínio da interpretação. Na minha opinião isso é inconstitucional”, declarou em referência à composição prevista para o Comitê e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias.

Pela Lei Complementar 214/24, a uniformização das normas e a interpretação da legislação relativa ao IBS e à CBS ficará a cargo do Comitê de Harmonização e do Fórum. O comitê contará com quatro representantes da Receita Federal e quatro representantes do Comitê Gestor do IBS, sendo dois dos Estados ou do DF e dois dos municípios ou do DF. Já o fórum será composto por quatro representantes da PGFN e quatro representantes das procuradorias, indicados pelo Comitê Gestor do IBS, sendo dois procuradores de Estado ou do DF e dois procuradores de municípios ou do DF.

Para a procuradora, o problema está em concentrar no comitê a função de uniformizar a interpretação da lei tributária de forma isolada, sem participação das instituições jurídicas e de controle. “Às vezes é uma palavra que muda complementarmente a lógica”, disse.

A conselheira do Carf Ana Claudia Borges, integrante da 1ª Seção, concordou com a ponderação da procuradora e defendeu a harmonização dentro do sistema tributário a partir dos precedentes qualificados e vinculantes. Para ela, “tem algo de muito errado” em novos instrumentos que tentam tirar essa vinculação.

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