Aprovação regulatória e Avaliação de Tecnologia em Saúde na UE: lições ao Brasil

O relatório do Centro de Inovação em Ciência Regulatória (CIRS) de 2025 apresenta uma análise detalhada sobre a interação entre aprovação regulatória e a Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS) na União Europeia, focando no período de 2019 a 2023.

A pesquisa abrange sete países: França, Alemanha, Irlanda, Países Baixos, Polônia, Portugal e Suécia, e destaca os desafios enfrentados, especialmente em relação aos medicamentos aprovados por processos acelerados pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

Um dos pontos mais relevantes do relatório é o descompasso temporal entre a aprovação regulatória acelerada pela EMA e as avaliações subsequentes de ATS. Embora a EMA tenha como objetivo acelerar a disponibilidade de medicamentos inovadores, o tempo até que esses medicamentos sejam submetidos para a avaliação pelos órgãos de ATS costuma ser mais longo, especialmente quando comparados com os medicamentos que seguem o processo regulatório tradicional.

Isso é observado em países como Irlanda, Países Baixos e Polônia, onde produtos aprovados de forma acelerada levam mais tempo para serem submetidos à ATS do que os que passaram pelo processo convencional.

Esse atraso pode ser atribuído à necessidade de coletar mais dados clínicos e econômicos. Medicamentos aprovados de maneira acelerada ainda podem apresentar incertezas sobre sua efetividade a longo prazo e sobre seu custo-benefício, o que pode exigir tempo adicional para a preparação de evidências complementares antes da submissão para análise pelos órgãos de ATS.

Estratégias de submissão e diferenças nas prioridades de mercado

O relatório também evidencia que as empresas farmacêuticas tendem a priorizar a submissão de novos medicamentos para países com sistemas regulatórios mais rápidos e previsíveis, como França e Alemanha. Já países como Irlanda, Países Baixos, Polônia e Portugal apresentam um ritmo mais lento na aceitação dessas submissões. Essa disparidade não se deve apenas à infraestrutura regulatória, mas também às complexas políticas de precificação e reembolso desses países.

Além disso, o relatório revela que, embora a aprovação acelerada pela EMA tenha como intuito proporcionar acesso mais rápido a medicamentos inovadores, isso não tem implicado uma incorporação igualmente rápida nos sistemas de saúde nacionais. A agilidade no processo regulatório não se traduz automaticamente em celeridade na submissão da avaliação de custo-efetividade, o que pode prolongar o tempo até que o medicamento esteja disponível para a população.

O caso da Irlanda ilustra as dificuldades enfrentadas por medicamentos acelerados. O tempo entre a aprovação pela EMA e a submissão à ATS na Irlanda foi consideravelmente maior para os produtos acelerados (131 dias) do que para os produtos com processo padrão (77 dias). Muitos desses medicamentos passaram por uma revisão preliminar (Rapid Review) antes da avaliação completa, o que também contribui para a demora na decisão final.

A necessidade de dados econômicos robustos, como eficácia comparativa e impacto orçamentário, é um obstáculo significativo para a aceitação de medicamentos aprovados de forma acelerada, que muitas vezes não possuem essas evidências no momento da aprovação regulatória.

Na Holanda, a situação é ainda mais acentuada, com medicamentos aprovados por vias aceleradas demorando em média 327 dias para serem submetidos à ATS, em comparação com 257 dias para os medicamentos do processo convencional. O Instituto Nacional de Saúde, responsável pela ATS, exige dados adicionais para realizar uma análise rigorosa de custo-efetividade, o que prolonga ainda mais o processo.

A Polônia apresenta o maior atraso entre os países analisados, com medicamentos aprovados pela EMA por via acelerada levando 488 dias para serem submetidos à ATS, em comparação com 416 dias para os medicamentos do processo tradicional. A exigência de dados econômicos e o uso de referência externa de preços, baseados em negociações com mercados maiores, também contribuem para essa demora.

Necessidade de integração entre reguladores e organismos de ATS

Uma das conclusões principais do relatório é a necessidade de uma integração mais estreita entre os órgãos reguladores, como a EMA, e os organismos de ATS. A aproximação desses dois sistemas pode permitir a definição de critérios de avaliação desde o início, que atendam tanto à segurança e eficácia do medicamento quanto ao seu custo-benefício.

Atualmente, muitos ensaios clínicos são projetados apenas para atender aos critérios regulatórios, como taxas de resposta e sobrevida livre de progressão da doença, mas não fornecem dados suficientes para a avaliação de impacto orçamentário, o que atrasa o processo de incorporação nos sistemas de saúde.

A implementação do Regulamento sobre Avaliação de Tecnologia em Saúde da União Europeia, que entrou em vigor em 13 de janeiro de 2025, visa facilitar essa integração. Esse regulamento oferece uma base uniforme para as decisões de avaliação de tecnologias médicas, permitindo que dados do mundo real, como eficácia e custos a longo prazo, sejam usados para ajustar as decisões de reembolso e cobertura, tornando a análise de custo-benefício mais dinâmica e flexível.

Reflexão sobre a Realidade Brasileira

O Brasil enfrenta desafios semelhantes, mas com algumas peculiaridades. O Sistema Único de Saúde (SUS) busca garantir a universalidade e a equidade no acesso à saúde, mas sofre com a cobertura desigual e a pressão por judicialização, que força a inclusão de medicamentos no sistema sem a devida análise de custo-efetividade. Isso pode gerar impactos financeiros significativos, comprometendo a sustentabilidade do SUS.

A decisão 1234 do Supremo Tribunal Federal (STF) procurou equilibrar a garantia do direito à saúde com a responsabilidade do Estado em gerenciar os recursos de forma racional e garantir a efetividade das políticas públicas, conforme as prioridades do SUS.

No Brasil, a Resolução da Diretoria Colegiada 948/2024 da Anvisa introduz regras para a precificação de medicamentos prioritários, exigindo que as empresas protocolizem um Documento Informativo de Preço em até 60 dias após a autorização sanitária. Esse protocolo deve ser submetido por meio de um sistema eletrônico, conforme as Resoluções do Conselho de Ministros da CMED, que regula a precificação dos medicamentos no mercado brasileiro.

A RDC 948/2024 visa garantir transparência e agilidade no processo de precificação, permitindo que medicamentos prioritários, aprovados com agilidade pela Anvisa, também sejam avaliados adequadamente em termos de preço, equilibrando acesso com sustentabilidade financeira.

Por fim, o relatório do CIRS oferece uma análise importante sobre os desafios enfrentados por países da União Europeia na tentativa de equilibrar a aceleração da aprovação regulatória e a avaliação de tecnologias em saúde.

Para o Brasil, as lições extraídas dessas práticas podem ajudar a melhorar seus próprios processos de avaliação e incorporação de tecnologias, garantindo que as decisões sobre medicamentos inovadores sejam fundamentadas em dados sólidos de custo-benefício e impacto orçamentário.

A implementação de uma abordagem mais integrada e rigorosa, como os esforços em curso na União Europeia, poderia ajudar a sustentar o SUS e melhorar a qualidade do atendimento à saúde. A RDC 948/2024 é um passo significativo nessa direção, promovendo maior transparência e eficiência no processo de precificação e garantindo um processo mais equilibrado para todos os envolvidos.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.