A evolução da recuperação da dívida ativa: o papel da PGFN

Mais de 18 anos depois de ter iniciado minha carreira na Procuradoria da Fazenda Nacional, no Amazonas, vivo diariamente toda a potência da advocacia pública na elaboração, implementação e monitoramento de diversas políticas públicas no âmbito do Poder Executivo federal.

A repercussão da atuação da advocacia pública, e mais especificamente da PGFN, no Estado brasileiro é nítida. A PGFN colabora na formulação de políticas públicas do governo federal, em matérias tão diversas quanto questões tributárias, financeiras, societárias, administrativas ou de pessoal, garantindo segurança jurídica aos atos normativos produzidos no Ministério da Fazenda ou aqueles, de outros ministérios, que impactam a política fiscal do nosso país.

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Atuamos, ainda, na defesa da constitucionalidade e legalidade da legislação tributária, defendendo a Fazenda Nacional em juízo desde os Juizados Especiais Federais até a Suprema Corte. A atuação judicial da PGFN assegura a manutenção de políticas públicas tributárias e aduaneiras, reduzindo a litigiosidade entre Administração Tributária e contribuinte e garantindo que a tributação atenda aos princípios insculpidos na Constituição Federal.

Parte importante das competências constitucionais da PGFN é a recuperação do crédito inscrito em dívida ativa da União, cujos valores integram o orçamento público federal e colaboram no financiamento de políticas públicas essenciais, tanto para manutenção do Estado, como para investimentos em infraestrutura e para desenvolvimento social do nosso país.

Dentro do macroprocesso de recuperação de crédito, a PGFN também é responsável pela inscrição e cobrança dos débitos do FGTS não pagos a tempo e modo devidos. Nós dizemos que é “a política pública das políticas públicas” porque o recurso recuperado chega, imediatamente, na mão do trabalhador ou da trabalhadora brasileiros, além de colaborar na sustentabilidade do FGTS e, portanto, no financiamento das políticas de habitação popular, saneamento e infraestrutura.

Uma década atrás, a PGFN atuava de forma, quase, artesanal na inscrição e cobrança da DAU-FGTS. O processo de gestão do estoque era fundamentalmente focado na cobrança judicial, por meio do processo de execução fiscal. Os resultados eram irrisórios, apesar do esforço individual de cada procurador e procuradora, além dos valorosos (mas poucos) servidores administrativos, que atuavam nesse fluxo de trabalho e dos recursos logísticos e tecnológicos empregados.

A PGFN era, regularmente, apontada como a responsável pelo imenso volume de processos judiciais em trâmite com o menor índice de solução, o que resultava em 91% de congestionamento, conforme dados do relatório Justiça em Números do ano de 2014.

Em 2015, nasceu o novo modelo de cobrança da dívida ativa da União. Um documento escrito a muitas mãos que inaugurou uma nova forma de relação da PGFN com o crédito público desde o momento do recebimento dos órgãos de origem para a inscrição em DAU, passando pelo controle de legalidade e pela classificação do estoque e resultando na implementação de diversas estratégias de cobrança direcionadas e customizadas, levando em conta a situação individual de cada devedor.

A implementação da classificação do estoque inscrito à luz do binômio débito/devedor foi o primeiro passo. A sistemática do rating foi baseada em benchmarking do sistema financeiro nacional, sem desconsiderar as especificidades da natureza pública do crédito em cobrança, impactada pelos princípios constitucionais da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

Em paralelo ao projeto de classificação do estoque, foi editada a Portaria PGFN 396, de 20 de abril de 2016, que regulamentou o Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos (RDCC) consubstanciado em um conjunto de medidas administrativas e judiciais com foco na otimização do processo de trabalho da cobrança da DAU-FGTS, baseado em economicidade e racionalidade. O RDCC estava fundado em quatro grandes procedimentos:

  1. diligenciamento patrimonial,
  2. protesto extrajudicial,
  3. acompanhamento de parcelamentos; e
  4. acompanhamento de execuções garantidas.

Com o passar dos anos, as equipes da PGFN foram especializadas em diferentes estratégias de cobrança, que variam da cobrança administrativa amigável pelo atendimento ao contribuinte de forma individualizada até o combate à fraude fiscal estruturada. Foi criada e aperfeiçoada uma rede nacional de atendimento ao contribuinte, baseada na acessibilidade e na certeza de que o diálogo entre Administração Tributária e cidadão é o melhor caminho para o estímulo à conformidade fiscal voluntária.

A PGFN criou, modernizou e aperfeiçoou o portal Regularize, uma ferramenta tecnológica desenvolvida a partir da lógica UX (user experience), que possibilita, de forma clara e intuitiva, que o contribuinte entenda a sua situação na DAU-FGTS e as alternativas para regularização. 

O sistema de protestos, que atualmente se comunica com todos os cartórios brasileiros, é outra iniciativa com repercussões importantes no sucesso da recuperação do crédito. Só em 2024, o protesto recuperou mais de R$ 6 bilhões. Para além dos resultados financeiros dessa estratégia, o protesto é uma forma mais rápida e fácil do devedor regularizar sua situação com a Fazenda Nacional, evitando ajuizamento de um processo de execução fiscal de forma desnecessária.

Com a racionalização dos fluxos de administração e cobrança dos créditos inscritos, a PGFN investiu na formação de equipes especializadas em investigação fiscal e combate à fraude fiscal estruturada. Tais equipes trabalham de forma orquestrada em todo o território nacional e são capazes de identificar patrimônio, bens e direitos de devedores que, em muitos casos, se utilizam das brechas da legislação para não cumprir suas obrigações tributárias.

Também foram investidos recursos incontáveis na automatização da diligência patrimonial, que tem no sistema Analytics o coração de toda a sistemática introduzida pelo RDCC. É a partir do trabalho profundo e detalhado dessas equipes que a PGFN está inserida na rede governamental de combate ao crime contra a ordem tributária, colaborando para um sistema tributário mais justo e transparente.

Dentre as inúmeras iniciativas adotadas pela PGFN ao longo dos últimos anos, algumas são disruptivas mesmo se compararmos ao nosso próprio padrão de inovação. O Comprei, por exemplo, é uma plataforma de negócios da União que, em 2024, negociou mais de R$ 1 bilhão na venda direta de bens imóveis dados em garantia ou penhorados em processos de execução fiscal.

A ideia da sistemática nasceu da insatisfação com os resultados pouco adequados na conversão em valores dos imóveis penhorados em execução fiscal, que, ao final de um processo longo e doloroso para todos os envolvidos, a alienação do bem não resultava na satisfação do crédito inscrito. 

Não posso falar da recuperação do crédito inscrito em DAU-FGTS e da transformação vivida na PGFN sem falar da política pública de fiscalidade mais bem sucedida da última década. A transação tributária foi pensada, debatida, criada, defendida, implementada e, constantemente, aperfeiçoada pela PGFN.

Nos últimos quatro anos, realizamos mais de três milhões de acordos de transação, recuperando aos cofres públicos a incrível cifra de R$ 77 bilhões em créditos que eram considerados irrecuperáveis ou de baixa recuperabilidade e registrados em nome de devedores com nenhuma ou reduzida capacidade de pagamento, além de estarem em litígio há muitos anos.

Como testemunha da evolução da PGFN nas últimas duas décadas, tenho muito orgulho em compartilhar esses exemplos do que temos feito e da grande revolução que nasceu de forma orgânica e que tem transformado a relação da PGFN com os contribuintes na cobrança da dívida ativa da União e do FGTS. Os grandes números que divulgamos com frequência são o resultado concreto da nossa atuação eficiente, inovadora e baseada em resultados. Mas, tem uma dimensão mais sutil, e nem sempre visível, que gostaria de compartilhar.

As inovações trazidas pela PGFN na recuperação do crédito inscrito em dívida ativa tem o potencial de redesenhar as relações da federação brasileira. Todos sabemos que os entes da federação – União, estados, Distrito Federal e municípios – têm capacidade tributária ativa.

Também sabemos que todos esses entes registram seus créditos não recebidos nas suas dívidas ativas e lidam, diariamente, com desafios semelhantes tanto na administração do crédito, quanto na cobrança do mesmo. Desafios que a PGFN também enfrenta e para os quais já desenvolveu soluções – estratégicas, táticas, tecnológicas, de alocação de pessoas.

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A partir da experiência e conhecimento adquiridos por gerações de procuradores e procuradoras, a PGFN está preparada para compartilhar com os demais entes da federação, em especial com toda a rede da advocacia pública, as soluções desenvolvidas e implementadas que trouxeram os nossos resultados para outro patamar, não apenas do ponto de vista dos valores recuperados, mas, principalmente, do reposicionamento da PGFN como órgão central e essencial na estrutura do Estado brasileiro. 

Por isso, o artigo 156-B, § 6º, da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional 132, de 2023, refere-se textualmente à PGFN, que, em conjunto com o Comitê Gestor do IBS e a administração tributária da União, atuará para harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos da reforma tributária que alterou intrinsecamente a tributação do consumo no Brasil. Também, a Lei Complementar 212/2025 prevê a cooperação interfederativa entre União e entes subnacionais “para otimizar a administração, a cobrança e a representação judicial e extrajudicial dos créditos inscritos em dívida ativa”.

Sem dúvidas, a PGFN inaugura um novo tempo nas relações interfederativas no Brasil, por meio da governança nacional da dívida ativa, devolvendo à sociedade brasileira serviços e políticas públicas de qualidade com a excelência e eficiência que é nosso padrão!

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