Overdose regulatória na saúde suplementar

O nome não é dos piores, mas, ainda assim, causa calafrios nos advogados do setor. Trata-se da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), prevista na Resolução Normativa 483/2022, que regulamenta o direito de petição dos beneficiários de planos de saúde perante a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

As NIP são um tema central da agenda regulatória da ANS para o triênio 2023-2025, em razão da explosão do seu uso nos últimos anos. De fato, entre 2016 e 2023, o número de NIP passou de 89.635 para 352.633 (aumento de 293%) e o prazo médio de análise de 84 para 572 dias (aumento de 580%)[1]. Os números não mentem: a fiscalização da ANS está em colapso e o risco de prescrição de milhares de processos espreita a agência.

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As causas do fenômeno, contudo, ainda não foram bem determinadas. Existem, evidentemente, os suspeitos habituais: as operadoras de planos de saúde que prestam mau serviço à população. Mas, à boca miúda, outros personagens são lembrados: como se esquecer, por exemplo, dos beneficiários que se valem da NIP para compelir as operadoras a analisarem suas demandas em prazo inferior ao previsto na legislação?

O problema regulatório está colocado e, independentemente do diagnóstico de suas causas, a ANS se vê obrigada a tomar providências. Para tanto, no espaço de pouco meses, a agência propôs a alteração de três importantes resoluções normativas:

  1. a RN 395/2016, que dispõe sobre as regras a serem observadas pelas operadoras nas solicitações de procedimentos;
  2. a RN 483/2022, que dispõe sobre os procedimentos adotados para a estruturação e realização de ações fiscalizatórias e
  3. a RN 489/2022, que dispõe sobre a aplicação de penalidades para as infrações à legislação dos planos privados de assistência à saúde.

A primeira modificação foi operada em dezembro de 2024, quando a RN 623/2024 revogou a RN 395/2016, determinando que solicitações de procedimentos ou serviços de cobertura assistencial serão respondidas de maneira conclusiva no prazo de dez dias úteis, no caso de procedimentos de alta complexidade e de atendimento em regime de internação eletiva; e em cinco dias, nas demais situações.

Frise-se que o impacto dessa norma sobre o número de NIP ainda não pode ser aferido, pois a resolução apenas entrará em vigor em primeiro de julho do corrente ano.

As alterações nas RN 483/2022 e RN 489/2022 ainda estão em discussão no âmbito da Consulta Pública 147, que se estenderá até o início de março. Contudo, se as mudanças propostas pelo corpo técnico forem ratificadas, o valor das multas aplicadas pela ANS será corrigido em média em 270%.

Além disso, a agência não mais analisará as NIP caso a caso, mas sim com base em amostras, cujos critérios de elaboração preveem pesos maiores para as operadoras pior ranqueadas no Índice Geral de Reclamações (ou IGR, outra sigla que gera vertigem nos advogados da saúde suplementar).

Singularmente consideradas, as medidas propostas pela ANS são incensuráveis: há anos a Análise Econômica do Direito aponta que o agente racional leva em consideração o montante das penas (objeto da RN 489/2022) e, sobretudo, a eficácia do processo sancionatório (RN 483/2022) para analisar os custos e benefícios de cometer uma infração.

Contudo, quando aplicadas em conjunto as medidas previstas na CP 147 e na RN 623/2024, vislumbra-se que o regulador talvez esteja ministrando uma dose de remédio maior do que a necessária para curar a doença – e que, no limite, pode até mesmo matar o paciente.

Nesse sentido, dentre outros problemas, antevê-se uma possível oligopolização do mercado, uma vez que as pequenas e médias operadoras terão dificuldades de arcar com os novos custos, e um aumento da inadimplência no pagamento das multas, o que irá de encontro ao desejo da ANS de aperfeiçoar o enforcement da fiscalização.

A nosso ver, portanto, é recomendável que a ANS suspenda a CP 147, a fim de apurar os impactos da RN 623/2024 sobre o número de NIP; ou, ao menos, deixe momentaneamente de lado as propostas de modificação da RN 489/2022, que trata da majoração do valor das multas. Caso contrário, há o risco de que a saúde suplementar sucumba à uma overdose regulatória.        


[1] https://componentes-portal.ans.gov.br/link/ConsultaPublica/147. Acesso em 24/02/2025.

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