Afastamento dos EUA da agenda verde traz riscos e oportunidades ao Brasil

A posse de Donald Trump foi seguida por mudanças nas políticas de energia e clima dos EUA, tema especialmente sensível ao Brasil em ano de COP30. Logo na primeira semana de mandato, o presidente americano anunciou a saída do Acordo de Paris, declarou emergência energética, suspendeu novas licenças para instalação de parques eólicos offshore e flexibilizou as regras de exploração de recursos naturais no Alasca, com foco nas permissões para projetos de gás natural liquefeito (LNG). 

No decreto de emergência energética, os termos energia e recursos energéticos foram definidos de modo a incluir petróleo bruto, gás natural, produtos petrolíferos refinados, urânio, carvão, biocombustíveis, energia geotérmica, energia cinética da água e minerais críticos. Não há menção às energias solar e éolica, que foram pilares importantes durante o governo Biden e já representam 14,1% da geração de energia elétrica do país, segundo dados da Energy Information Administration (EIA).

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A mudança de postura ocorre em momento histórico de necessidade de redução de emissão de gases do efeito estufa e queda acentuada dos custos com novos projetos de exploração de energia solar e eólica. Segundo a International Renewable Energy Agency (Irena), a média ponderada global do Custo Nivelado de Energia (LCOE) de novos projetos solar fotovoltaicos e eólicos offshore, por exemplo, recuou 12% e 7% em 2023, respectivamente.

Outra mudança anunciada pelo governo Trump foi a revogação das medidas que visavam propiciar a expansão da venda de veículos elétricos nos EUA, com destaque para o congelamento de recursos destinados à expansão da infraestrutura de abastecimento e à concessão de créditos fiscais para compra de carros elétricos.

Adicionalmente, foi rescindida a ordem executiva do governo Biden que estabelecia a meta de que 50% de todos os novos veículos vendidos em 2030 fossem elétricos. Algumas ações propostas pela nova administração devem ser alvo de disputas judiciais, mas a implementação de alterações na estrutura de incentivos pode colocar a indústria automobilística dos EUA em condição desafiadora de competitividade no longo prazo. 

Ainda que seja pouco provável uma reversão total da tendência de ampliação dos investimentos em transição energética, as sinalizações do novo governo contribuem para a perda de momentum das alianças climáticas e para criar maiores empecilhos ao financiamento da agenda.

Antes da posse de Trump, diversas instituições financeiras se retiraram da Net-Zero Banking Alliance (NZBA), uma coalizão de bancos no âmbito da agenda de transição energética apoiada pela ONU, e houve suspensão das atividades da Net Zero Asset Managers (NZAM), que era a maior aliança de gestores pela descarbonização de portfólios.

Agora, abre-se uma brecha para que outros países sejam mais lenientes com compromissos internacionais no âmbito da agenda do clima. Destaca-se que 95% dos países não cumpriram o prazo para divulgação da atualização da Contribuições Determinadas Nacionalmente (NDCs) que havia sido fixado para 10 de fevereiro, segundo a Carbon Brief.

Por fim, as sinalizações recentes podem dificultar o andamento da agenda de financiamento climático e das discussões previstas para a COP30, que será realizada em novembro, no Pará. A COP29, em Baku, resultou no aumento da meta de financiamento climático de US$ 100 bilhões por ano no período de 2020 a 2025 para US$ 300 bilhões (em geral, na forma de doações e empréstimos a juros abaixo do mercado concedidos até 2035 pelos países desenvolvidos).

No entanto, estudos apontaram para a necessidade de volumes mais vultuosos (na ordem de US$ 1,3 trilhão por ano para o combate às mudanças climáticas até 2030, especialmente, nos países mais pobres e carentes de infraestrutura). Ao fim das reuniões em 2024 foi estabelecido o grupo Baku-Belém para trabalhar na mobilização de recursos adicionais, mas essas negociações correm risco de ser enfraquecidas à luz das mudanças desencadeadas pela posse do novo governo nos EUA.

Por outro lado, neste ano, há oportunidades para uma posição mais protagonista do Brasil, como por meio da consolidação da aliança Europa-Sul Global em prol da agenda do clima, além de espaço ainda mais expressivo para ampliação dos investimentos chineses na transição energética, bem como para o anúncio de uma atualização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) mais agressiva pelo país asiático.

Especialistas alertam que a China deve mirar redução de emissão de carbono de 30% até 2035 em comparação aos níveis de 2023 para que o mundo tenha alguma chance de atingir os objetivos do Acordo de Paris.

Além dos desafios no âmbito climático, a agenda do governo Trump nos EUA baseada nos pilares de protecionismo comercial, expansão fiscal, controle imigratório e desregulamentação de setores deve se traduzir ao longo do tempo em maior pressão inflacionária, juros mais elevados e dólar mais apreciado em relação ao cenário anterior sem essa política econômica, o que deve implicar desaceleração do comércio e PIB global. A projeção da Tendências aponta para avanço médio de 3,1% para o PIB mundial até 2030, após média de 3,7% entre 2010-2019.

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