Dino: indenização de Mariana não pode ser usada para pagar honorários sem STF autorizar

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quarta-feira (5/3) que o dinheiro referente às indenizações relativas ao acordo da tragédia de Mariana pertencem somente aos municípios atingidos e só podem ser usados conforme o que for decidido pelo STF. Portanto, os valores não podem ser despendidos para pagar taxas, encargos ou mesmo honorários advocatícios de escritórios no exterior.

A decisão de Flávio Dino é uma resposta ao questionamento dos municípios sobre a adesão ao acordo nacional firmado entre União, estados e as mineradoras Samarco, BHP e Vale e homologado pelo STF no fim do ano passado.

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Os municípios têm até quinta-feira (6/3) para decidirem se integrarão ou não o acordo com Samarco, Vale e BHP. Até o momento apenas 17 dos 49 municípios aptos aderiram ao acordo.

A decisão de Dino deixa claro que, ao aderirem ao acordo nacional, o destino do dinheiro de indenização vinda no exterior estará submetido à soberania nacional, de acordo com a decisão do STF.

De acordo com contratos assinados pelas prefeituras com os escritórios estrangeiros, 20% do que for recebido em indenização nas ações no exterior pertencem aos escritórios de advocacia, como o Pogust Goodhead. Além disso, o escritório afirmou em carta enviada aos municípios que, caso eles aderissem ao acordo no STF, e consequentemente desistissem da ação no Reino Unido, seria acionada uma cláusula o dinheiro recebido seria “contado como indenização para os fins do CCFA [contrato coletivo de honorários em caso de êxito]”.

Segundo o ministro, os municípios estão vinculados às decisões do STF, caso desejem aderir ao acordo homologado. Assim, outros compromissos, mesmo advindos de sentenças estrangeiras, são subordinados aos “órgãos de soberania do Brasil especialmente por se tratar de parcela do patrimônio público nacional, sob gestão de unidades federadas”.

A decisão foi tomada na ADPF 1178, em que o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) questiona se municípios podem ingressar com ações no exterior, protocolada em junho de 2024.  No mês passado, o Ibram pediu ao Supremo a suspensão dos contratos entre os municípios brasileiros e os escritórios de advocacia estrangeiros. Segundo o instituto, os contratos têm “cláusulas que pretendem frustrar qualquer tentativa de resolução amigável no âmbito nacional” e prejudicam a soberania nacional.

O advogado José Eduardo Cardozo, do Martins Cardozo Advogados Associados, que representa o Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) afirmou que “a decisão não inova em absolutamente nada. É uma repetição em outras palavras daquilo que já havia sido decidido nesse processo. Ou seja, é a repetição da liminar que já havia sido dada”. Além disso, considera que “do ponto de vista objetivo para os municípios não atrapalha absolutamente nada. Não impede que continuem a litigar na Inglaterra. A única coisa que impede é que paguem, caso recebam indenização, os advogados da Inglaterra”.

Procurados pelo JOTA, o escritório Pogust Goodhead e o Ibram ainda não se pronunciaram sobre a decisão. O espaço segue aberto.

STF suspendeu “taxa de sucesso”

Em novembro do ano passado, o Supremo referendou em plenário virtual decisão do ministro Flávio Dino que suspende os pagamentos ad exitum de Brumadinho (MG) e Mariana (MG) a escritórios de advocacia estrangeiros que representam os municípios nas ações fora do país sem um exame prévio de legalidade do STF.

Os honorários por êxito ou “taxa de sucesso” são pagos ao escritório quando há resultado favorável no processo, ou seja, os advogados estrangeiros receberiam uma porcentagem das indenizações obtidas nas ações judiciais favoráveis às vítimas do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho. Para Dino, isso poderia reduzir significativamente os recursos destinados às vítimas dos desastres ambientais.

A decisão atendeu em parte a pedido anterior do Ibram, que solicitou ao Supremo a declaração de inconstitucionalidade da participação de municípios brasileiros como parte em ações judiciais no exterior. No pedido de cautelar, o instituto afirma que “tais contratações expõem o Erário e as vítimas dos desastres socioambientais a imenso risco de lesão econômica, devido ao fato da cláusula ad exitum, pactuada em tais acordos, tornar os próprios escritórios de advocacia os grandes beneficiários de eventual reparação obtida em Juízo”.

“Determino também que tais Municípios, em nenhuma hipótese, efetuem pagamento de honorários relativos às ações judiciais perante tribunais estrangeiros sem o prévio exame da legalidade por parte das instâncias soberanas do Estado brasileiro, sobretudo este STF”, afirmou o ministro Flávio Dino.

“Friso, mais uma vez, que não há qualquer exame sobre a pertinência e validade das ações judiciais em curso perante Tribunais estrangeiros, o que será efetuado após a devida instrução processual e manifestação de todos os órgãos competentes, em estrita observância ao primado do contraditório e da ampla defesa”, continuou em sua decisão.

Acordo no Brasil e ação no Reino Unido

Às vésperas da data-limite para adesão do acordo homologado pelo Supremo, somente 17 das 49 cidades elegíveis decidiram integrar. Na última quarta-feira (27/2), o Conselho de Administração da Samarco, aprovou que os municípios que aderirem até o dia 6 de março serão beneficiados com o recebimento da primeira parcela prevista no acordo de forma antecipada.

A Samarco não se pronunciou sobre a decisão de Dino, mas disse que o acordo é “a única alternativa de negociação que assegura a continuidade e a conclusão definitiva da reparação”.

O acordo prevê o pagamento de R$ 132 bilhões. Do total, R$ 100 bilhões são novos recursos que devem ser pagos, em até 20 anos, pelas empresas envolvidas na tragédia ao poder público, para serem aplicados em diversas destinações.

As companhias também destinarão outros R$ 32 bilhões para custeio de indenizações a pessoas atingidas e de ações reparatórias que permanecerão sob responsabilidade delas, além dos R$ 38 bilhões que alegam já terem desembolsado.

O acordo de repactuação de Mariana também prevê o repasse de R$ 6,1 bilhões para municípios atingidos pelo desastre. A tragédia afetou mais de 40 cidades e deixou 19 mortos.

Em paralelo, corre no Reino Unido um processo movido pelo Pogust Goodhead, com pedido de indenização que ultrapassa R$ 260 bilhões. Representadas pelo escritório, 200 mil pessoas iniciaram um processo coletivo contra a BHP Group Ltd, sediada na Inglaterra, e BHP Group Plc, sediado na Austrália. O julgamento teve início em outubro de ano passado.

Na fase final do caso, nesta quarta-feira (5/3), tem início a apresentação dos advogados das partes, que deve se estender até a próxima quinta-feira (13/3). A sentença deve ser divulgada em meados deste ano.

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