Descanso e pagamento em dobro: as discussões envolvendo a escala 6×1 na Justiça

Não foi apenas no Legislativo e nas redes sociais que o debate sobre as jornadas de trabalho se aqueceu. Entre 2020 e 2023, o número de processos trabalhistas relacionados à jornada de trabalho aumentou 18%, de acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A reivindicação por menos dias trabalhados na semana, que ganhou força com o movimento “Vida Além do Trabalho” no ano passado e com a PEC da deputada Erika Hilton (PSol-SP) protocolada nesta semana, não é a mesma que aparece nos tribunais, mas ambas giram em torno da aplicação das horas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). De acordo com Marcos Fantinato, sócio da área trabalhista do Machado Meyer, “a CLT não regula explicitamente a escala 6×1, mas estabelece um limite de jornada de 8 horas diárias, e a Constituição, de 44 horas semanais”. 

Aloísio Costa Junior, sócio do escritório Ambiel Advogados, diz que “a escala 6×1, a princípio, é autorizada pela lei, salvo na hipótese de haver previsão em normas coletivas em sentido contrário”. Por exemplo, em setores como mineração e petróleo, pode ser aplicada a escala 4×2, na qual as jornadas diárias podem ser estendidas além das 8 horas, desde que haja previsão em acordo ou convenção coletiva e sejam respeitados os limites de horas extras e intervalos para descanso. Essa configuração busca atender às demandas específicas dos setores.

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Outra exceção é a área de telemarketing. Operadores de call centers no Brasil têm direito a uma jornada de trabalho reduzida, de acordo com a Norma Regulamentadora 17 (NR-17), Anexo II, item 5.3, do Ministério do Trabalho e Emprego. O tempo de trabalho em efetiva atividade de teleatendimento/telemarketing é de, no máximo, seis horas diárias, incluídas as pausas, sem prejuízo da remuneração. Além disso, são previstas pausas de 10 minutos a cada 90 minutos de trabalho consecutivos. 

Um exemplo de infração na área foi a condenação, em 2019, da Atento Brasil S.A, a pagar R$ 300 mil por danos morais coletivos em 2019, após descumprir as normas de pausas e oferecer condições inadequadas de trabalho. A decisão judicial registrou que “a ausência de pausas regulares comprometeu a saúde dos empregados, causando fadiga excessiva e impactos psicológicos severos”. Além disso, constatou-se que as cadeiras utilizadas não possuíam ajustes ergonômicos apropriados, o que resultou em problemas posturais recorrentes entre os funcionários.

Já os profissionais de enfermagem historicamente têm reivindicado uma carga horária diferenciada. A categoria argumenta que a escala tradicional de 12×36, amplamente aplicada, muitas vezes não é suficiente para garantir o descanso adequado, principalmente em instituições que exigem jornadas extras ou impõem sobrecarga devido à falta de profissionais. 

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A publicação da Resolução 743/2024 pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) em 2024 foi uma resposta a isso. Embora a norma não traga mudanças diretas na carga horária dos técnicos de enfermagem, ela reforça a necessidade de um dimensionamento adequado das equipes para evitar a sobrecarga. Com isso, a expectativa é que, com a nova diretriz, as instituições de saúde sejam obrigadas a revisar suas escalas.

Pagamento em dobro

“Os principais pontos de discussão jurídica sobre o tema envolvem a frequência dos descansos aos domingos e a definição das escalas dos empregados, além da validade da compensação do sábado quando há a realização habitual de horas extras”, completa Leonardo Carvalho, sócio da área trabalhista do BVA – Barreto Veiga Advogados.

De forma geral, “os empregadores defendem que a jornada está em conformidade com a legislação e que, mesmo sem a concessão de folgas em todos os domingos, o descanso semanal remunerado é respeitado. Quando não há a concessão adequada do descanso aos domingos e feriados, os tribunais determinam o pagamento em dobro desses dias, conforme estabelece a Súmula 146 do Tribunal Superior do Trabalho”, diz Carvalho.

A Súmula, de 2003, determina o pagamento devido ao empregado que trabalha em domingos e feriados sem folga compensatória. Essa interpretação tem impacto nos casos envolvendo a escala 6×1, pois, embora essa jornada seja permitida pela legislação trabalhista, sua aplicação deve garantir que os trabalhadores tenham repouso adequado. 

Um exemplo recente de sua aplicação foi a decisão do TST em 2 de outubro de 2024, quando julgou o Recurso de Revista 0020059-89.2019.5.04.0233, envolvendo um empregado em cargo de confiança que trabalhou aos domingos e feriados sem compensação. O tribunal reafirmou que a exclusão do controle de jornada para cargos de confiança não elimina o direito ao repouso semanal remunerado. 

Outra situação específica é que o artigo 386 da CLT prevê que, havendo trabalho aos domingos, deve ser organizada uma escala de revezamento quinzenal, isto é, sistema de organização do trabalho em que o empregado tem direito a folgar ao menos um domingo a cada 15 dias, que favoreça o repouso dominical para as mulheres. O descumprimento dessa norma já resultou em condenações ao pagamento em dobro dos domingos trabalhados sem a devida folga compensatória. 

Dias à frente

“Fica bem demonstrada a tendência, no plano internacional, de se admitir cada vez mais, e com maior amplitude, a derrogação do antigo módulo rígido de oito horas de trabalho por dia, especialmente quando a ampliação desse limite não acarreta aumento do tempo semanal, mensal ou anual de trabalho”, diz Fantinato, do Machado Meyer. Uma pesquisa realizada na Inglaterra com 61 empresas de diversos setores revelou que a redução da jornada de trabalho para uma semana de quatro dias não diminuiu a produtividade. Além disso, foram observados ganhos significativos em segurança do trabalho e na saúde dos trabalhadores, incluindo melhorias na saúde mental e redução de casos de estresse e burnout. 

Também há experiências tupiniquins. No Brasil, uma empresa de Rio das Pedras (SP), a Solpack Agronet, de embalagens, adotou a redução da jornada de trabalho para seis horas diárias e registrou um aumento de 25% na produtividade. E apetite por mais: uma pesquisa do DataSenado revelou que 35% dos brasileiros acreditam que a redução da jornada de trabalho aumentaria a produtividade, enquanto 40% consideram que não haveria diferença significativa. 

“O debate deveria ir além do maniqueísmo sobre a escala 6 x 1”, diz Fontinato. O advogado lembra que “a preocupação com limite diário, módulo semanal e escala teve sua importância histórica”, ao combater jornadas “extenuantes e desumanas jornadas praticadas ao longo do século XIX e durante o início do século XX”. Mas “a transformação da sociedade exige mudança no foco de atenção do legislador. A preocupação tem de deixar de ser a imposição de jornadas, módulos ou escalas rígidas, invariáveis e universais – como antes – e deve passar a ser o estabelecimento de regimes algo mais flexíveis de horário”, afirma. 

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