Controvérsias tributárias sobre receitas de data centers no Brasil

A crescente digitalização da economia, impulsionada pelo avanço exponencial de tecnologias como computação em nuvem e inteligência artificial, tem ampliado a demanda por infraestrutura robusta e de alto desempenho. Nesse contexto, os data centers desempenham um papel essencial, garantindo a capacidade necessária para o armazenamento, processamento e distribuição eficiente de dados, viabilizando o funcionamento de serviços digitais cada vez mais complexos e estratégicos.

No Brasil, a receita do setor de data centers foi estimada em US$ 1,3 bilhão em 2023, com projeção de crescimento para US$ 1,9 bilhão até 2027, refletindo sua rápida expansão e importância estratégica[1].

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Esse crescimento, entretanto, vem acompanhado de desafios significativos no âmbito tributário, já que esses centros desenvolvem uma série de atividades distintas que envolvem desde o fornecimento de infraestrutura física (imóveis, equipamentos e servidores) até a prestação de serviços digitais e a oferta de computação em nuvem. Essas atividades precisam ser adequadamente classificadas (como, locação, prestação de serviço etc.) para se determinar a correta tributação de cada uma.

Embora a reforma tributária, ao instituir dois tributos sobre o consumo (IBS e CBS) com bases amplas, traga perspectivas de maior clareza ao setor a longo prazo, os desafios tributários persistirão até a completa implementação do novo sistema, prevista para 2033. Durante esse período de transição, o setor ainda pode enfrentar incertezas e dificuldades na tributação de suas atividades.

Um estudo lançado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em junho de 2023, indicou que uma das variáveis mais relevantes no crescimento do setor de data center no país é o sistema tributário, tendo em vista a alta carga tributária, a complexidade do sistema e os custos administrativos.

De fato, não há dúvidas de que o sistema tributário brasileiro apresenta inúmeros desafios, especialmente no setor de tecnologia, em que a inovação e o avanço ocorrem em um ritmo significativamente mais acelerado do que a atualização da legislação.

Tratando de forma mais específica das atividades desenvolvidas por data centers, uma das mais tradicionais e que tem o potencial de gerar disputas tributárias por divergências de interpretação entre fisco e contribuintes sobre a sua natureza está o serviço de colocation. Ele consiste em alugar um espaço físico em um data center para abrigar servidores e equipamentos de TI de uma empresa, fornecendo a infraestrutura necessária, como, energia, refrigeração, segurança e conectividade à internet para que o cliente possa manter seus sistemas operacionais em andamento e desenvolver suas atividades.

Essa estrutura se assemelha a um aluguel do espaço físico, mas existem divergências de interpretação sobre a incidência do ISS, por exemplo. Enquanto algumas empresas recolhem o ISS por classificar o colocation como uma prestação de serviços, outras defendem que o aluguel de espaço físico em data centers não caracteriza a prestação de um serviço e, por isso, não seria tributável pelo ISS.

Esse entendimento baseia-se no fato de que, na essência, o colocation envolve a disponibilização de infraestrutura física, o que se aproxima mais de um contrato de locação de bens do que de uma prestação de serviço propriamente dita.

Além disso, há que se considerar que um contrato de colocation pode envolver outros serviços como: processamento de dados, suporte técnico, armazenamento, entre outros, que são tributados pelo ISS e, por isso, tais contratos estariam sujeitos ao imposto municipal – muito embora envolvam, também, um aluguel de espaço físico.

Sobre o assunto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já se manifestou no sentido de que as atividades desenvolvidas por data centers contemplam uma série de subatividades que envolvem o emprego de capital humano para que os clientes possam armazenar, acessar e disponibilizar seus dados, de modo que devem se sujeitar à incidência do ISS.

Na esfera federal, o entendimento do fisco não é diferente. Já em 2014, a Receita Federal publicou manifestações vinculantes à administração tributária[2] no sentido de que a natureza das atividades exercidas por data centers é de prestação de serviços, e não de locação, de forma que remessas ao exterior estariam sujeitas ao IRRF, Cide e PIS/Cofins-Importação.

O raciocínio seguido foi no sentido de que a locação envolve, necessariamente, a entrega do bem, o que não ocorre na contratação de data center, bem como que essa atividade envolve uma variedade de prestação de serviços para administração de aplicativos, manutenção da qualidade dos serviços, monitoramento eletrônico, entre outros recursos, que impedem a segregação dos serviços assim como a classificação da atividade desenvolvida por data centers como uma mera locação.

Com o avanço tecnológico, as atividades realizadas por data centers expandiram-se significativamente, transformando-se em pilares essenciais para a economia digital, com a diversificação de suas operações, que permite o oferecimento de serviços avançados para atender às demandas de um mercado cada vez mais conectado e dinâmico. Um exemplo marcante desse crescimento é a oferta de serviços de cloud computing, os quais permitem acesso a recursos computacionais de forma remota, escalável e sob demanda.

Entre as principais soluções de cloud computing estão: Infraestrutura como Serviço (IaaS), que fornece máquinas virtuais, armazenamento e redes; Plataforma como Serviço (PaaS), voltada para o desenvolvimento e gerenciamento de aplicativos; e Software como Serviço (SaaS), que disponibiliza programas prontos para uso via internet. Esses serviços eliminam a necessidade de investimentos em hardware, oferecem flexibilidade para ajustar recursos conforme a demanda e garantem alta disponibilidade, segurança e eficiência operacional, sendo indispensáveis para empresas de todos os portes na era digital.

Diante dessas questões, é fundamental que os contratos envolvendo data centers sejam elaborados com clareza e precisão na descrição das atividades contratadas. Isso inclui especificar detalhadamente se a relação contratual envolve exclusivamente o aluguel de espaço físico e/ou equipamentos ou se também engloba a prestação de serviços específicos, como, processamento de dados, armazenamento, suporte técnico, entre outros. Essa distinção é crucial para evitar ambiguidades que possam gerar interpretações equivocadas por parte das autoridades fiscais ou disputas futuras.

Além disso, é indispensável que os contratos apresentem a descrição segregada dos preços cobrados em cada atividade desempenhada. A separação clara e objetiva dos valores associados a cada utilidade contratada não apenas proporciona maior transparência, mas também garante que a tributação seja aplicada de maneira adequada, respeitando a natureza de cada item ou serviço previsto no contrato bem como evitando questionamentos por parte do fisco.

Em conclusão, os data centers têm se consolidado como infraestrutura essencial para a economia digital, desempenhando um papel estratégico no suporte às inovações tecnológicas e ao crescimento de diversos setores.

Contudo, a complexidade do sistema tributário brasileiro, aliada à constante evolução das atividades desenvolvidas por esses centros, evidencia a necessidade de clareza na estruturação contratual e no enquadramento fiscal. A elaboração de contratos precisos, com descrições detalhadas das atividades e segregação dos valores cobrados, é indispensável para assegurar a conformidade tributária e minimizar riscos de disputas com o fisco.

À medida que o setor continua a crescer, impulsionado por avanços como a computação em nuvem e a inteligência artificial, o alinhamento entre legislação tributária e inovação será fundamental para garantir a sustentabilidade desse mercado e a atração de novos investimentos.


[1] https://valor-globo-com.cdn.ampproject.org/c/s/valor.globo.com/google/amp/publicacoes/especiais/investimento-estrangeiro/noticia/2024/11/06/brasil-ja-colhe-beneficios-do-boom-dos-data-centers.ghtml

[2] Solução de Divergência COSIT nº 6, de 2.6.2014 e Ato Declaratório Interpretativo nº 7, de 15.8.2014.

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