Como separar Supremo e Direito Constitucional em sala de aula?

Dentro da sala de aula, na disciplina de Direito Constitucional, é preciso separar duas coisas que muitas vezes se misturam: o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Constituição. Ana Laura Barbosa, professora da ESPM, busca esse esforço de investigação junto aos seus alunos. Porque uma coisa é o texto, outra é a interpretação que o tribunal faz do texto.

Separá-los permite aos alunos perceberem que existe uma diferença entre texto e interpretação que estimula nos estudantes o senso crítico necessário para avaliar se a justificativa apresentada pelos ministros faz sentido ou não. 

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Uma estratégia usada pela professora para tornar mais participativa as aulas e despertar o senso crítico dos alunos foi começar a abordar nas aulas mais decisões deliberadas pela Corte. “Eu cheguei à conclusão que dar mais decisões como leitura para aula faz sentido justamente por isso. Eles vão ter as decisões e vão poder avaliar por si mesmos qual é o fundamento, e isso vai ser objeto de discussão na sala de aula. E, na minha visão, isso contribui para não ter só esse ceticismo de que agora mudou porque eles quiseram mudar”, ilustra Barbosa. 

Ao longo de sua jornada lecionando aulas de Direito Constitucional, a professora percebe que os alunos já chegam com uma visão a respeito do que é o Supremo, assim como sobre os ministros. Por outro lado, constata que conforme as discussões acerca da Corte são travadas, os estudantes evoluem na percepção do STF e de seu papel.

“Dá para perceber essa evolução, por mais que seja um aspecto diferente, mas essa evolução na percepção de o que faz o Supremo, qual é a relação do Supremo com os demais órgãos. Então, de fato, acho que contribui para um senso crítico, mas acho que é uma crítica diferente, é uma crítica técnica”, afirma. 

Ana Laura Barbosa considera que o Direito é relevante e que “segue sendo mais importante do que o Supremo diz que é o Direito”.

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A professora Ana Laura Barbosa é mais uma entrevistada da série do JOTA sobre os desafios de ensinar Direito Constitucional no Brasil atual.

A série explora com professores renomados como é o ensino e a formação dos futuros operadores do Direito, em um cenário onde a Constituição é não apenas um texto jurídico, mas também o campo de inúmeras disputas sociais.

Leia abaixo trechos da entrevista com Ana Laura Barbosa, professora de Direito Constitucional da ESPM. A íntegra está disponível no YouTube do JOTA. Inscreva-se no canal para acompanhar todas as onze entrevistas da série.

Como é que está a sua experiência dentro de sala de aula?

Eu destacaria dois pontos principais que chamam a minha atenção no ato de lecionar Direito Constitucional nesse contexto atual. Acho que o primeiro é o fato de que já aconteceu mais de uma vez, em sala de aula, de eu chegar para dar uma aula de um certo conteúdo, e algo aconteceu naquela semana, não necessariamente relacionado ao conteúdo que eu ia lecionar, e os alunos já sabiam, já tinham entrado em contato com a notícia em outro contexto, e me perguntavam.

E eu tive que mudar o tema da aula para discutir aquilo, porque fiz um juízo de que aquilo era Direito Constitucional, os alunos estavam engajados, estavam interessados, aquilo era um conteúdo, e nada mais interessante do que os alunos prontos e dispostos a discutir um tema do Direito Constitucional, ainda melhor sendo um tema atual, então eu fiz esse juízo e entendi que era melhor, já que eles estavam interessados, discutir esse tema, e eu acho que diz muito também sobre esse momento atual de muitas decisões, talvez mais um momento do Supremo nesse contexto de muitas informações e muitas decisões, não necessariamente só de polarização, mas eu acho que seria a primeira coisa que eu destacaria. 

 Você pode dar exemplo sobre fatos que que te obrigaram a mudar a aula?

Claro. Então, na aula de direitos fundamentais, no semestre passado, por exemplo, eles chegaram e mencionaram uma decisão sobre licença, uma decisão do STF sobre licença, e aí, enfim, o tema não ia ser exatamente o tema daquela aula, ia ser o tema de outra aula, mas isso acabou sendo discutido. Tem outro exemplo que é a discussão sobre o Marco Temporal. Foi numa eletiva, eles quiseram trazer essa discussão e a aula acabou sendo sobre isso, um pouco por conta do interesse dos alunos. Então, acho que mostra um pouco também como o Supremo tomou as manchetes e os alunos têm acesso a isso.

Então, se tornou uma discussão mais frequente na mesa do jantar, na rua, em todos os lugares, em grupos de WhatsApp, e isso tem um pouco de reflexo na sala de aula também. Acho que essa é a primeira consequência. Tem uma segunda consequência que eu também destacaria, que tem a ver com as dificuldades de explicar a evolução das coisas enquanto elas ocorrem. Eu acho que, sim, eu sou uma professora mais jovem, então eu não tenho a possibilidade de comparar como era lecionar antes, como é lecionar hoje, mas comparando o período enquanto eu era estudante. Agora, como eu leciono, eu tenho a impressão que, no passado, ou as coisas eram lecionadas como mais estáveis, por mais que não fossem, ou, de fato, elas eram mais estáveis. 

As coisas mudam com muita frequência e é difícil passar para os alunos essa percepção de que existe um Direito e existe uma certa estabilidade e, ao mesmo tempo, dar conta das mudanças jurisprudenciais e da atualidade dos eventos. Então, eu sempre me pego às vezes nessa dúvida do quanto eu tenho que explicar os eventos e como os eventos políticos encadearam determinada decisão, ou o quanto eu tenho que balancear isso com uma certa explicação do Direito, como é o Direito, o que foi dito, porque eu acho que o receio é de certa forma estimular uma espécie de ceticismo dos alunos, como se tudo fosse reflexo da política e da conjuntura e aí, consequentemente, não tem estabilidade, não tem dever de estabilidade.

Então, eu acho que tem esse desafio também de explicar os eventos, explicar os acontecimentos, dar conta da explicação e, ao mesmo tempo, passar esse fator da estabilidade do Direito, que é importante. Eles são estudantes de Direito, e acho que eu tenho sempre esse receio de estimular alunos muito céticos, e aí acho que é ruim que alunos de Direito saiam do curso de Direito achando que Direito não importa, não é?

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