Margem Equatorial: O que está em jogo no debate sobre exploração de petróleo na região

A nove meses da realização da COP 30, que será sediada em Belém (PA) em novembro, a discussão sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial da bacia da foz do Amazonas, região no Amapá apontada como potencial petrolífero, reacendeu os ânimos entre o Planalto e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos últimos dias. Ao longo das últimsa semanas, o presidente Lula (PT) tem se mostrado abertamente favorável à exploraração na Foz do Amazonas, intensificando a o debate.

No início do mês, Lula prometeu ao senador Davi Alcolumbre (União-AP) que iria destravar a questão da Margem Equatorial e se comprometeu com o parlamentar a dar seguimento aos trâmites para liberar a exploração de petróleo na região ainda em 2025. Em outra ocasião, em 12/2, Lula disse em entrevista à Rádio Diário FM, de Macapá (AP), que “não dá para ficar nesse lenga-lenga” e que “o Ibama é um órgão do governo, parecendo que é [um órgão] contra o governo”.

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No dia seguinte, em reunião com outros ministros e ao lado de Alcolumbre, Lula voltou a defender a exploração do petróleo na Margem Equatorial durante um evento na capital amapaense. Na ocasião, o presidente afastou a possibilidade de que o avanço do licenciamento poderia prejudicar a imagem do Brasil perante a realização do evento no país ainda este ano.

A discussão sobre o licenciamento para exploração da Margem Equatorial, contudo, não está limitada apenas ao Executivo e ao Ibama. Além do instituto e do Planalto, o tema tem sido de amplo interesse da Petrobras, da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério do Meio Ambiente, chefiado pela ministra Marina Silva, e, com a eleição de Alcolumbre à presidência do Senado Federal, a exploração de petróleo na região agora também entra na mira do Legislativo.

Após sua eleição na Casa legislativa, Alcolumbre tem indicado a interlocutores que deve pressionar o governo para que seja liberada a licença para a Petrobras começar a estudar a possibilidade de exploração de petróleo na região, o que pode ter impacto futuro relevante na arrecadação do Amapá.

No governo, conforme apuração do JOTA, o entendimento entre parte dos ministros é o de que a licença para a exploração da Margem Equatorial deve ser expedida ainda no primeiro semestre, com uma distância “segura” da realização da COP 30 em Belém do Pará, no fim deste ano.

Debate é antigo

A discussão em questão vem se arrastando desde 2023, quando a Petrobras solicitou ao Ibama a licença para perfurar a foz do Amazonas. Porém, por meio de um parecer técnico da Diretoria de Licenciamento Ambiental do órgão, o pedido foi negado em maio do mesmo ano, sob o argumento de que seria necessária a análises por parte da estatal sobre os impactos que a perfuração traria aos povos indígenas.

No entanto, a Petrobras negou que faria a análise solicitada pelo órgão. “A Petrobras não vai fazer esses estudos nesse estado em que está o processo de licenciamento porque eles não são legais. Existe uma portaria que deixa claro em qual fase esse tipo de consulta é adequada. Caso façamos a perfuração e tenhamos uma descoberta, aí sim caberia esse estudo no processo de licenciamento da atividade de produção”, afirmou em 14/5 Joelson Mendes, o diretor de Produção e Exploração da Petrobras.

Com a queda de Jean Paul Prates da estatal em 2024 e após Magda Chambriard assumir a presidência, o debate voltou a se intensificar. Em junho de 2024, Chambriard defendeu com veemência a exploração na Bacia da Foz do Amazonas do bloco FZA-M-59 e teceu críticas ao que chamou de “demora” do Ibama em autorizar a perfuração.

À época, a presidente da estatal ainda lamentou a espera de dez anos desde o primeiro pedido em que a Petrobras solicitou a licença, em 2013. “A gente já perdeu dez anos. O que não se resolveu em dez anos dificilmente será resolvido tecnicamente. Eu acho que essa questão transcende a discussão técnica”, declarou.

Novo pedido de informações técnicas à Petrobras pelo Ibama

Em outubro de 2024, o instituto requereu à estatal novos esclarecimentos sobre o processo de licenciamento ambiental para a concessão da autorização para a exploração de petróleo na bacia da foz do Amazonas. A solicitação foi enviada pelo instituto após a Petrobras ter detalhado o Plano de Proteção à Fauna (PPAF) em agosto do ano passado.

Segundo a Petrobras, o PPAF representa “uma importante ferramenta estratégica utilizada na orientação das ações de resposta referentes à fauna em caso de acidente com vazamento de óleo no mar”. O plano visa fornecer informações sobre as espécies de animais selvagens que potencialmente venham a ser atingidas durante um incidente e otimiza o direcionamento das respostas para que estas sejam rápidas e eficientes, minimizando o impacto sobre as populações naturais.

No pedido, o Ibama reconheceu alguns avanços na entrega da documentação por parte da estatal, no que diz respeito à redução de tempo de resposta no atendimento à fauna em caso de vazamento de petróleo na região. Entretanto, o órgão considerou necessários mais detalhamentos sobre “adequação integral do plano ao manual de boas práticas de manejo de fauna atingida por óleo, como a presença de veterinários nas embarcações e quantitativo de helicópteros para atendimento de emergências”.

Manifestação da AGU em 2024

Em agosto de 2024, Jorge Messias, advogado-geral da União, aprovou novo parecer jurídico sobre a exploração de petróleo na região da Margem Equatorial, no norte do país, no qual conclui que o Ibama não possui atribuição legal para reavaliar o licenciamento ambiental do Aeroporto Municipal de Oiapoque (AP).

O eventual impacto do sobrevoo de aeronaves entre o aeródromo e a área de exploração foi um dos pontos invocados pelo Ibama para indeferir licença solicitada pela Petrobras para a perfuração de poço no bloco FZA-M-59, localizado na chamada Margem Equatorial, a 175 quilômetros da foz do rio Amazonas.

Dessa forma, o parecer conclui que “não constitui fundamentação adequada para análise do pedido de reconsideração do licenciamento do bloco FZAM-59 a verificação de impacto do tráfego aéreo do Aeroporto de Oiapoque (AP) sobre as comunidades indígenas do entorno do aeródromo”, diz trecho do documento.

A análise jurídica realizada pela AGU, por meio da Consultoria-Geral da União (CGU), sustenta que a legislação brasileira prevê a unicidade do licenciamento ambiental, ou seja, que a competência para licenciar um empreendimento deve ser concentrada e operacionalizada por um único ente federado, seja o município, o estado ou a União, a depender do tipo e abrangência do empreendimento.

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No âmbito do pedido de reconsideração do indeferimento do licenciamento ambiental, feito pela Petrobras, o Ibama chegou a solicitar a manifestação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) sobre eventual impacto do sobrevoo de aeronaves na região. No parecer, a AGU sustenta que a consulta formulada à Funai não está prevista na legislação ambiental aplicável ao caso.

“Pelo que se observa, a atuação do Ibama carece de previsão regulamentar ou mesmo de razoabilidade, ao criar uma etapa procedimental não prevista na norma e que põe em risco o prosseguimento do licenciamento ambiental do bloco FZA-M-59, podendo não só gerar atraso na análise do pedido de reconsideração do licenciamento, mas também risco ao programa energético brasileiro de matriz não renovável”, diz trecho do documento.

Outro ponto que estava sob análise da AGU era o tempo de resposta e atendimento à fauna atingida por óleo, em caso de vazamento, também apontado pelo Ibama como uma das razões para indeferir o licenciamento. A AGU entendeu que a resolução desse ponto não dependeria de análise jurídica, mas de medidas necessárias ao atendimento da exigência que, atualmente, estão sendo objeto de tratativas o órgão ambiental e a Petrobras.

Em parecer anterior, publicado em agosto de 2023, a AGU se manifestou sobre outro ponto invocado pelo Ibama para o indeferimento do licenciamento ambiental para a perfuração do bloco FZA-M-59. Nesse parecer, a AGU conclui que a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não é indispensável e tampouco pode obstar a realização de licenciamento ambiental de empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural no país.

Minas e Energia x Meio Ambiente

Também em agosto de 2023, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, considerou que a conclusão da AGU sobre a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas é uma decisão técnica tanto quanto o trabalho do Ibama. E disse concordar com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sobre a necessidade de não se politizar o assunto. Silveira acredita que, caso o Ibama tenha liberdade técnica, poderá avançar no licenciamento ambiental dos estudos na região.

À época, Silveira defendeu que há condições de construir esta conciliação de política pública junto aos órgãos ambientais e o restante do governo, respeitando a legalidade da questão ambiental. A declaração foi uma resposta direta às falas de Marina Silva no Senado Federal. Em audiência na casa legislativa em agosto de 2023, a ministra reforçou que o Ibama “não dá licenças políticas” e negou qualquer chance de conciliação sobre o parecer da AGU.

“Não existe conciliação para questões técnicas. Não posso botar numa rodada de conciliação a Anvisa por decisão política para decidir se aquele remédio é tóxico ou não é tóxico. A mesma coisa são os processos técnicos de licenciamento o Ibama”, afirmou aos senadores.

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Ainda no Senado, Marina Silva garantiu que o AAAS nunca foi considerado pelo Ibama como uma condicionante para o processo de licenciamento, mas sim como uma ferramenta de planejamento.

Porém, isso consta na negativa do órgão à Petrobras em maio. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, defendeu a realização do estudo sem o qual não seria possível a avaliação da viabilidade ambiental das atividades. O Ibama também apontou falta de garantias para atendimento à fauna em possíveis acidentes com óleo e os impactos da atividade em terras indígenas.

Riscos da exploração de petróleo na Margem Equatorial

A Margem Equatorial é considerada a última grande fronteira exploratória no Brasil. Se estende desde a foz do rio Oiapoque, na fronteira entre Amapá e Guiana, ao litoral norte do Rio Grande do Norte, na bacia Potiguar. Segundo a Petrobras, a região tem potencial de garantir a segurança energética do país após um esgotamento das reservas do pré-sal.

A área, no entanto, abrange, regiões ambientalmente sensíveis, como as bacias hidrográficas da Foz do Rio Amazonas, Pará-Maranhão e Barreirinhas. Além disso, possui uma grande biodiversidade, ainda não completamente conhecida. A exploração da área divide opiniões devido aos temores e incertezas quanto a eventuais consequências.

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