Incentivos fiscais e sustentabilidade

Construída a partir do legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável estabelece, por meio de seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas, a necessidade de um equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ambiental para promover e alcançar um desenvolvimento sustentável universal. 

Dito de outra forma, a Agenda 2030 estabelece que, sem uma coordenação e articulação eficaz entre essas três dimensões, não há desenvolvimento sustentável. Em resposta a esse desafio, muitos países ao redor do mundo estão avançando em políticas de desenvolvimento que conectam essas diferentes frentes, a fim de criar soluções integradas e transformadoras.

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Nesse contexto, o Brasil, que está comprometido com a Agenda 2030 desde o seu processo de negociação e formulação, tem avançado em uma agenda de transformação econômica sustentável por meio de várias iniciativas, localizadas entre diferentes ministérios.

Dentre essas iniciativas destacam-se o Plano de Transformação Ecológica (PTE), sob a liderança do Ministério da Fazenda, a Nova Indústria Brasil –  Plano de Ação para a Neoindustrialização 2024-2026 –, liderado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), coordenado pela Casa Civil. 

O PTE visa remodelar os mercados a partir da valorização de soluções inovadoras e ambientalmente responsáveis, por meio de instrumentos como um tributo sobre carbono (Lei 15.042/2024), títulos soberanos sustentáveis e incentivos à bioeconomia.

Além disso, contempla a reestruturação do Fundo Verde (Lei 15.103/2025), sob gestão do BNDES, e investimentos em tecnologias emergentes, como hidrogênio verde e energia eólica offshore, promovendo o alinhamento entre desenvolvimento econômico e mitigação das mudanças climáticas.

A NIB tem como objetivo ampliar a produtividade, estimular o progresso técnico e fortalecer cadeias produtivas estratégicas. O plano abrange seis áreas prioritárias, incluindo a digitalização da indústria, a segurança alimentar e nutricional, a transição energética e a bioeconomia.

Ao incentivar a inovação e a descarbonização da produção industrial, a NIB se conecta diretamente com os princípios do PTE, promovendo maior integração entre políticas públicas e o setor privado. Essa coordenação é essencial para consolidar o Brasil como um líder global na economia verde, garantindo uma inserção competitiva do país no comércio internacional.

O Novo PAC tem como foco a modernização da infraestrutura nacional, incluindo a ampliação da conectividade digital, melhorias na mobilidade urbana, expansão do saneamento básico e desenvolvimento de cidades sustentáveis e resilientes. Além disso, o Novo PAC visa reduzir desigualdades regionais e sociais por meio da geração de empregos e do fortalecimento da economia local.

Embora cada uma dessas iniciativas possua escopos e objetivos distintos, todas convergem para um mesmo propósito: construir um modelo de desenvolvimento que concilie crescimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental.

É nesse cenário que a moratória da soja se destaca como um pacto setorial de grande relevância para a sustentabilidade do agronegócio brasileiro. Criada em 2006 como resposta às pressões do mercado internacional, a moratória da soja se tornou um modelo bem-sucedido de autorregulação ambiental, garantindo que a produção de soja no Brasil ocorra sem novos desmatamentos na Amazônia.

Empresas signatárias do pacto se comprometem a não adquirir soja cultivada em áreas desmatadas após julho de 2008, promovendo um mecanismo voluntário de controle ambiental que contribui para a credibilidade da commodity brasileira no mercado global.

A experiência da moratória da soja demonstra que é possível alinhar eficiência econômica com benefícios ambientais. A preservação do bioma amazônico, garantida pela moratória, evita riscos reputacionais ao Brasil e assegura a competitividade da soja brasileira nos mercados internacionais, especialmente em um contexto de crescente exigência por produtos sustentáveis.

Além disso, a moratória não impede a comercialização de soja cultivada fora de suas diretrizes, mas sim estabelece um selo verde que atesta a produção responsável, permitindo que empresas signatárias atendam às demandas de consumidores conscientes.

Na contramão da política ambiental que vem sendo cansativamente construída a curtos passos e longos desafios se encontra o objeto das ADIs 7.774 e 7.775 que discutem a constitucionalidade da revogação de benefícios fiscais concedidos pelos estados do Mato Grosso e de Rondônia à empresas que participem de acordos, tratados ou quaisquer outras formas de compromissos, nacionais ou internacionais, que imponham restrições à expansão da atividade agropecuária em áreas não protegidas por legislação ambiental específica.

E, com todo respeito ao salutar debate que o tema merece, afirma-se que a ação dos citados estados vai na contramão de toda política financeira e ambiental que vem sendo construída, pois o próprio texto da emenda constitucional que promoveu as alterações na tributação do consumo brasileira consagra a necessidade de promover um cenário econômico que premie a defesa do meio ambiente como base principiológica do novo arranjo tributário proposto (artigo 145, § 3º da CF/88).

Somado a proposta de que o desenvolvimento regional, quando possível, buscará o desenvolvimento de políticas de incentivos regionais que respeitem critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (artigo 43, § 4º da CF/88). 

Ou seja, para garantir a continuidade e ampliação desse modelo de governança sustentável, é fundamental que políticas tributárias incentivem práticas como as promovidas pela moratória da soja. 

A relevância desse tema é ainda amplificada pelo papel de destaque que o Brasil desempenha atualmente no cenário internacional. Com a presidência do G20, Brics e Mercosul, além de sediar a COP 30 no final deste ano de 2025, o Brasil assume uma posição de liderança nas discussões globais sobre desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente.

A Conferência sobre Desenvolvimento Social para a América Latina e o Caribe, que será realizada no Brasil também no ano de 2025, com a CEPAL atuando como secretariado, reforça ainda mais o papel estratégico do país na agenda internacional. 

Nesse sentido, a moratória da soja se torna um diferencial competitivo para o agronegócio brasileiro, e sua expansão para outros biomas e culturas pode consolidar o país como referência global em produção agrícola sustentável.

O futuro das ADIs 7.774 e 7.775 é crucial para garantir que a política tributária brasileira continue desempenhando um papel decisivo na defesa do meio ambiente. É fundamental que essas questões recebam atenção e destaque para definir o papel do Brasil na construção de uma política tributária moderna, que não apenas arrecade recursos, mas também funcione como instrumento de incentivo à preservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. 

A decisão do STF sobre a matéria não afetará apenas o ambiente jurídico e fiscal dos estados envolvidos, mas estabelecerá um precedente para que norteará toda a política tributária sustentável sob o ponto de vista ambiental a partir de uma análise do novo texto da reforma tributária.

Portanto, é essencial que esse debate seja conduzido com responsabilidade e visão de longo prazo, garantindo que a estrutura tributária brasileira continue alinhada aos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil e que futuras gerações não sejam prejudicadas pela desconstrução de uma agenda que, há quase duas décadas, tem sido construída com esforço e diálogo multisetorial e federalista.

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