Certificadoras de plataformas de apostas online e possíveis conflitos de interesse

O mercado de apostas e jogos online no Brasil tem se expandido significativamente nos últimos anos, impulsionado pelo aumento da digitalização e pela crescente popularização desse segmento. Em resposta a essa realidade, o governo brasileiro tem adotado medidas para regulamentar o setor, buscando promover um ambiente seguro, transparente e economicamente produtivo.

Nesse contexto, a Lei 13.756/2018, complementada pela Lei 14.790/2023, estabelece as bases para a regulamentação das apostas de quota fixa, incluindo os jogos online como parte dessa modalidade.

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Nesse mercado, diferentes participantes desempenham papéis complementares e interdependentes. O agente operador é a pessoa jurídica autorizada pelo Ministério da Fazenda para explorar comercialmente as apostas de quota fixa, oferecendo os serviços diretamente aos consumidores.

O provedor, por sua vez, é responsável pelo desenvolvimento e fornecimento de softwares que compõem a base tecnológica utilizada pelos operadores para gerenciar apostas e oferecer jogos online.

Já o certificador é definido pela Portaria SPA/MF 300/2024 como uma “pessoa jurídica com capacidade operacional reconhecida pelo Ministério da Fazenda para testar e certificar equipamentos, programas, instrumentos e dispositivos que compreendem os sistemas de apostas, os estúdios de jogo ao vivo e os jogos online utilizados pelos operadores de loteria de apostas de quota fixa”.

Em resumo, as certificadoras são responsáveis por atestar a funcionalidade das plataformas de apostas e jogos online, assegurando que elas operem de maneira justa e adequada. O objetivo principal é evitar que os sistemas sejam manipulados para favorecer desproporcionalmente a banca, como ocorre frequentemente em máquinas caça-níqueis instaladas em bares pelo Brasil.

Essa prática, comum em ambientes físicos pouco vigiados, deve ser firmemente combatida em um contexto que requer um nível mais elevado de profissionalismo e conformidade regulatória.

Dito isso, a interação entre esses players (operadores, provedores e certificadores) é fundamental para o funcionamento do mercado, mas também exige regulamentações rigorosas para evitar conflitos de interesse e garantir a integridade de todo o ecossistema de apostas no país.

Em um mercado em expansão e com escassez de profissionais especializados, é comum que os papéis desempenhados pelos diversos atores possam ser trocados. Em alguns casos, empresas ou indivíduos podem demonstrar interesse em atuar em diferentes funções, seja como provedores, operadores ou certificadores, de acordo com seus objetivos estratégicos e as demandas do mercado.

No entanto, essa sobreposição de funções pode gerar conflitos de interesse, especialmente quando uma pessoa física ou jurídica busca desempenhar simultaneamente (ou alternativamente) o papel de certificadora e, ao mesmo tempo, tem um interesse direto nos resultados da certificação, seja como operadora ou provedora.

A Portaria SPA/MF 300/2024, que regula os requisitos e procedimentos para o reconhecimento da capacidade operacional de entidades certificadoras de sistemas de apostas, estúdios de jogo ao vivo e jogos online, aborda essa questão ao estabelecer diretrizes para evitar conflitos de interesse. Contudo, algumas definições presentes no texto regulamentar ainda deixam margem para interpretações e dúvidas.

O artigo 6º, inciso VI, exige que as entidades certificadoras apresentem uma declaração formal, assinada por pessoa legalmente responsável, atestando que “a empresa não mantém relações e não depende de quaisquer outras empresas, entidades privadas ou organismos que tenham interesse nos resultados das avaliações.”

Embora a intenção de evitar vínculos comprometedores seja clara, o termo “relações” é vago e pouco específico, o que abre espaço para interpretações subjetivas. Por exemplo, até mesmo uma parceria comercial pontual entre duas empresas poderia, teoricamente, ser enquadrada como uma “relação” dentro desse conceito, mesmo que não comprometa a independência das partes.

Além disso, o termo “dependência” também carece de uma definição mais clara e objetiva. Se duas empresas possuem sócio em comum, mas operam com total independência financeira e autonomia na tomada de decisões, isso configuraria “dependência” conforme o texto da portaria? 

Outra questão relevante está no artigo 10, §1º, que determina que o responsável técnico, diretor, gerente, supervisor ou qualquer integrante da equipe de avaliação da certificadora não poderá ser contratado por empresas interessadas na outorga para exploração de apostas ou pelos operadores autorizados nos 12 meses seguintes à avaliação.

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Embora essa regra seja importante para evitar conflitos futuros, ela não aborda cenários em que profissionais que atuaram anteriormente como representantes de interessados na outorga migram para entidades certificadoras. O conflito de interesse persistiria, uma vez que tais profissionais poderiam manter vínculos ou interesses oriundos de suas atuações prévias, comprometendo a imparcialidade do processo de certificação.

Esses pontos mostram que, embora a portaria tenha avançado ao tentar mitigar conflitos de interesse, ela ainda carece de critérios mais detalhados e abrangentes para evitar situações que possam comprometer a credibilidade do processo regulatório. O fortalecimento dessas disposições, com definições claras e parâmetros objetivos, é essencial para garantir a independência e a transparência do setor de apostas no Brasil.

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