Quando cabem danos morais em processos trabalhistas?

Uma empresa que anotou o número do processo trabalhista na carteira de trabalho de uma ex-empregada, ao fazer a retificação da data do contrato de trabalho determinada em sentença, foi condenada a pagar indenização por danos morais. A reparação foi fixada em R$ 30 mil. Para os desembargadores da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), o ato da empresa atingiu a imagem da trabalhadora, já que a CTPS é uma espécie de currículo de trabalho.

A decisão, proferida no ano passado, é um exemplo de indenização por dano moral na esfera trabalhista. Mas, afinal, o que caracteriza um dano moral para a Justiça do Trabalho? O juiz Guilherme Feliciano, titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté, em São Paulo (SP), explica que um dano moral é “causado pela lesão a um direito personalíssimo da pessoa, que é intrínseco à sua dignidade”.

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“Pode ser direito à honra, à saúde, à integridade física, o próprio direito à vida”, lista Feliciano, que também é professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo ele, os casos que geralmente aparecem nos tribunais estão relacionados a esses direitos.

O magistrado contextualiza que, no passado, o conceito de dano moral no Direito do Trabalho estava atrelado ao “pagamento pela dor”. Nesse sentido, se houvesse sofrimento de alguma ordem por conta da perda de um familiar ou uma paraplegia, por exemplo, poderia ser reivindicado dano moral. Essa ideia da dor, no entanto, foi superada.

Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), houve 466.855 novas ações por dano moral na Justiça do Trabalho de janeiro a novembro de 2024. No ano anterior, foram 210.328 novos casos.

O tribunal ressalta que esses dados não “incluem casos relacionados a assédio moral, acidente de trabalho, doença ocupacional, anotação na CTPS, desconfiguração de justa causa, atos discriminatórios, condições degradantes, valor arbitrado, assédio sexual, limitação de uso do banheiro, retenção da CTPS, revistas íntimas/pertences e quebra de sigilo bancário”.

Reforma Trabalhista e a mudança nos danos morais

Em 2017, com a Reforma Trabalhista, surgiu um termo chamado “dano extrapatrimonial”, que é uma espécie de gênero que abarca diversos tipos de lesões, como o dano moral, existencial, tanto para o empregado quanto para o empregador. O artigo 223-B da CLT diz: “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofensa a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”.

Na sequência, o artigo 223-C da CLT, voltado à pessoa física, aponta “a etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural”.

De todo modo, Feliciano observa que esse rol é mais de caráter exemplificativo, já que outros valores inerentes à dignidade da pessoa podem ser agredidos, como o da liberdade religiosidade, e que pode levar a uma indenização por dano moral.

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A advogada Fernanda Garcez, sócia da Abe Advogados e mestre em Direito do Trabalho, destaca que o dano moral é cabível sempre que ocorrer uma lesão, que não necessariamente deve ser fruto de uma ação recorrente. “Se existir um ato durante o contrato de trabalho, como uma agressão que o empregado sofre, por mais que ela seja única, isso pode ensejar eventualmente um dano moral”. Mas não só. Segundo ela, pode haver desrespeito aos direitos básicos também nas fases pré-contratual quanto na pós.

“Se em uma entrevista de emprego o empregador pratica algum ato que eventualmente constitua uma prática discriminatória, tem acesso que o empregado tem alguma doença e deixe de contratá-lo ou requer a realização de exames previamente à contratação, isso pode ensejar danos morais pré-contratuais”, explica a especialista.

Um exemplo clássico é quando exige-se exame de gravidez a mulheres com o intuito de que o resultado seja um critério para a admissão ou não da candidata a uma vaga. “Isso é uma prática discriminatória que também pode ser objeto de danos morais”.

Já os casos de danos morais pós-contratuais podem ocorrer quando, por exemplo, há mensagens difamatórias em redes sociais ferindo a imagem de alguma parte. “Eventualmente, quando as partes terminam o contrato e depois há situações ofensivas nas redes sociais, publicações de mensagens difamatórias isso também caberia a reparação por danos morais mesmo que o contrato de trabalho tenha terminado”, acrescenta.

O juiz Feliciano frisa que a Reforma Trabalhista trouxe uma novidade do “outro lado da moeda” em relação aos direitos extrapatrimoniais, mas que dizem respeito às empresas. Neste caso, portanto, não são personalíssimos, como os dos empregados. O artigo 223 D aponta que a “imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica”. Com isso, as empresas podem mover processos contra empregadores caso haja comprovação de danos.

Em relação ao valor das indenizações, o advogado Marcus Brumano, do escritório Castro Barros Advogados, lembra que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2023, definiu que o tabelamento das indenizações extrapatrimoniais ou de danos morais trabalhistas previstos na CLT servirá como critério orientador de fundamentação da decisão judicial. Dessa forma, pode haver a fixação de condenação em quantia superior ao tabelamento, desde que devidamente comprovada.

A discussão na corte se deu porque a Reforma Trabalhista introduziu na CLT artigos que utilizam como parâmetro para a indenização o último salário contratual do empregado e classificam as ofensas com base na gravidade do dano causado (leve, média, grave ou gravíssima). Na prática, se dois empregados, com níveis hierárquicos diferentes fossem vítimas de um mesmo dano, receberiam valores distintos.

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