Um plebiscito para repensar a governabilidade

O esgotamento da relação entre os poderes da República é alarmante. A erosão do atual sistema de governo exige revisão. A questão não é mais “se”, mas “quando” o Brasil repetirá o plebiscito que definiu o presidencialismo como modelo de organização estatal. Os plebiscitos do século passado já não correspondem às demandas da sociedade brasileira do século XXI. Esse remédio constitucional possui o potencial de reduzir a crescente desconfiança da sociedade na democracia e de abafar vozes autocráticas.

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Fatores como a multiplicidade de partidos, a disputa pela primazia sobre o orçamento federal e um sistema eleitoral que privilegia os incumbentes são variáveis relevantes para explicar o precário estágio da governabilidade brasileira. Tamanha incerteza sobre a governança tem efeitos decisivos no custo fiscal, resultando em uma taxa de juros insustentável para a vida nacional.

Assim como o de 1963, o plebiscito de 1993 exigiu a escolha entre a forma de governo (monarquia ou república) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). O mau funcionamento do modelo que organiza o diálogo entre os poderes Executivo e Legislativo parece ser irreparável, dada a ausência de incentivos por parte dos atores institucionais para reconfigurá-lo. A consulta popular, ainda que não seja uma bala de prata, constitui um potente remédio constitucional para debater se há resiliência em mais uma nova acomodação do presidencialismo, migrar para o semipresidencialismo ou adotar o parlamentarismo.

Na atualidade, um plebiscito sobre o sistema de governo está à margem da agenda da elite política, do mercado, dos partidos, das organizações sociais e da população. Entretanto, as evidências apresentadas reforçam a insustentabilidade do atual sistema de governo. A fragmentação dos interesses de 594 congressistas, atuando como ordenadores de despesas e em franca disputa por espaço orçamentário com o poder Executivo, sinaliza um dilema institucional que, agora, é tutelado pelo inédito avanço da mais alta corte do país como novo ator na arena orçamentária.

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Há quem defenda, de forma mais cautelosa, aguardar os efeitos da Emenda Constitucional nº 97, de 2017, que instituiu uma cláusula de desempenho eleitoral dirigida aos partidos no Congresso Nacional, minimizando, assim, os obstáculos à construção de maiorias governativas. Contudo, no estágio atual, parece não haver um futuro seguro para o presidencialismo brasileiro.

Na Câmara dos Deputados, em 2022, um grupo de trabalho apresentou uma minuta de decreto (REL nº 2/2022) que convoca um debate nacional sobre o sistema de governo. Na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, há uma proposta (Ideia Legislativa nº 188853) com o apoio de 20 mil assinaturas individuais, além de uma enquete que registra 6.928 posicionamentos favoráveis contra 6.581 contrários ao tema.

O fomento ao debate plebiscitário é uma alternativa para enfrentar o acelerado fenômeno da hiperimpositividade político-orçamentária, resultante de sucessivas alterações constitucionais e infraconstitucionais (15 no total na última década) destinadas a ampliar as competências do Parlamento sobre a alocação das programações orçamentárias.

Uma das consequências desse fenômeno é a erosão do modelo autorizativo de orçamentação pública e, consequentemente, a ascensão da obrigatoriedade de execução das emendas individuais e coletivas dos parlamentares, desabilitando parte da “caixa de ferramentas” da governabilidade. Esse cenário elevou os congressistas ao status de ordenadores de despesas, em desatenção ao seu papel originário, que inclui, também, a fiscalização dos gastos públicos.

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Entre 2014 e 2024, a hiperimpositividade político-orçamentária consolidou-se como uma mutação no interior do presidencialismo brasileiro, com o potencial de erodi-lo a ponto de comprometer sua capacidade de atender à responsividade democrática. Nesse contexto indesejado de mau funcionamento do atual sistema de governo, aprofunda-se a crença na disfuncionalidade da democracia, dando azo à aparição de vozes autocráticas.

Mais do que escolher entre presidencialismo, semipresidencialismo ou parlamentarismo, este momento seria uma oportunidade para pensar em como reorganizar as relações entre os poderes, com foco na construção de uma coalizão com maior estabilidade e corresponsabilidade entre os atores orçamentários na execução dos programas prioritários, visando deliberações o mais próximas possível do cumprimento das propostas apresentadas no processo eleitoral.

Que esse hiato eleitoral de 2025 seja aproveitado como um momento de reflexão, em que o Brasil possa debater, de modo menos polarizado, as bases de sua governança futura, repensando o plebiscito pretérito.

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