A preservação da Zona Franca de Manaus na sanção da reforma tributária

Apesar de muitas críticas, principalmente daqueles que não conhecem a realidade brasileira além de suas bolhas regionais, muito menos a realidade do isolamento geográfico e logístico do Amazonas, o regulamento da reforma tributária foi sancionado com um texto legislativo que garante incentivos fiscais à Zona Franca de Manaus.

Dessa forma, a Lei Complementar 214, de 16 de janeiro de 2025, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) trouxe incentivos específicos para a Zona Franca de Manaus.

O objetivo deste artigo é apresentar por que os incentivos da Zona Franca de Manaus são tão importantes para o país, evidenciando o acerto em manter a tributação diferenciada naquela região.

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Em outro texto, apresentamos a Zona Franca de Manaus do seguinte modo:

Uma área geográfica de dez mil quilômetros quadrados, à margem esquerda dos rios Negro e Amazonas, na qual estão incluídas a cidade de Manaus e seus arredores, eleita pelo legislador para ser de livre comércio de importação e exportação e para receber incentivos fiscais especiais com o objetivo de envolver a economia da Região Amazônica, através da indústria, comércio e agropecuária[1].

Para contextualização geográfica, é importante mencionar que o fato de a capital do Amazonas ter sido construída à margem esquerda do Rio Negro a deixou sem ligação terrestre com o restante do país, o que dificulta sobremaneira a chegada de matéria-prima e o escoamento de mercadorias acabadas, restando como alternativa a navegação e o transporte aéreo.

Todavia, o transporte por balsas e navios leva dias, quando os rios são navegáveis. Em épocas de seca extrema o isolamento é maior ainda, dada a impossibilidade de chegada de grandes navios aos portos manauaras. Por outro lado, o transporte aéreo envolve um custo altíssimo. Essas dificuldades impediriam qualquer interesse de grandes empresas se instalarem no Amazonas, caso não fossem os incentivos fiscais.

Os incentivos fiscais aplicados à Zona Franca de Manaus nasceram como uma solução à necessidade de ocupar um vasto território nacional, porém distante. Era essencial desenvolver a economia daquela região.

Passadas algumas décadas, percebeu-se que os incentivos fiscais trouxeram outros efeitos positivos, além da ocupação: as indústrias instaladas no Polo Industrial de Manaus geram empregos necessários para que o caboclo não precise devastar a floresta e isso contribui para que mais de 90% da cobertura florestal amazônica, situada no Amazonas, esteja preservada.

A floresta em pé, por sua vez, contribui ativamente para que o Brasil seja a potência agropecuária que é hoje, uma vez que a manutenção da Floresta Amazônica contribui com o regime de chuvas no Centro-Oeste e no Sudeste do país, pelo fenômeno conhecido como rios voadores, pelo qual a umidade formada na Amazônia é distribuída em forma de chuvas nas regiões agrícolas.

Outro ponto pouco comentado é que a existência de indústrias no Polo Industrial de Manaus (PIM) oferece emprego de qualidade (últimas estimativas apontam meio milhão de empregos diretos e indiretos), evitando o êxodo nortista para a região Sudeste.

Em razão da grande regulamentação e constante fiscalização, todos os direitos trabalhistas são assegurados e os trabalhadores e seus dependentes recebem plano de saúde, o que desafoga o SUS.

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Outra contribuição da Zona Franca de Manaus para o Brasil é em relação ao desenvolvimento tecnológico e científico. Nos termos do §4º, do artigo 2º, da Lei 8.387/1991, para ter direito a incentivos relativos ao IPI, as indústrias devem aplicar 0,2% do seu faturamento bruto em pesquisa e desenvolvimento. Só no ano de 2023, isso representou quase R$ 1,5 bilhões[2].

Ainda no setor da educação, as indústrias do Polo Industrial de Manaus que recebem incentivos do ICMS são obrigadas a recolher contribuição à Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Essa universidade, que só existe em razão da contribuição das indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus, proporciona ensino superior para mais de 20 mil alunos, entre cursos de graduação e de pós-graduação, inclusive mestrado e doutorado, em diversas áreas das ciências humanas, biológicas e exatas, ajudando os índices educacionais brasileiros[3] e levando ensino superior de qualidade para longínquos municípios fincados no interior da Amazônia.

Em relação à arrecadação, segundo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Manaus ficou entre os dez maiores municípios em arrecadação em 2023[4]. Ou seja, mesmo com os incentivos fiscais, entre os mais de cinco mil munícipios brasileiros, Manaus foi o único do Norte e do Nordeste listado nas dez primeiras colocações, com mais de R$34 bilhões destinados aos cofres públicos.

Para se ter uma ideia, Manaus ficou à frente de Florianópolis, Recife e Fortaleza, apesar de essas capitais terem um acesso logístico incomparavelmente melhor ao mercado consumidor. Isso demonstra que os incentivos da Zona Franca de Manaus contribuem também para a arrecadação.

A distância geográfica e logística não torna difícil somente a produção, mas também a vida de brasileiros que estão isolados do restante do país, que só podem sair para outros estados (exceto Roraima) pagando altíssimo valor por passagens aéreas ou se submetendo a passar dias em um barco. Além disso, o alto preço de frete encarece a alimentação, infraestrutura e outros bens e serviços que hoje são básicos para o cotidiano de todo brasileiro.

Nesse contexto, a existência da Zona Franca de Manaus não é um privilégio dos amazonenses e dos demais nortistas das Áreas de Livre Comércio que dela derivam, mas sim uma forma de tratar desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades, para torná-los iguais e, assim, cumprir o famigerado caput do artigo 5º da Carta Constitucional.

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Em um aspecto macro como nação, a manutenção da existência e competitividade da Zona Franca de Manaus nos veículos introdutores das normas da reforma tributária vem ao encontro de três objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no art. 3º, incisos II e III, da Constituição Federal, quais sejam: garantir o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Em suma, dada toda a importância da Zona Franca de Manaus para o Brasil, uma reforma tributária que não a mantivesse seria um erro que traria imensurável prejuízo ao país.


[1] MENDONÇA, Jean Cleuter Simões; MINEIRO, Laécio Pereira. A reforma tributária e as alterações constitucionais na zona franca de Manaus. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). A reforma do sistema tributário nacional sob a perspectiva do constructivismo lógico-semântico: o texto da emenda constitucional 132/2023. São Paulo: Noeses, 2024.

[2] BRASIL, Ministério da Economia. Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade. Superintendência da Zona Franca de Manaus. Lei de Informática da Zona Franca de Manaus fomenta R$ 1,48 bilhão em investimentos e mais de 420 projetos de PD&I em 2023. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/suframa/pt-br/publicacoes/noticias/lei-de-informatica-da-zona-franca-de-manaus-fomenta-r-1-48-bilhao-em-investimentos-e-mais-de-420-projetos-de-pd-i-em-2023. Acesso em: 27 dez. 2024.

[3] UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS (UEA). Disponível em: https://www.amazonas.am.gov.br/orgaos_entidades/universidade-do-estado-do-amazonas-uea/. Acesso em: 27 dez. 2024.

[4] INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO E TRIBUTAÇÃO TRIBUTÁRIA (IBDT). Quais são os 100 municípios que mais arrecadam impostos no Brasil?. Disponível em https://ibpt.org.br/quais-sao-os-100-municipios-que-mais-arrecadam-impostos-no-brasil/. Acesso em: 27 dez. 2024.

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