O que o G20 deve fazer nas áreas econômica, climática e digital?

O Brasil preside atualmente o G20, grupo das 20 maiores economias do mundo mais a União Africana. Essa é uma oportunidade única para encontrar soluções comuns para as múltiplas crises enfrentadas pelo planeta: a crise econômica, ambiental e o papel das tecnologias nessa equação         

A arquitetura financeira internacional, concebida inicialmente pelos países desenvolvidos, não aborda de maneira adequada as mudanças climáticas e as desigualdades sociais. Ela falha em responder às necessidades emergentes relacionadas aos riscos climáticos, tensões geopolíticas, disparidades de renda e riqueza, bem como às desigualdades de gênero e raça.

Como resultado dessa governança disfuncional, muitos países estão ficando para trás na implementação do Acordo de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A necessária transição energética global deve ocorrer dentro de um contexto de transformação econômica justa.

No entanto, o acesso equitativo ao financiamento continua sendo uma barreira significativa: os países menos desenvolvidos necessitam de financiamento que não resulte em endividamento excessivo nem imponha condições onerosas, promovendo assim uma transformação econômica sustentável e inclusiva. Esses objetivos podem ser alcançados por meio da reforma das instituições financeiras multilaterais, alívio da dívida soberana e uma nova estrutura tributária global.

Além disso, à medida que as economias se digitalizam cada vez mais, novos desafios emergem. Os espaços online tornaram-se propícios à disseminação de desinformação, prejudicando tanto indivíduos quanto o tecido social das democracias. O acesso às tecnologias digitais e suas capacidades não é universal, e não existe uma solução única para garantir que diferentes populações alcancem conectividade significativa.

A rápida adoção da inteligência artificial (IA) apresenta oportunidades para enfrentar desafios em diversos campos, mas também pode representar ameaças aos direitos humanos fundamentais. É necessário uma transformação digital que seja realmente inclusiva e não reforce as assimetrias já existentes.

Para abordar todas essas questões, os think tanks do T20 e as organizações da sociedade civil do C20 desenvolveram recomendações conjuntas ao G20. 

Na agenda econômica, o G20 deve promover reformas na governança do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial para garantir representação justa e advogar por mudanças no sistema de cotas, incluindo mais Direitos Especiais de Saque para países em desenvolvimento. A cooperação entre bancos multilaterais de desenvolvimento deve ser incentivada para compartilhar riscos e diversificar financiamento, utilizando moedas locais.

O G20 deve fortalecer a reestruturação da dívida soberana com legislações no Reino Unido e em Nova York para estabelecer um mecanismo abrangente. Isso garantiria a participação obrigatória dos credores, protegeria os ativos dos devedores e imporia limites ao valor que os credores podem recuperar. Além disso, o G20 deve reformar o Quadro-Comum para o Tratamento da Dívida, estabelecendo princípios que incluam compromissos ambientais, sociais e de direitos humanos durante as negociações.

O Quadro-Comum revisado deve adotar uma nova Análise de Sustentabilidade da Dívida para categorizar os países conforme a dificuldade e o alívio da dívida necessário, incluindo nações de renda média e com restrições fiscais. Além disso, deveria ser incluído um congelamento temporário e automático no serviço da dívida no Quadro-Comum, interrompendo os pagamentos durante as negociações para promover investimentos em recuperação verde e inclusiva.

O G20 deve apoiar a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional (UNFCITC) para garantir uma alocação justa de receitas globais, aumentar a transparência tributária e criar um Registro Global de Ativos público. Também deve apoiar um imposto mínimo global sobre os super-ricos, direcionando as receitas para a realização dos direitos humanos e ambientais, especialmente no Sul Global.

Para promover uma transição energética justa, o G20 deve desenvolver planos para descarbonização, adaptação climática e preservação da biodiversidade. Esses planos devem garantir acesso universal à energia limpa, respeitar os direitos humanos e mitigar impactos sociais e ambientais. O G20 deve garantir acesso universal, equitativo e confiável à energia, expandindo a geração descentralizada e distribuída, especialmente em comunidades vulneráveis e isoladas, sem causar exclusão social ou desigualdades ambientais.

O G20 precisa servir como um fórum para debater estratégias para desenvolver e implementar objetivos nacionais em matéria de clima alinhados ao cenário de 1,5°C, o que necessariamente passa por um compromisso global de eliminar progressivamente todos os combustíveis fósseis. Também deve promover sinergias entre as reformas das instituições financeiras internacionais e os processos da UNFCCC, mobilizando financiamento, capacitação e tecnologia para implementar o Acordo de Paris.

O G20 deve promover políticas de adaptação conforme demandas econômicas, sociais e políticas, e garantir a participação de populações vulneráveis e sub-representadas nos processos de decisão climática. Deve aumentar o acesso à educação, proteger defensores ambientais e garantir que o financiamento chegue aos mais necessitados, priorizando justiça e inclusão.

Na agenda digital, o G20 deve promover a pluralidade da mídia com estratégias de produção de conhecimento aberto e modelos alternativos face à alta concentração hoje existente em poucas plataformas digitais.     

O G20 deve desenvolver Infraestruturas Digitais Públicas (DPIs) para o interesse público através de processos democráticos e participação significativa. Deve garantir a inclusão e responsabilidade das DPIs, alinhando-as com as necessidades da comunidade e estabelecendo estruturas regulatórias e órgãos de supervisão. Deve-se desenvolver princípios não vinculativos para DPIs resilientes e sustentáveis, baseando-se em bens comuns digitais públicos, como dados abertos e modelos de IA. 

O G20 deve alinhar o desenvolvimento da IA com os ODS da ONU, mitigando impactos ambientais e melhorando as condições da cadeia de suprimentos da IA. Também deve incluir partes interessadas na avaliação contínua de riscos através de auditorias externas e acesso a dados e, com isso, reduzir a assimetria de informação sobre os riscos e os reais benefícios desta tecnologia.      

Por fim, o G20 deve ter uma abordagem comum sobre governança de dados que são o elemento constitutivo e fundacional de velhas e novas tecnologias, incluindo a mais proeminente e recente que é a inteligência artificial. É fundamental olhar para essa antessala, dar um passo atrás, para analisarmos o filme completo e não apenas a fotografia: quem produz, quem os analisa para o quê e para quem?

Tais perguntas são centrais para a redução de desigualdades e desenvolvimento de capacidades em especial para que não haja opressão como vimos em outros momentos dos ditos progressos tecnológicos em desfavor do Sul Global.

Nesse sentido, os membros do G20 devem estabelecer parcerias para diversificar financiamento e subsídios para promover a conectividade, bem como capacidades de produção e interoperabilidade de dados, com arranjos sólidos de governança, rumo à uma solidariedade digital e informacional.     

Todas essas propostas foram amplamente discutidas em um diálogo de convergências entre think tanks do T20 e ONGs do C20. Visam tanto colaborar com a liderança do Brasil no G20, quanto apresentar recomendações palpáveis a todos os países sobre como enfrentar os correntes e futuros desafios globais. 

Autores

Ana Garcia, Claudio Fernandes, Maiara Folly, Stela Herschman, Bruno Bioni e Pedro Peres – Coordenadores(as) das Forças-tarefas 2, 3 e 5 do T20 (Think20) sobre Ação Climática Sustentável e Transições Energéticas Justas e Inclusivas; Reforma da Arquitetura Financeira Internacional; Transformação Digital Inclusiva; e dos Grupos de Trabalho 1, 3 e 7 do C20 (Civil20), sobre Economias Justas, Inclusivas e Antirracistas; Meio Ambiente, Justiça Climática e Transição Energética Justa e Digitalização e Tecnologia

Adicionar aos favoritos o Link permanente.