Sunshine regulation na atividade regulatória envolvendo políticas ESG

O ciclo de polícia tem como um de seus componentes a disciplina normativa, também denominada “ordem de polícia”, que, de acordo com a doutrina tradicional, reflete a ideia de condicionamento ou restrição, pelo Estado, de interesses ou direitos individuais em nome de valores que os transcendem.

No entanto, a disciplina normativa em termos de regulação administrativa vem sendo compreendida como “uma estrutura de incentivos conformadora de comportamentos”, formadora de um bloco de juridicidade que contempla não apenas normas restritivas, impositivas ou de sujeição, mas também as soft laws administrativas[1].

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Parcela da doutrina ainda nega o soft law como marco jurídico sob o argumento de que possui conteúdo vago e forma indefinida, não constituindo prática jurídica ou estatal consolidada e cuja legitimidade do processo de criação é duvidosa, já que poderia ser realizada por qualquer grupo de pessoas[2].

Contudo, é perceptível o deslocamento pragmático da atividade regulatória que evidencia uma transformação qualitativa do conceito de disciplina normativa como etapa do ciclo de polícia, para alargá-lo, de um instrumento meramente reativo e restritivo, para uma função complementar proativa e orientada por finalidades transformadoras de indução de comportamentos.

Não há como negar que o soft law, atrelado ao conceito de cooperação baseada em instrumentos jurídicos não vinculativos ou com menor força vinculativa [3], tem sido aplicado nos mais variados campos de regulação estatal e não estatal.

Em 2016, por exemplo, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômico) publicou o Guia de Programa de Compliance, estabelecendo diretrizes não vinculantes (soft law) para empresas no âmbito de defesa concorrencial, introduzindo de forma educativa e preventiva instrumentos para impedir que empresas violem a Lei de Defesa da Concorrência e sofram penalidades [4].

A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), por seu turno, possuem cartilhas anticorrupção, de conteúdo informacional e, portanto, sem caráter normativo ou vinculante, que também podem ser enquadrados como soft regulation [5].

As medidas acima nomeadas são importantes formas de regulação por soft law, mas, sem desconsiderar sua importância, possuem baixa carga coercitiva, isoladamente consideradas, pois é um pressuposto para sua efetividade o risco de sanção pelo órgão regulador a partir do exercício do poder de polícia amparado em hard law.

Recentemente, no entanto, vem ganhando força no Brasil uma técnica de regulação que, muito embora não seja dotada de compulsoriedade, é mais efetiva que a publicação de cartilhas, programas ou manuais, porque apela para a coerção social.

Essa técnica é internacionalmente conhecida como sunshine regulation, ou Regulação por Exposição Aplicada (RAE), que consiste na exposição pública, pelos órgãos reguladores, de indicadores relevantes sobre resultados de desempenhos de prestadores de serviços e em sua comparação com outras entidades do mesmo setor, o que permite um controle social por name and shame e consiste em uma forma de soft regulation [6].

As agências reguladoras de saneamento têm utilizado bastante a RAE, para fins de controle e pressão social sobre a qualidade da prestação dos serviços. A Arsesp, por exemplo, adotou a técnica em sua agenda regulatória de 2025-2026 [7].

No Brasil, há um campo inexplorado de regulação estatal sobre a implementação de políticas ESG (Environmental, Social and Governance), que poderia ocorrer por meio da sunshine regulation, na medida em que a agenda ESG trata de um conjunto de programas, desprovido de caráter obrigatório [8], que busca integrar, à tomada de decisões públicas e privadas, critérios relacionados à sustentabilidade ambiental, responsabilidade social e boas práticas de governança.

A divulgação pública de índices relacionados a ESG tem capacidade de regulação em razão da pressão dos stakeholders, já que consumidores, investidores e colaboradores vem exigindo das empresas práticas robustas em termos de sustentabilidade, o que conduz instituições em desconformidade ao risco de boicotes, de perda de talentos e de dificuldade de atrair capital.

Em âmbito internacional, existem diversas ESG ratings que são divulgadas publicamente por entes não governamentais e atuam com papel de regulador a partir da exposição da reputação das empresas publicamente, mas pesquisadores criticam o cenário confuso e fragmentado dessa forma de regulação, diante da falta de metodologias definidas, da existência de escalas não comparáveis e da divergência de objetivos entre stakeholders [9].

A União Europeia, baseada em estudos de sustentabilidade decorrentes de objetivos traçados pelo European Green Deal (2019) e pelo Financing Sustainable Growth (2018), anunciou uma iniciativa política relacionada a ESG ratings: Em junho de 2023 publicou uma proposta de regulação visando a transparência e integridade de ESG rating activities.

O texto da proposta está pendente de aprovação, mas seus principais elementos para assegurar a comparabilidade e a confiabilidade dos indicadores ESG estão calcados na necessidade de que ESG rating agencies possuam autorização da ESMA (European Securities and Markets Authority) para operar, na fixação de medidas preventivas de conflitos de interesses e na padronização de metodologias para aferição dos indicadores.

Em fevereiro de 2025, o Brasil deu um primeiro passo ao Marco Regulatório ESG com o lançamento da Consulta Pública ESG+20, que tem como objetivo principal reunir contribuições para mapear e identificar desafios e oportunidades que facilitem a implementação da prática ESG no país, que servirão de base para políticas públicas, diretrizes normativas e proposições legislativas de médio e longo prazo [10].

Diante das exitosas experiências da sunshine regulation em setores regulatórios como o do saneamento, a discussão sobre a implementação da referida técnica no Marco Regulatório ESG parece relevante, mas, assim como no cenário internacional,  também se verifica uma dispersão de indicadores ESG no mercado brasileiro.

Há, por exemplo, na iniciativa privada, índices fornecidos pelo S&P/B3 Brasil ESG e pelo ICO2 (Índice de Carbono Eficiente), além de outros dados pelo IGC-T e pelo IGCX, que focam na governança corporativa.

Já no setor público, o Tribunal de Contas da União (TCU) vem utilizando indicadores de desempenho de governança pública, como o antigo iGG (Índice de Governança e Gestão Pública), que desde 2024 transformou-se em iESGo (Índice de Efetividade da Governança), que avaliam a governança, a gestão e o nível de adesão das organizações públicas federais e de outros entes submetidos à jurisdição do TCU em relação às práticas ESG [11].

Todos os índices acima poderiam de alguma forma servir à regulação ESG no Brasil, mas, como já ressaltado, há no cenário brasileiro uma fragmentariedade sobre os indicadores ESG que fragilizam a força coercitiva de uma possível sunshine regulation sobre o tema.

Assim, na discussão sobre a implementação do Marco Regulatório ESG no Brasil, parece crucial não apenas a ponderação acerca da viabilidade de adoção da soft regulation pela RAE, mas também a prévia reflexão sobre a viabilidade da adoção de um caminho parecido com o traçado pela União Europeia, visando a padronização de metodologias para fins de conferir maior confiabilidade e clareza aos índices ESG a serem expostos para fins de controle social.


[1] BINENBOJM, Gustavo. Atos públicos de liberação e efeitos positivos do silêncio administrativo na Lei da Liberdade Econômica. Mutações do Poder de Polícia no domínio econômico. p.p. 354-355;

[2] LOPES, Juliana; MAZURKIWEVWICZ, Ligia Zotini; e BARBOSA, Ruth. Soft Law como novo paradigma jurídico. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/soft-law-como-novo-paradigma-juridico;

[3] PEIXOTO, Bruno Teixeira; e MEDEIROS, José Augusto. Agenda ESG e litigância climática: soft law é ‘coisa do passado’?. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/agenda-esg-e-litigancia-climatica-soft-law-e-coisa-do-passado;

[4] MENEGUIN, Fernando; MELO, Ana Paula Andrade de. Soft Regulation: Formas de intervenção estatal para além da regulação tradicional. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td307;

[5] MELO, Ana Paula Andrade.  Soft Regulation: Formas de intervenção estatal para além da regulação tradicional. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Administração Pública do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Administração Pública. Orientador Professor Doutor Fernando Boarato Meneguin Brasília-DF 2021.

[6] OLIVEIRA, Gustavo Justino de; e Carvalho, André Castro. O soft law e a regulação sunshine no Brasil. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-fev-27/publico-pragmatico-notas-soft-law-regulacao-sunshine-brasil/;

[7] Informação disponível em: https://www.arsesp.sp.gov.br/Documentosgerais/TEMA%203%20-%20QUADRO%20DE%20PROJETOS%20da%20AR%202025-2026%20-%20versao%20RD%2015%2001%2025.pdf;

[8] Lima da Silva, A. H.; Lima de Lucena Filho, H. Soft Law e Environmental Social and Governance: A implementação do direito humano ao trabalho decente e a interseccionalidade com a função social empresarial. Revista de Estudos Jurídicos do UNI-RN, [S. l.], n. 8, p. 60–84, 2024. Disponível em: https://revistas.unirn.edu.br/index.php/revistajuridica/article/view/93;

[9] AXENROD, Michael; HOSSFELD, Christopher; LUI, Gladie; e VENUTI, Francesco. ESG ratings: From fog to sunshine? ESCP Business School Impact Paper No.2024-58-EN;

[10] Disponível em: https://www.abrig.org.br/index.php/noticas/gt-da-consulta-publica-esg20-se-reune-para-consolidar-contribuicoes-ao-marco-regulatorio-do-esg;

[11] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/transparencia-cnj/indices-de-governanca-do-tcu/.

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