No Direito Parlamentar, são conhecidas as noções de maioria e minoria, sobretudo por suas repercussões regimentais. De acordo com o Regimento Interno do Senado (RISF), art. 65, §§ 1º e 2º, a Maioria é integrada por bloco parlamentar ou representação partidária que represente a maioria absoluta da Casa, ao passo que a Minoria é integrada pelo maior bloco parlamentar ou representação partidária que se opõe à Maioria.
Na hipótese de nenhum bloco parlamentar alcançar maioria absoluta, assume as funções constitucionais e regimentais da Maioria o líder do bloco parlamentar ou representação partidária que tiver o maior número de integrantes, e da Minoria, o líder do bloco parlamentar ou representação partidária que se lhe seguir em número de integrantes e que se lhe opuser (art. 65, § 5º, do RISF).
Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA
Dessas definições regimentais, é curioso observar que, contrariamente ao senso comum, a Minoria não é o “menor” partido ou bloco parlamentar das Casas. O reconhecimento da Minoria parlamentar pressupõe a formação da Maioria, para que somente então se fixe a representação imediatamente inferior à Maioria; e conforme a adoção de posição que lhe seja oposta.
Com isso, chama-se a atenção que tais definições regimentais de Maioria e de Minoria não estão associadas às noções fixas de situação (base) ou oposição ao governo. As premissas do RISF estão relacionadas à relação interna entre os blocos e os partidos, e não à posição destes quanto ao governo. Normalmente a maioria costuma ser a base, e a minoria costuma se declarar de oposição. Entretanto, se o governo não dispuser de uma base de apoio formal, a oposição pode acabar prejudicada.
Somente em 2021 esse “problema” regimental foi corrigido: o RISF foi modificado para incluir a possibilidade de que as representações partidárias ou os blocos parlamentares de oposição ao governo federal constituam Liderança da Oposição, com as mesmas prerrogativas da Liderança do Governo. O líder da Oposição é indicado pelo bloco parlamentar ou representação partidária com maior número de representantes no Senado Federal e que faça oposição ao Governo.
A novidade adveio da previsão do art. 66-B do RISF, inserido pela Resolução 3/2021, do Senado, fruto da aprovação do PRS 9/2021, de autoria dos senadores Weverton (PDT-MA) e Randolfe Rodrigues (à época, filiado à Rede-AP). Na justificação da proposição, lê-se que o propósito de conferir “paridade de armas” às representações partidárias de apoio e de oposição ao governo federal.
No Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), esse problema não existia, já que, pelas definições do seu art. 13, a Maioria consiste no partido ou bloco parlamentar integrado pela maioria absoluta dos membros da Casa. Se nenhuma representação atingir a maioria absoluta, assume as funções regimentais e constitucionais da Maioria o partido ou bloco parlamentar que tiver o maior número de representantes. Por seu turno, considera-se Minoria a representação imediatamente inferior que, em relação ao governo, expresse posição diversa da Maioria. Entretanto, como se vê, o RICD não assigna à Maioria ou à Minoria papeis estanques de situação ou de oposição: a base governista pode ser composta por uma ou por outra, conforme o caso.
A disciplina interna a respeito da Maioria e da Minoria é determinante para o exercício de diversas prerrogativas. Por exemplo, os líderes da Maioria e da Minoria tanto da Câmara dos Deputados, quanto do Senado Federal, participam do Conselho da República (art. 89, inciso IV e V, da CF). Existem outras prerrogativas regimentais relacionadas ao uso da palavra, participação na Mesa, em comissões, etc.
No entanto, o que interessa aqui é enfatizar quão parco é o estatuto, não só estritamente regimental das Casas Legislativas, mas jurídico em geral, quanto à oposição parlamentar.
Em coluna anterior, comentava-se sobre os limites da obstrução parlamentar, que, sem dúvidas, é uma das principais ferramentas da oposição. Entretanto, além da obstrução, a oposição pode se valer dos próprios instrumentos do controle parlamentar, incluindo os pedidos de fiscalização e controle (art. 49, inciso X), a convocação de autoridades (art. 50), os pedidos escritos de informação (art. 50, § 2º), as CPIs (art. 58, § 3º), a realização de audiências públicas, assim como a iniciativa legislativa, os requerimentos em geral e, fora das Casas Legislativas, ainda podem ajuizar ações judiciais, especialmente ADIs, ADPFs e mandados de segurança no STF.
Na Ciência Política, existe farta literatura abordando as funções da oposição parlamentar na democracia: fazer críticas ao governo; fiscalizar suas ações; propor políticas alternativas às do governo; influenciar suas propostas; dificultar a aprovação destas, adiando ao máximo a aprovação; etc. Essa perspectiva funcional indica o papel da oposição (de enfrentar o governo) e os seus meios de ação. A aspiração da oposição é se tornar governo nas próximas eleições. Essa é uma das razões por que não há como se confundir o conceito de oposição com o de Minoria.
Talvez haja alguma aproximação entre as ideia de oposição e minorias políticas (aquelas que constituem um partido momentaneamente minoritário, mas ambicionam tornar-se a maioria nas próximas eleições). Porém não se pode identificar a oposição com as minorias sociais ou culturais, que – dada a estrutura da sociedade no momento – não podem aspirar a constituir-se em maioria, sequer num futuro remoto.
Nesse campo da política, fica muito claro que a liberdade de oposição é uma característica central das democracias liberais, as quais precisam institucionalizar canais para a atuação efetiva da oposição no interior do sistema político. A partir dessa perspectiva institucional, constata-se que, sem que a oposição conte com faculdades reconhecidas juridicamente para fazer valer expressão que lhe é própria, não haverá autêntica alternância do poder (mas mera aparência). A oposição é só formal (fictícia) sem chances reais de suceder no governo.
Sendo a oposição um elemento indissociável da democracia, não existe democracia sem oposição organizada, nem pode existir oposição organizada sem que haja democracia. Estados sem oposição (oppositionless states) se tornam autoritários, totalitários. A repressão da oposição incômoda é um primeiro passo que acaba conduzindo, inevitavelmente, à supressão dos opositores rumo a uma ideologia política única, ainda que eventualmente haja mais de um partido político (violando, na essência, o princípio fundamental do pluralismo político previsto no art. 1º, inciso V, da CF).
No Brasil, as recentes (e cada vez mais numerosas) condenações de parlamentares – por coincidência, todos opositores ao governo – revelam a necessidade de que a oposição passe a contar com um regramento jurídico próprio, que lhe assegure mecanismos de atuação. Não defendem quaisquer condutas criminosas, mas, sim, a institucionalização e o exercício da oposição.
A extrema importância da oposição no Reino Unido deu lugar ao chamado gabinete na sombra (Shadow Cabinet), alternativo ao oficial e cujo líder é considerado um primeiro-ministro na sombra (Shadow Primer Minister), com toda uma infraestrutura e disciplina por regras convencionais. Lá o título oficial da oposição é Her Majesty’s Most Loyal Opposition (algo a “Lealíssima Oposição de Sua Majestade”), o que dá uma ideia do seu peso político. Trata-se do cargo mais importante depois do primeiro-ministro, à frente dos membros restantes do próprio gabinete. Mas – é preciso reconhecer – esse nível de institucionalização da oposição é excepcional e demorou séculos para ser construído.
Um parâmetro de aspiração mais viável é o modelo de Portugal, cuja Lei 24/98, de 26 de maio, aprovou o Estatuto do Direito de Oposição, consolidando uma série de direitos e garantias de liberdade. Definiu-se a oposição como a atividade de acompanhamento, fiscalização e crítica das orientações políticas do Governo ou dos órgãos executivos das Regiões Autónomas e das autarquias locais de natureza representativa. O direito de oposição integra os direitos, poderes e prerrogativas previstos na Constituição e na lei.
O Estatuto português conferiu aos titulares do direito de oposição direitos como à informação, de consulta prévia (de ser ouvidos), de participação, de depor, de inquirir o governo e obter informação sobre as medidas tomadas para garantir a liberdade, independência e pluralismo dos órgãos de comunicação social. Esse último direito se volta para salvaguardar a objetividade e pluralismo da informação, que também são essenciais nas democracias.
No Brasil, de lege ferenda, a discussão sobre um estatuto da oposição parlamentar poderia começar com os seguintes elementos: a) a definição dos partidos políticos ou blocos parlamentares da oposição, por exemplo, determinando que estes tenham que se declarar como de governo, de oposição ou independentes; b) o reconhecimento dos direitos à oposição e, especificamente, à oposição parlamentar, sobretudo o direito de crítica e, de preferência, listando os mecanismos de controle parlamentar, a legitimidade e os limites da obstrução; e c) a previsão de disposições que atribuam direitos específicos aos líderes da oposição. Para que a oposição sirva de contrapeso real ao governo, contribuindo para a maturidade democrática, é preciso muito mais do que marchas, passeatas e protestos.