O tenente Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi interrogado nesta segunda-feira (9/6) no Supremo Tribunal Federal (STF) na ação sobre a tentativa de golpe de estado em 2022. Logo na primeira frase dita ao relator, ministro Alexandre de Moraes, Cid já demonstrou como levaria o seu depoimento. “Presenciei grande parte dos fatos, mas não participei”. A ideia de Cid foi garantir a sua condição de colaborador, mas tentando desvencilhar a sua participação ativa da trama golpista de que também é réu.
O ex-ajudante de ordens confirmou os principais pontos trazidos nos depoimentos à Polícia Federal e ao Supremo – o que compromete, sobretudo, Bolsonaro e o ex-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto. O ex-ajudante de ordens confirmou a existência de uma minuta golpista elaborada por um jurista e pelo ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins. Cid afirmou que sabia da existência do Plano Copa 2022, mas não tinha detalhes.
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De acordo com Cid, Bolsonaro não só leu o documento, como deu sugestões. Inclusive, tirando do texto a possibilidade de prisão de ministros do STF. O ex-presidente teria deixado apenas a prisão de Alexandre de Moraes. “Ele enxugou o documento, retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor ficaria preso”. Na sequência, Moraes brincou: “Ao resto foi concedido o Habeas Corpus”.
Cid contou que foram feitas duas ou três reuniões em que a minuta golpista foi levada ao presidente e ele teria duas partes: uma com 12 páginas com considerandos levando em conta as interferências do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no governo Bolsonaro e nas eleições, e uma segunda parte mais jurídica, trazendo opções de estado de defesa, de sítio, prisão de autoridades, além da criação de um conselho eleitoral para refazer as eleições que seriam anuladas.
Segundo o tenente, aos comandantes das Forças Armadas foi apresentada apenas a primeira parte da minuta que trazia os “considerandos”, a parte da ação ficou escondida. Ainda confirmou que o ex-chefe das Forças Aéreas Brasileiras (FAB) Baptista Junior e o ex-comandante do Exército Freire Gomes se posicionaram de forma contrária – este último pedia para ser informado das conversas que Bolsonaro estava tendo no Alvorada.
Na análise de Cid, os militares só fariam qualquer golpe se recebessem ordens. “Dificilmente sem uma ordem o ciclo de legalidade seria rompido”, disse. Ainda, afirmou que se cogitou a troca de comandantes após a negativa de apoio ao golpe.
Fraude nas urnas
O ex-ajudante de ordens confirmou que houve uma tentativa de comprovar fraudes nas urnas eletrônicas, mas foi frustrado. Além disso, afirmou que Bolsonaro tentou interferir no relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas, pois ele queria que o texto tivesse uma conotação de que poderia haver fraude. “O ministro Paulo Sérgio queria uma conclusão mais técnica dizendo que não houve fraude. Já o presidente [Bolsonaro] entendia que a conclusão tinha que ser mais dura. Teve a discussão como deveria sair o relatório. No final, foi meio termo, nem como o Paulo Sérgio tinha rascunhado, nem como o presidente queria”. Na visão de Cid, o meio termo foi o de que as urnas não poderiam ser auditadas.
Ele também reforçou o encontro de Bolsonaro com o hacker Walter Delgatti, intermediado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) no Palácio da Alvorada. Segundo ele, a reunião ocorreu bem cedo e foi um café da manhã.
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Cid disse que fez uma divisão do grupo golpista em três grupos, mas não se tratou de um divisão formal. Seria algo que ele mesmo sistematizou. “Esses grupos não eram organizados”, afirmou. E complementou: “Foi uma classificação minha para facilitar os depoimentos”. Segundo Cid, existia um grupo bem conservador que aconselhava ao presidente a dizer que o povo deveria sair da frente dos quartéis.
Outro grupo seria mais moderado, que sabia que o Brasil estava “indo no caminho errado” após a vitória de Lula nas urnas, mas nada poderia ser feito diante do resultado das eleições. E um terceiro grupo mais radical, que estava tentando convencer o presidente a fazer algo por meio de um golpe, a favor de um braço armado e que o então presidente deveria assinar o decreto golpista.
“A grande pressão sempre foi para o presidente assinar o decreto e os generais assinarem o decreto, basicamente era essa a grande construção que se tentava fazer. Mas nunca com ações concretas”, disse Cid.
Questionado sobre os outros réus do núcleo crucial, com líderes e responsáveis pela trama golpista, Cid afirmou que o deputado Alexandre Ramagem, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o general Augusto Heleno não faziam parte de nenhum dos grupos que ele sistematizou. O almirante Almir Garnier fazia parte da ala mais radical e o ex-ministro da defesa, Paulo Sérgio, e o general Braga Netto compunham o que ele entendeu como grupo “moderado”.
Cid disse no Supremo que não conseguia saber o que era “bravata” e o que era real entre as mensagens dos grupos golpistas, ou seja, o que era apenas uma reclamação ou desabafo e o que seria sério ou não. Questionado pelo ministro Luiz Fux o que seria o comportamento de “bravata”, o tenente usou uma metáfora de futebol. “Exemplo: como se o fim do campeonato, um jogador perde o pênalti e se diz ‘tem que matar esse cara’”. De acordo com o militar, “meu celular era um lugar de desabafo”.
Monitoramento e financiamento
O ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, disse que no fim do ano de 2022 Bolsonaro pediu informações de um suposto encontro do general Hamilton Mourão com o ministro Alexandre de Moraes. No STF, Cid disse que não estranhou o pedido porque era comum que Bolsonaro fizesse perguntas de encontros de aliados e adversários políticos. “Não me chamou a atenção, seguiu o mesmo padrão”. O colaborador disse ainda que o Major Oliveira pediu o monitoramento de Moraes e ele perguntou para o militar Marcelo Câmara se era possível.
Cid também citou que Marcos Do Val propôs gravar o ministro Alexandre de Moraes. Na sequência, Moraes perguntou se seria via Abin. Contudo, Cid disse que seria por “outros meios, institucionalmente ou que conseguisse aí fora”.
O militar disse que Braga Netto ficou mais à frente para passar as informações para Bolsonaro sobre as movimentações nos quartéis, nos acampamentos e dos grupos que pensavam no golpe. Afirmou que o Major Oliveira pediu dinheiro para as ações golpistas e ele brincou: “R$ 100 mil?”. O dinheiro seria para trazer apoiadores do Rio de Janeiro.
Ao consultar Braga Netto, Cid foi orientado a procurar o tesoureiro do Partido Liberal (PL) para levantar a quantia, mas receberam uma negativa. Então, ele confirmou que recebeu do general Braga Netto dinheiro dentro de uma sacola de vinho para que fosse repassado ao major do Exército Rafael de Oliveira, integrante dos kids pretos, esquadrão de elite das Forças Armadas, mas ele não sabia precisar valores. “Não mexi. Sabia que era dinheiro, mas não sabia o valor”. Cid disse que o financiamento vinha de “setores do agronegócio”.
Mauro Cid também disse que Bolsonaro tinha preocupação grande de os caminhoneiros pararem o país, pois “ia cair na conta dele uma conta econômica imensa”.
Interrogatórios
O ministro Alexandre de Moraes iniciou os interrogatórios dos 8 réus da ação penal sobre a tentativa de golpe em 2022 nesta segunda-feira (9/6). Os réus do denominado núcleo crucial pelo procurador-geral da República (PGR) estão presentes no auditório da 1ª Turma, entre eles Jair Bolsonaro. Apenas Braga Netto, que está preso, não está presente, mas sim o seu advogado.
O STF reforçou o esquema de segurança para os interrogatórios. Foram colocados mais scanners de raio-X para acessar ao auditório e o número de seguranças também foi aumentado.