As parcerias público-privadas e concessões ganharam protagonismo no Brasil nas últimas décadas. Desde a promulgação da Lei 11.079/2004, o modelo amadureceu e se consolidou como uma alternativa viável para viabilizar investimentos e melhorar a prestação de serviços públicos.
Esse movimento ganhou novo fôlego com o marco legal do saneamento (Lei 14.026/2020), que abriu espaço para uma maior participação do setor privado. Estados e, cada vez mais, municípios passaram a estruturar projetos que buscam eficiência e inovação na gestão pública. No entanto, há um componente crítico para o sucesso dessas iniciativas que continua negligenciado: a qualidade dos dados utilizados na modelagem dos projetos.
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O número de contratos firmados no âmbito das PPPs no Brasil aumentou quase 300% na segunda década de vigência da lei que regulamenta o modelo, em comparação com os primeiros dez anos. É o que aponta o relatório iRadarPPP, produzido pela consultoria Radar PPP.
Em 2024, o marco legal das PPPs completou 20 anos e, nesse período, foram celebrados 314 contratos, 80 entre 2004 e 2014, e 234 entre 2014 e 2024, número quase três vezes maior, segundo o levantamento. Esse crescimento expressivo reforça o potencial das PPPs, mas também escancara o desafio de estruturar projetos robustos, especialmente no que diz respeito à qualidade dos dados que os sustentam.
É comum que os dados usados nos estudos que fundamentam as PPPs e Concessões estejam dispersos, desatualizados ou mesmo indisponíveis. E isso afeta diretamente a capacidade de modelar contratos bem calibrados, capazes de equilibrar risco, retorno e interesse público. A base informacional, muitas vezes sob responsabilidade exclusiva do poder público, é o ponto de partida para dimensionar demanda, estimar receitas, projetar investimentos e prever custos operacionais. Quando ela falha, todo o restante do processo fica comprometido.
Em setores como saneamento básico, por exemplo, dados como cobertura de abastecimento, perdas de água, qualidade da rede, consumo por região, inadimplência e estrutura tarifária são essenciais. Em saúde, a demanda por especialidades, a localização da população e a capacidade instalada determinam a viabilidade e o escopo de qualquer parceria.
Até mesmo concessões de parques e equipamentos culturais dependem de informações mínimas sobre o perfil e o fluxo de visitantes. Quando esses dados não existem, são incompletos ou não refletem a realidade, a consequência é previsível: contratos desequilibrados, risco excessivo para o privado, baixa atratividade nos leilões e, no fim, uma entrega de valor muito aquém do esperado pela sociedade.
O problema não é só técnico; é estrutural. Ao não investir na coleta, organização e validação de dados antes da modelagem, o poder público limita sua própria capacidade de planejamento. Mais do que isso, mina a transparência do processo, prejudica a competitividade e compromete a tomada de decisão dos investidores. A base de dados não pode ser tratada como uma etapa burocrática ou secundária: ela é o alicerce sobre o qual se constrói todo o ciclo da concessão, da licitação à operação.
Com o avanço das parcerias e o crescente interesse de entes subnacionais nesse modelo, é urgente reforçar a importância da qualidade da informação. É necessário olhar para os dados com o mesmo cuidado com que se avalia a matriz de riscos, a estrutura de garantias ou os indicadores de desempenho. Sem isso, continuaremos a ver projetos mal dimensionados, aditivos recorrentes e insatisfação generalizada, tanto de investidores quanto da população.
Dados não garantem o sucesso de uma concessão, mas sua ausência quase sempre conduz ao fracasso. O futuro das PPPs no Brasil depende, entre outros fatores, da nossa capacidade de transformar informação pública em inteligência contratual. E esse é um esforço que precisa começar já.