O compartilhamento de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e os órgãos de persecução penal tem sido objeto de discussão no processual penal no Brasil, especialmente quanto à necessidade de autorização judicial para sua realização.
Recentemente, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria de seis votos a três, que não é admissível a solicitação direta de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) pelo Ministério Público ou pela polícia ao Coaf, sem a devida autorização judicial prévia (HC 174.173, RHC 196.150 e REsp 2.150.571).
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Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou entendimento, no julgamento do RE 1.055.941/SP (Tema 990/RG), de que é constitucional o compartilhamento dos relatórios do Coaf com órgãos de persecução penal, para fins criminais, sem necessidade de autorização judicial prévia, desde que respeitado o sigilo das informações e haja controle jurisdicional posterior.
Recentemente, em caso concreto analisado no Agravo Regimental no Recurso Habeas Corpus 246.606, o STF, reiterando o posicionamento anteriormente fixado, entendeu que não havia ilegalidade flagrante no compartilhamento dos relatórios de inteligência entre o Coaf e as autoridades competentes.
A agravante sustentava a ilicitude da prova por falta de autorização judicial, mas o tribunal reconheceu que os relatórios apenas reforçaram indícios já existentes, não configurando “pesca predatória”. A Suprema Corte reafirmou que o compartilhamento, realizado por sistema eletrônico seguro, não demanda autorização judicial quando feito dentro dos parâmetros legais.
Entretanto, conforme mencionado, em 14 de maio de 2025, a 3ª Seção do STJ firmou tese em sentido oposto, ao afirmar que a solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao Coaf sem autorização judicial seria inválida. Na ocasião foi afirmado que o Tema 990 do STF não autorizaria a requisição direta dos dados, gerando, portanto, uma grave divergência jurisprudencial. Essa afirmação, porém, está em dissonância com o que foi estabelecido no referido tema, reiterado em decisão a posteriori do STF, conforme acima mencionado.
Essa controvérsia compromete a segurança jurídica, princípio essencial à própria existência do Direito. A segurança jurídica, segundo Humberto Ávila, é fato, valor, elemento definidor e norma-princípio. Ela é essencial para garantir previsibilidade, confiabilidade e calculabilidade nas relações jurídicas. Quando diferentes esferas do Poder Judiciário adotam interpretações conflitantes sobre uma mesma situação jurídica, gera-se incerteza quanto à validade das provas, legalidade dos atos e direitos das partes, o que compromete a estabilidade do ordenamento.
No contexto da persecução penal, a segurança jurídica deve assegurar às partes a previsibilidade das consequências jurídicas dos instrumentos jurídicos. Isso implica lealdade processual, bem como respeito aos termos normativos vigentes no ordenamento jurídico e consolidado pela jurisprudência dos tribunais. A instabilidade interpretativa quanto à validade das provas oriundas de informações financeiras compartilhadas compromete diretamente o princípio da proteção da confiança, dimensão subjetiva da segurança jurídica.
A segurança jurídica também deve ser compreendida sob os aspectos da cognoscibilidade (compreensão das normas), confiabilidade (expectativa de estabilidade) e calculabilidade (previsão das consequências jurídicas). A divergência entre o STF e o STJ compromete esses três pilares, pois dificulta a compreensão das regras aplicáveis, desestabiliza expectativas e impossibilita previsão segura dos efeitos jurídicos.
Portanto, é urgente que haja uniformização da jurisprudência para garantir a estabilidade e a confiabilidade do sistema jurídico. A segurança jurídica não é apenas um ideal abstrato, mas um dever concreto dos poderes do Estado, fundamental para a legitimidade do ordenamento jurídico e para a efetividade da justiça penal.