Plataformas digitais entram no radar da classificação indicativa

No último dia 16 de abril, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) abriu consulta pública para coletar subsídios a respeito de uma nova portaria para atualizar a Política Pública de Classificação Indicativa nacional, que estará disponível para o envio de contribuições até o dia 15 de junho de 2025.

A medida foi proposta de forma integrada à iniciativa “Crescer em Paz: Estratégia de Justiça e Segurança Pública para Proteção de Crianças e Adolescentes”, lançada poucos dias antes, e marca um novo momento na forma como o Estado brasileiro lida com o consumo de conteúdo digital por crianças e adolescentes.

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Elaborada pela Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), em conjunto com a Secretaria de Direitos Digitais (Sedigi), a minuta busca modernizar a regulamentação em vigor desde 2021 e adaptá-la às mudanças tecnológicas e comportamentais dos últimos anos. Uma de suas principais inovações é a previsão de atribuição de classificação indicativa a aplicativos de redes sociais, de hospedagem de vídeos e de mensageria, distribuídos em lojas digitais (app stores).

Trata-se de uma ampliação significativa do alcance da política pública, que, até então, concentrava-se em obras delimitadas – como filmes, programas de televisão, jogos eletrônicos e, mais recentemente, conteúdos sob demanda/streaming. Desse modo, a nova abordagem propõe classificar não apenas obras audiovisuais isoladas, mas também os ambientes digitais nas quais estas são disponibilizadas e circuladas.

A minuta dedica um artigo específico às plataformas digitais, estabelecendo que a classificação indicativa desses aplicativos será determinada a partir de uma análise mais ampla, considerando os serviços ofertados, os tipos de conteúdos veiculados (incluindo conteúdos produzidos por usuários, que não serão classificados individualmente) e os mecanismos técnicos que influenciam a experiência do usuário, tais como curadoria automatizada, personalização de conteúdo, sistemas de recomendação, impulsionamento de publicações e recursos interativos.

Também serão levados em conta fatores como a veiculação de publicidade voltada a crianças, a presença de links para serviços voltados a adultos ou para conteúdos considerados ilícitos, e a maneira como os aplicativos organizam, promovem e sugerem conteúdos aos seus usuários. Contudo, não há clareza sobre como todos estes elementos influenciarão, na prática, a atribuição da classificação indicativa.

Além disso, a proposta exige que as plataformas exibam os símbolos da classificação indicativa brasileira e os descritores de conteúdo, tanto nos aplicativos quanto nas versões web; e que essa informação esteja presente nos termos de uso apresentados ao usuário, reforçando a necessidade de transparência e de visibilidade a respeito dessas indicações etárias.

Outra frente abordada pela minuta diz respeito ao controle parental e à verificação etária. De forma inovadora, o texto proposto veda o uso exclusivo de autodeclaração como método de bloqueio de acesso a conteúdos; e exige a adoção de mecanismos mais robustos, como sistemas baseados em login e senha.

As novas regras indicam que os filtros de idade devem ser configuráveis, permitindo aos pais e responsáveis selecionar as faixas etárias que desejam deixar disponíveis às crianças e/ou adolescentes sob sua responsabilidade, conforme os parâmetros definidos pela Política de Classificação Indicativa.

De modo geral, essas mudanças dialogam com preocupações já presentes em outras frentes regulatórias, inclusive no cenário internacional, que apontam para os desafios de garantir um ambiente digital seguro para o público infantojuvenil. E, tal como ocorre em outros temas correlatos que estão sendo alvo de regulação, a inclusão de algumas plataformas digitais no regime de classificação indicativa não é isenta de debates.

Um dos principais pontos de tensão é de ordem técnica. Isso porque a lógica da classificação indicativa, tal como consolidada nas últimas décadas, está fundamentada na análise e classificação de conteúdos – i.e., filmes, programas e jogos são classificados com base em elementos temáticos presentes em obras delimitadas, às quais se aplicam indicações etárias específicas, conforme critérios técnicos padronizados. O foco está na obra, e não no ambiente em que ela circula.

A proposta da nova Portaria do MJSP altera essa lógica. Segundo a minuta, a classificação será atribuída com base em uma combinação de fatores, fazendo com que a análise deixe de incidir sobre conteúdos previamente definidos e passe a considerar o ecossistema como um todo. A plataforma deixa de ser apenas meio de veiculação e passa a ser tratada como objeto classificável em si – ainda que o que nela circula seja constantemente renovado, imprevisível e variável de usuário para usuário.

Ao dissociar a classificação dos conteúdos concretos que são disponibilizados aos usuários, está se introduzindo uma nova forma de pensar a classificação indicativa. O que importa notar é qual será o impacto desta mudança sob os mecanismos de controle anteriores, voltados a conteúdo propriamente dito, com base na indicação etária.

Trata-se de uma novidade também para as plataformas, evidentemente, que até agora não tiveram que abordar seus ambientes desta forma – mesmo quando se depararam com obrigações de classificação no passado, elas ainda estavam voltadas a conteúdo específico. A comparação com a regulação da propaganda eleitoral na internet ajuda a ilustrar esse ponto. Nesse regime, regulado pela Resolução TSE 23.610/2019, é o próprio usuário – candidato, partido ou federação – que marca seu conteúdo como sendo de natureza político-eleitoral. A partir dessa sinalização, então, a plataforma pode atuar sobre conteúdos específicos.

A tais desafios técnicos, soma-se uma incerteza de natureza operacional. A minuta prevê que, com base nos critérios já mencionados, os aplicativos deverão se submeter ao regime de autoclassificação – ou seja, atribuir por conta própria a classificação indicativa correspondente ao seu ambiente digital. Essa classificação, embora não exija inscrição prévia perante o MJSP, estará sujeita a monitoramento e eventual reavaliação pela administração pública. Diante da natureza dinâmica e personalizada das redes, questiona-se como ocorreria esse controle posterior.

Na medida em que busca incluir plataformas digitais no escopo da política de classificação indicativa, a proposta tenta responder a um cenário em transformação, marcado pela presença crescente de crianças e adolescentes em ambientes digitais. Embora a tentativa de adaptação seja compreensível, a viabilidade de aplicação prática dessa nova lógica, seja por uma perspectiva técnica ou operacional, ainda demanda maior discussão.

Portanto, é de fundamental importância garantir ampla participação na discussão sobre o tema, de modo a possibilitar a consolidação de um modelo adequado e funcional de classificação indicativa, que consiga atingir os objetivos pretendidos.

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