Mesmo sem o longo julgamento da ADPF 165, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), constata-se a consolidação das técnicas de autocomposição no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade.
Esse caso paradigmático se iniciou, em 2009, com o setor financeiro levando, ao STF, a posição jurídica de que as correções monetárias que aplicaram aos poupadores, nos planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II, foram adequadas.
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A medida foi reativa à definição, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), da condenação dos bancos em sede de Recurso Especial Repetitivo, conduzido pela competente relatoria do então ministro Sidney Benetti.
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) listava essa como a maior demanda privada do Sistema de Justiça, listando mais de 1 milhão de processos similares em tramitação.
Neste mesmo ano, precedente do STJ derrubou mais de 1.000 ações civis públicas ao instituir um prazo prescricional quinquenal, idêntico às Ações Populares (da lavra do ministro Luiz Felipe Salomão).
Em 2013, o caso foi ao plenário com início de julgamento e realização das sustentações orais, sem nenhum voto colhido, mercê do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, haver solicitado correção em sua manifestação.
Sem retorno do caso à pauta, até 2015, o Idec registrava um dado lastimável: a baixa relevante de vidas, dos seus associados com ações em trâmite, sem perspectivas de receber os pagamentos devidos.
Em 2016, por iniciativa do Idec, em audiência com o então advogado-geral da União, Fábio Medina, e posterior reunião com o então presidente da Febraban, Murilo Portugal, lançou-se a possibilidade de acordo no caso.
Ainda em 2016, em nova audiência com a já advogada-geral da União, Grace Mendonça, foi aberta tratativa de composição que foi comunicada ao Supremo, na pessoa do relator, o então ministro Ricardo Lewandowski.
Foram mais de 50 reuniões presenciais modeladas na forma do artigo 107 do Código de Defesa do Consumidor, legitimadas pela representação adequada de todos os titulares das ações civis públicas e dos bancos processados na Justiça.
A conhecida síndrome de Davi e Golias (fornecedores e consumidores), talhada no princípio da vulnerabilidade constitucional destes últimos, foi superada pela guarida de decisões judiciais até então favoráveis e pela árdua negociação.
Em 2018, chegou-se a um instrumento conciliatório que, na concessão recíproca de posições, índices e fatores, os contingenciamentos financeiros dos bancos, à época, foram conhecidos e convertidos em fatores possíveis de pagamento.
As cláusulas do referido instrumento foram submetidas à Procuradoria-Geral da República, ao STF e, ainda, ao Banco Central e ao CNJ.
O plenário do STF examinou e homologou, por duas vezes, ainda com a relatoria do ministro Lewandowski, o pacto inicial e sua prorrogação. Neste último evento, relembre-se, ocorreu uma pandemia global sanitária.
Não só o instrumento de acordo mas especialmente a sua performance também foram (e são) examinadas pelas equipes dos AGUs André Mendonça, hoje no STF, Bruno Bianco e Jorge Messias.
Os relatores dos Temas 264/265 e 284/285 de Repercussão Geral, os ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, também se debruçaram sobre o pacto escrito e seu aditivo.
De 2019 até os dias atuais, as bancas advocatícias das instituições financeiras não pararam a peleja, mercê da tramitação normal de uma série de ações sobre a matéria.
De um lado, consumidores buscando executar sentenças transitadas em julgado. De outro, rescisórias e novas teses propostas no STJ para derrubar sentenças coletivas (sendo várias delas acolhidas), reduzindo-se a conta.
Em 2021, exemplificativamente, os bancos tentaram derrubar a eficácia territorial das sentenças coletivas (inclusive as de consumo), para praticamente zerar os pagamentos de expurgos, mas o STF barrou esta tentativa.
Com ou sem pandemia, a esmagadora maioria de poupadores vivos aderiu ao acordo, recebendo valores expressivos que lhes foram devidos, encerrando-se imediatamente o processo judicial em curso. O acordo vicejou.
Infelizmente, uma parcela expressiva do remanescente ainda se dificulta por conta de um número considerável de espólios (obviamente derivados do falecimento de poupadores elegíveis), mas em curso de recebimento.
Agora, em 2025, o relator da matéria pautou e iniciou o julgamento do feito e propõe a tese de fundo favorável aos bancos, seguindo precedente da corte no caso do Plano Real, mas mantendo rígido o acordo firmado entre as partes.
A situação é inédita, porque, até agora, o setor financeiro viu sua pretensão jurídica acolhida, mas permanece obrigado – como de fato o fez no plano extrajudicial – a pagar débitos na linha da composição coletiva firmada.
Esta é uma situação sem precedentes na jurisdição constitucional, sobretudo em se cuidando de uma ação de controle concentrado, cuja lide multitudinária envolve repercussões de direito privado (valores devidos em conta-poupança).
O Código de Defesa do Consumidor foi um ator silencioso para essa empreitada de sucesso, pois, já continha – desde 1990 – um instituto jurídico absolutamente eficaz à desjudicialização: o seu artigo 107.
Qualquer que seja a solução final dada pelo STF, fato é que as entidades representativas dos bancos (devedores do pagamento) se vincularam documentadamente à obrigação de pagamento, sem caminho de volta.
A autocomposição, nesse caso, serviu como um modelo paradigmático de solução para a questão litigiosa de fundo, restando ao STF a dicção que lhe incumbe sobre a definição constitucional do tema.
A convenção coletiva de consumo pode e deve funcionar como um instrumento resolutivo dentro de ações objetivas, embora se tratando de direitos patrimoniais disponíveis e estando garantida uma negociação feita por atores legítimos.
Sempre que estiverem presentes as balizas de paridade de armas, direitos patrimoniais disponíveis e representação adequada dos setores e associações envolvidas estiverem presentes, concreta e ativamente, é possível conciliar.
O STF assume, até aqui, papel fundamental de viabilizador da pacificação social, ampliando o escopo da jurisdição constitucional para incluir soluções negociais construídas com a participação efetiva da sociedade civil.
Para este país de problemas massificados, a abertura para modelos cooperativos é mais que bem-vinda: é essencial para a efetividade da cidadania.