O tom contundente e firme do tenente-brigadeiro Baptista Júnior, ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), se contrapôs à postura evasiva do general Freire Gomes, no depoimento dado ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (21/5). O militar foi enfático ao confirmar que o ex-presidente Jair Bolsonaro atuou para impedir a posse de Luiz Inácio Lula no Palácio do Planalto e que a negativa de parte das Forças Armadas de aderir ao intuito golpista foi essencial para que não ocorresse qualquer ruptura institucional.
Durante o depoimento, o militar confirmou que houve ameaça de prisão por parte do general Freire Gomes ao então presidente Jair Bolsonaro caso ele insistisse em continuar no poder. O tenente-brigadeiro não soube precisar ao certo a data, mas disse que o ato ocorreu em reuniões entre o dia 1º e 14 de novembro de 2022, em encontros em que estavam Bolsonaro, o ex- ministro da defesa Paulo Sérgio Nogueira e os três comandantes das Forças Armadas, no Palácio do Alvorada.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Segundo Baptista Jr, na ocasião, Freire Gomes manteve-se calmo e sem agressividade quando aventou essa possibilidade no caso de persistência de uma ruptura institucional. “Freire Gomes é polido, não falou com agressividade, mas foi isso que ele falou”, afirmou ao ser questionado pelo Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, se houve o episódio da ameaça de prisão.
Questionado novamente por advogados, Baptista Jr disse “não ser simples” esquecer a ameaça de prisão de um general ao Presidente da República. Contudo, ele não confirmou que Freire Gomes tenha emitido uma voz de prisão. Em depoimento na segunda-feira (19/5), Freire Gomes disse que não deu voz de prisão ao então presidente.
O tenente-brigadeiro também confirmou que o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha brasileira, colocou as tropas à disposição de Bolsonaro. “Em uma das reuniões ele disse que as tropas da Marinha estavam à disposição do presidente”. Tanto que foi assim que ele soube que a Marinha tinha 14 mil fuzileiros. Disse ainda que a postura dos três comandantes em relação à tentativa de golpe era conhecida nas Forças Armadas.
Baptista Jr descreveu ao relator, ministro Alexandre de Moraes, que foi ficando “desconfortável” com as reuniões marcadas pelo ex-presidente com o ministro da Defesa e os chefes das Forças Armadas no Alvorada após as eleições de 2022. Narrou que esteve pelo menos cinco vezes no Palácio da Alvorada em novembro, após Jair Bolsonaro perder as eleições para Lula, mas foi sentindo que o tom dos debates sobre estado de sítio, defesa ou decreto para Garantia da Lei e Ordem (GLO) caminhava para impedir a assunção de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República e não para manter a ordem de um país dividido, com ameaça de racionamento por greve de caminhoneiro e acampados em portas de quartéis.
“Eu tenho muito respeito pelo presidente [refere-se a Bolsonaro], mas eu tinha um ponto de corte: 1º de janeiro”, disse o tenente-brigadeiro ao dizer que negou-se ao golpe. Baptista Jr disse que, na reunião do dia 14 de novembro de 2022, o ex-ministro da defesa Paulo Sérgio apresentou a minuta golpista. O militar descreveu com precisão que, ao chegar no Alvorada, Garnier estava de costas, Paulo Sérgio, de lado e Freire Gomes, de frente. Assim que começou a reunião, Paulo Sérgio disse: “trouxe um documento para vocês verem”. O documento estava na mesa e dentro de um plástico. Ele perguntou se o texto previa a não assunção do presidente eleito e recebeu um silêncio como resposta, o que interpretou com um sinal positivo. Na sequência, o militar disse: “Não admito sequer receber esse documento, levantei e fui embora”.
O militar disse que depois que se opôs à minuta golpista sofreu pressões e ataques contra ele e a família e que a fonte dos ataques era o general Braga Netto e toda a situação foi “difícil”. Ressaltou que foi chamado de “melancia” [em referência a ser vermelho, cor associada ao PT, por dentro]. “Eu fui muito firme, minhas convicções não seriam (e não serão) atingidas por esse tipo de ataque. Era uma tentativa infrutífera de tentar me desviar do caminho certo”
O ex-chefe da FAB disse que um dos incômodos com os rumos das conversas no Alvorada veio quando foi aventada a possibilidade da prisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. “No brainstorm das reuniões isso ocorreu [possibilidade de prisão de autoridades públicas]”, afirmou a Gonet. Ele disse que durante a reunião trabalharam com a hipótese de um habeas corpus a Moraes dado pelo STF, e foi questionado se não teriam que prender os outros 10 membros da Corte.
Outro ponto de desconforto veio quando Bolsonaro disse na porta do Alvorada que teria apoio das Forças Armadas frente a medidas necessárias para manter a ordem no Brasil.
Sobre o relatório das urnas, Baptista Jr disse que sempre houve a convicção de que não havia fraudes nas urnas eletrônicas dentro das Forças Armadas e que Bolsonaro sabia dessa informação. O militar disse que a única retificação que faria em relação ao seu depoimento na PF é que Anderson Torres não participou das reuniões com o presidente e os comandantes das Forças Armadas.
Baptista Junior é testemunha de acusação e de alguns réus na ação sobre o núcleo um da trama golpista, em que Bolsonaro é um dos réus. A PGR denuncia o ex-presidente por liderar uma trama golpista para se manter no poder.