Operação Sem Desconto e o ressarcimento aos aposentados

A investigação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU), denominada Operação Sem Desconto, revelou a fragilidade dos sistemas de controle do INSS e prejuízos a milhões de aposentados e pensionistas. Estima-se que, entre 2019 e 2024, mais de R$ 6,3 bilhões foram descontados indevidamente, por meio de consignação de mensalidades e contribuições para entidades sindicais e associativas sem a devida comprovação de autorização dos segurados.

A gravidade das apurações resultou em demissões no alto escalão do INSS (presidente, diretor de Benefícios, e procurador-geral) e até mesmo na exoneração do ministro da Previdência. A operação também incluiu o cumprimento de 211 mandados de busca e apreensão, ordens de sequestro de bens no valor superior a R$ 1 bilhão e seis mandados de prisão temporária.

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A situação gerou críticas e abordagens políticas oportunistas, com a oposição tentando responsabilizar o governo atual pelos fatos, embora suas causas sejam mais antigas. E, internamente, é questionada a atuação da CGU: o ministro-Chefe da Casa Civil criticou a Controladoria por não ter feito os alertas devidos mais cedo, o que impediu uma resposta governamental célere e permitiu que mais pessoas fossem lesadas.

Ainda que o papel da CGU não seja, ao contrário do que alega o ministro da Casa Civil, apenas “preventivo”, mas incluem a defesa do patrimônio público, controle interno, fiscalização de políticas públicas e a responsabilização de agentes e entes privados, além de investigar irregularidades e instaurar processos, o fato é que apenas passados dois anos, a CGU cumpriu sua função. E a demora, com efeito, contribuiu para o agravamento do problema cujo início antecede o atual governo, e que já vinha merecendo atenção desde, pelo menos, 2023.

Segundo estimativas divulgadas pelos meios de comunicação[1], a arrecadação de entidades que tinham acordos de cooperação técnica com o INSS para realizar descontos diretos em aposentadorias e pensões cresceu 253% entre 2022 e 2024, segundo uma auditoria da CGU, e o valor arrecadado pelas entidades aumentou de R$ 702 milhões em 2022 para R$ 2,5 bilhões em 2024.

Segundo a CGU, 11 das 31 entidades que possuíam acordos com o INSS concentraram 84,6% dos valores descontados e arrecadaram R$ 1,1 bilhão em 2023, de um total de R$ 1,3 bilhão.

Legalmente, a situação suscita o debate sobre a responsabilização do Estado brasileiro. O artigo 37, § 6º da Constituição prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e prestadores de serviços públicos pelos danos causados por seus agentes, assegurado o direito de regresso contra os culpados.

Essa responsabilidade objetiva justificaria o ressarcimento dos danos aos segurados, cabendo ao Estado buscar a recuperação dos valores junto aos agentes públicos e privados responsáveis.

No entanto, um grande desafio é caracterizar o que constitui um desconto indevido de forma conclusiva e rápida. Seria necessário comprovar a inexistência de manifestação clara e inequívoca de vontade dos segurados em se associar ou, se associados, se o desconto foi abusivo.

A dimensão da tarefa, com milhões de descontos ao longo de um longo período, exige um grande esforço administrativo e tecnológico que o INSS, CGU, Polícia Federal e Tribunal de Contas da União (TCU) parecem não ter capacidade de realizar sozinhos.

O TCU tem atuado na questão (Processo TC 032.069/2023-5). Em junho de 2024 (Acórdão 1.115/2024), o TCU adotou medidas cautelares para proteger os beneficiários. Determinou ao INSS que novos descontos de associações só poderiam ser feitos com assinatura eletrônica avançada e biometria. Também impôs o bloqueio automático para todos os novos descontos (empréstimos consignados e mensalidades associativas) e ordenou ao INSS o ressarcimento dos valores descontados indevidamente.

O TCU também instou o INSS a divulgar a possível ocorrência de descontos indevidos e informar os procedimentos para recuperação dos valores.

O processo no TCU teve origem em um pedido da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados de apuração de irregularidades no INSS, entidades e instituições financeiras, enviado à Corte em agosto de 2023. A denúncia apontava “vício de consentimento”, especialmente de idosos, que seriam induzidos a aderir a entidades associativas ao contratar empréstimos consignados, sob argumento de ser indispensável ou mais vantajoso.

Inicialmente, o TCU não concedeu a medida cautelar pleiteada, pois não viu plausibilidade jurídica em concluir que todos os empréstimos associados a taxas de associação eram prejudiciais, reconhecendo que alguns segurados poderiam se beneficiar ou ter interesse legítimo nos serviços oferecidos pelas entidades. Considerou também o “perigo da demora reverso”, pois a suspensão imediata dos repasses poderia impedir o acesso a benefícios das associações e alterar condições de empréstimos vigentes, potencialmente aumentando as taxas de juros.

Apesar disso, em sua auditoria, o TCU constatou que, apesar de norma (IN 128/2022) exigir autorização do beneficiário para descontos, o INSS entendia que a documentação de filiação e desconto deveria ficar acautelada nas associações, sendo disponibilizada ao INSS apenas sob solicitação. O TCU já reconhecia o crescimento expressivo no número de associados (mais de 150% em dois anos) e nos repasses (de R$ 544 milhões em 2021 para R$ 1,55 bilhão em 2023, aumento de 184,7%).

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O TCU também já reconhecia a responsabilidade civil do INSS em casos de empréstimos consignados indevidos com base no Tema 183 da Turma Nacional de Uniformização (TNU). A tese firmada pela TNU indica que o INSS pode ser responsabilizado subsidiariamente por danos se demonstrada negligência por omissão injustificada no dever de fiscalização, quando os empréstimos fraudulentos são concedidos por instituições financeiras distintas daquelas que pagam o benefício.

As determinações finais do TCU em junho de 2024 (Acórdão 1.115/2024) incluíram a exigência de revalidação de todas as autorizações de consignação de mensalidades associativas utilizando ferramentas tecnológicas como assinatura eletrônica avançada e biometria, sob pena de exclusão automática dos descontos.

Além disso, o INSS deveria identificar e responsabilizar as entidades associativas e sindicais com suspeita de fraudes e promover o ressarcimento dos valores descontados indevidamente.

A omissão do INSS em adotar essas medidas – o que deveria ter sido objeto de monitoramento pela CGU e demais órgãos do Executivo, notadamente a própria Casa Civil, como órgão de coordenação governamental –, associado ao fato de que os atingidos são, em grande parte, pessoas idosas, cuja taxa de mortalidade é elevada, tornou ainda mais graves as consequências dos fatos apurados e que, com a Operação Sem Desconto, vieram ao conhecimento do grande público.

Quanto ao ressarcimento, parece não haver dúvida de que a despesa inicial recairá sobre o Tesouro Nacional. A ministra do Planejamento e Orçamento afirmou que o governo ressarcirá todos os afetados. A devolução seria feita inicialmente pelo bloqueio de bens dos fraudadores, mas a União complementará se for insuficiente.

No caso de o ressarcimento vir a ser feito pelo Tesouro Nacional – assegurado o direito de regresso contra os responsáveis pelas fraudes ocorridas – cabe examinar a possiblidade de que o aporte orçamentário seja feito mediante a edição de uma medida provisória de crédito extraordinário, já que a despesa não foi prevista no Orçamento de 2025. 

Segundo a Lei Complementar 200, de 2023, créditos extraordinários não afetam o limite de despesas da União. A Constituição Federal (artigo 167, § 3º) permite a abertura de crédito extraordinário para despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

A dimensão do escândalo, com grande repercussão midiática e potencial para desestabilizar o governo, pode configurar “comoção interna”, conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal (ADI 4048-DF). Embora “comoção interna” seja fundamento para estado de sítio, sua configuração como situação de crise não implica necessariamente a decretação dessa medida extrema.

Apesar da necessidade de celeridade no ressarcimento, a grande dificuldade reside em separar os descontos efetivamente indevidos daqueles autorizados, inclusive em casos de “venda casada” (aceitar filiação para obter empréstimo consignado). A liberdade de associação (artigo 5º, XVII CF) exige cautela para não tachar todos os descontos associativos como fraudulentos. O INSS, desde 28 de abril de 2025, suspendeu os Acordos de Cooperação Técnica para descontos associativos e os próprios descontos, aguardando reavaliação.

Historicamente, em 2019, a Medida Provisória (MP) 871 exigiu a revalidação anual da autorização de desconto associativo. Parlamentares destacados apresentaram emendas para que o prazo de revalidação fosse de 5 anos, ou mesmo para a supressão do novo parágrafo.

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Entre eles, figura o senador Paulo Paim, defensor histórico dos aposentados, que propôs a supressão da alteração sob o argumento da “autotutela dos segurados”, ou, ainda, que fosse fixado o prazo de 5 anos para a revalidação de autorização. Parlamentares de diversos partidos apresentaram emendas de mesmo teor, revelando preocupação legítima com a regra proposta.

Assim, a complexidade do tema exige, simultaneamente, cautela e celeridade: cautela, para que não haja condutas oportunistas que levem a distorções no encaminhamento de soluções e correção dos problemas apurados; e celeridade, para que o ressarcimento seja feito, ainda que em bases provisórias (e passíveis de compensação em caso de constatação de não ser devido o ressarcimento), no mais breve prazo possível, com o auxílio de medida provisória de crédito extraordinário para assegurar o seu custeio, e para que sejam ajuizadas as necessárias ações regressivas tanto contra autoridades envolvidas nas práticas irregulares – por conivência, prevaricação ou mesmo corrupção passiva – como contra as entidades que se beneficiaram dos abusos praticados.


[1] https://www.infomoney.com.br/politica/entidades-suspeitas-de-fraudes-no-inss-ampliam-arrecadacao-em-253-sob-governo-lula

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