A ação ajuizada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, no Supremo Tribunal Federal (STF), deve encontrar obstáculos na Corte — dos jurídicos aos políticos. Um deles é a jurisprudência consolidada do STF que prevê que o tipo de ação constitucional usada pela advocacia do Congresso — a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) — não pode discutir decisões judiciais.
Motta contesta a decisão da 1ª Turma do STF que afastou parcialmente uma resolução da Câmara que suspendeu integralmente a ação da trama golpista para o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). Para Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia, apenas os crimes cometidos depois da diplomação de Ramagem como parlamentar ficam sustados — ou seja, apenas os relativos ao 8 de janeiro. A Câmara havia aprovado por larga margem de votos que a suspensão deveria ser em todos os crimes em que Ramagem é réu.
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A única vez que houve cabimento de uma ADPF em relação a uma decisão da Corte foi no caso do inquérito das fake news, proposta pela Rede Sustentabilidade. Neste caso, se tratava de uma decisão administrativa e, mesmo assim, o pedido foi rejeitado (ADPF 572) pelos ministros no mérito.
Na visão do Parlamento, a decisão do STF foi uma interferência nas atribuições do Congresso, atrapalhando o equilíbrio entre os Três Poderes.
No entanto, os ministros não viram com bons olhos a tentativa do Congresso de tentar emparedar o STF. Em reservado, um ministro afirmou que a peça da Câmara é um absurdo e vexatória.
Na sessão de quarta-feira (14/5), em que os ministros discutiam os serviços funerários em São Paulo, o ministro Flávio Dino não escondeu as críticas à ação do Legislativo. Recorreu a todos os filósofos da democracia, liberalismo e separação de Poderes — de Aristóteles, a John Locke e a Montesquieu — para dizer que a separação de Poderes não chega ao ponto de suprimir o controle constitucional.
“Esses dias a 1ª Turma, presidida pelo ministro Zanin, em tema relatado pelo eminente ministro Alexandre de Moraes, se defrontou com esta ideia, de que a separação de Poderes impediria a 1ª Turma de se pronunciar sobre uma decisão da Câmara”, citou.
“Ora, se assim fosse, nós teríamos uma dissolução da República. Porque aí cada Poder e cada ente federado faz a sua bandeira, o seu hino, emite a sua moeda e aí, supostamente, se atende a separação dos Poderes”, complementou.
Também durante a sessão, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, mostrou-se preocupado com o alargamento do cabimento de ADPF no STF e deixou claro que os parâmetros precisam ser atualizados para evitar usos excessivos da ferramenta jurídica. Segundo ele, “os contornos da ADPF foram se expandindo, inclusive pela via jurisprudencial”. Acrescentou: “eu tenho a sensação que, em algum momento, vamos ter que rearrumar as dimensões da ADPF porque ela foi se expandindo para atender algumas demandas importantes de direitos fundamentais que eu acho que ultrapassam os contornos inicialmente concebidos”.
Dessa forma, há pouca margem jurídica para a ação de Motta prosperar no STF e o efeito pode ser mais importante para agradar os congressistas do que ter efeito prático.
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Ainda não há relator designado, mas a depender de quem for, uma saída com menos desgaste entre os Poderes seria usar os precedentes existentes e encerrar a discussão. Caberá ao presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, a escolha e, neste momento, ele está em viagem internacional.
Ainda não está claro se será o ministro Alexandre de Moraes, uma vez que ele já é relator de duas ações do PSol e do PDT que contestam a resolução da Câmara que aprovou a suspensão total do processo da trama golpista contra Ramagem enquanto ele for parlamentar.