O TCU e a regulação responsiva

A crescente complexidade dos mercados regulados tem desafiado os arranjos regulatórios tradicionais, normalmente calcados em uma lógica de comando e controle. Respostas engessadas e coercitivas por parte dos reguladores têm se mostrado insuficientes para direcionar os agentes regulados à conformidade, resultando em um elevado volume de processos sancionadores e baixa efetividade das penalidades aplicadas.

Em uma realidade econômica e social em constante transformação, regulação que se pretenda efetiva precisa superar a primazia da sanção e incorporar estratégias mais compositivas e flexíveis em sua gramática.

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Partindo dessa premissa, a regulação responsiva propõe que, em vez da subsunção automática de uma conduta à sanção equivalente – por vezes, desproporcionalmente severa –, o regulador deve combinar soluções coercitivas e persuasivas para adequar a resposta regulatória à motivação, ao perfil e ao contexto em que os agentes regulados se inserem, estimulado a conformidade dos agentes.

O Tribunal de Contas da União (TCU) não está alheio ao diagnóstico da inefetividade do comando e controle, e tem se mostrado receptivo a modelagens mais modernas. Além do conjunto de precedentes que reconhecem que a regulação baseada em sanção não tem atendido aos seus fins declarados,[1] há julgados relevantes nos quais o tribunal alude à regulação responsiva.

Em 2019, o TCU aprovou o modelo de regulação responsiva adotado na Agência Nacional de Energia Elétrica,[2] em decisão já comentada nesta coluna, e têm incentivado que outras instâncias de regulação o façam. O tribunal sustenta que a regulação responsiva estimularia a ampliação da infraestrutura no país, a boa gestão dos contratos de concessão e o alinhamento das políticas públicas com as necessidades econômicas atuais.[3]

Indo além, recentemente, o TCU admitiu que ele mesmo deve observar premissas responsivas em seu controle, em busca da conformidade de seus jurisdicionados.[4] Com efeito, o Tribunal já se valeu expressamente dessas premissas para propor interpretação sobre a responsabilização por danos ao erário que considerasse o nível de culpabilidade dos agentes na gradação da sanção.[5]

É evidente que o TCU acatou o termo “regulação responsiva” e já o incorporou a sua jurisprudência. Não é tão claro, contudo, se a recepção positiva do conceito pelo tribunal equivale, efetivamente, a uma percepção igualmente positiva das práticas regulatórias preconizadas por ele. Afinal, estaria o TCU, de fato, comprometido a resguardar a autonomia das agências para a implementação de modelos responsivos, ainda que isso implique a mitigação do “poder-dever” de sanção e a renuncia à arrecadação de multas?

A realidade é que os avanços e recuos jurisprudenciais do TCU em matéria regulatória ainda suscitam inseguranças para o avanço das agências reguladoras em direção à regulação responsiva. Ao que parece, o fomento a abordagens regulatórias menos punitivas pelo tribunal ainda depende de mudanças mais abrangentes (e menos retóricas) em sua atuação.


[1] Veja-se, por todos, o acórdão 1970/2017 – Plenário, em que o TCU reconhece a inefetividade arrecadatória e regulatória das sanções pecuniárias aplicadas por agências reguladoras.

[2] V. acórdão 1.946/2019 – Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, julgado em 21.08.2019.

[3] V. acórdão 1.996/2024 – Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, julgado em 25.09.2024.

[4] Nos termos do voto do Min. Walton Alencar: “Em quinto, a mencionada proposta de alteração da jurisprudência do TCU acaba com a necessária e importante escalada gradual dos constrangimentos intrusivos, de maneira a não incentivar a conformidade, tal como preceitua a Teoria da Regulação Responsiva, (…). Em que pese o TCU não regular diretamente agentes de mercado que prestam serviços públicos ou que exploram atividades econômicas, competência própria das agências reguladoras, este Tribunal busca a conformidade dos agentes sob sua jurisdição, nos aspectos próprios de sua competência. Assim, similarmente aos reguladores, cabe ao TCU, na sua área de atuação, tomar decisões para incentivar condutas virtuosas e a conformidade (compliance) dos seus jurisdicionados.” (Cf. acórdão 1.835/2024 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, julgado em 04.09.2024).

[5] V. acórdão 1.835/2024 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, julgado em 04.09.2024

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