Concessões de estabelecimentos penais

Em 27 de fevereiro, o estado de Santa Catarina lançou edital de concessão administrativa para a construção, reforma, manutenção e apoio à operação do Complexo Prisional de Blumenau – o leilão está previsto para o primeiro semestre desse ano. Com a inclusão dos setores de “segurança pública e sistema prisional” entres os prioritários na área de infraestrutura (artigo 4º, IX, Decreto 11.964/24), a tendência é que projetos como esse sejam cada vez mais usuais em território nacional.

Aqueles que se opõem a esse tipo de iniciativa somam a argumentos de ordem política, um argumento de ordem jurídica: as concessões de estabelecimento penais envolveriam a delegação de poder de polícia – o que seria vedado.

De fato, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) e a Lei de PPPs (Lei 11.079/04) prescrevem a indelegabilidade. No entanto, há uma diversidade de serviços desenvolvidos na gestão de presídios que vão além do poder de polícia.

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São os serviços denominados pela LEP como “atividades materiais acessórias”, compreendendo limpeza, informática, copeiragem, portaria, telecomunicações, lavanderia e manutenção de prédios (artigo 83-A). Trata-se, em termos gerais, de “serviços de hotelaria”. Além desses, também são delegáveis à iniciativa privada parte significativa das atividades assistenciais (previstas no artigo 11): assistência material, à saúde, jurídica e educacional.  

No caso dos serviços indicados nos artigos 83-A e 11 da LEP, a possibilidade de se conceber a concessão é facilmente constatada. Contudo, os contratos não se limitam a esses serviços.

No Complexo Penitenciário Público Privado de Ribeirão das Neves (MG), por exemplo, o primeiro deste modelo no Brasil, é dever da concessionária prover o monitoramento interno de cada unidade penal. As atividades de segurança, portanto, também são de responsabilidade do contratado, que deve efetuar o controle nos postos de vigilância e manter o monitoramento dos sentenciados, nos termos das sentenças condenatórias. Esta gestão é concretizada por monitores internos, funcionários da concessionária, que portam tonfas (cassetetes).

A mesma modelagem foi adotada na concessão administrativa do Complexo Prisional de Erechim (RS). Estruturada já no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) (Lei 13.334/16), o contrato de concessão – assinado em 2023 – atribui à concessionária os serviços de controle interno e logística prisional. Aí compreendidas as atividades de inspeção de celas, segurança interna e manutenção da disciplina prisional, realizadas pelos monitores de ressocialização contratados pela concessionária. 

O edital para a concessão do Complexo Prisional de Blumenau segue a mesma linha, atribuindo à concessionária tarefas relacionadas à segurança. 

De que modo estes contratos observam a indelegabilidade da atividade de poder de polícia? Em todos há cláusula ressalvando que a prestação dos serviços necessários à manutenção da ordem, segurança e disciplina nos complexos devem ser realizadas sem o uso de poder de polícia. 

A previsão é suficiente? Como isso é operacionalizado? 

Nos três projetos citados, as atividades de segurança estão subordinadas a disposições regulamentares e a determinações do diretor de segurança de cada complexo prisional, cargo obrigatoriamente ocupado por agente público (artigo 83-B da LEP). Logo, o monitoramento das unidades penais configura mera execução das ordens das autoridades públicas.

Caso um monitor de ressocialização (ou monitor interno) tenha sua determinação desrespeitada, ele não possui poderes para impor seu cumprimento, devendo acionar um agente público de segurança, que detém autoridade coercitiva. A única situação em que um monitor interno pode empregar força é em legítima defesa (artigo 25 do Código Penal), assim como qualquer cidadão.

Outro cuidado adotado nos dois contratos mais recentes é a previsão de que a concessionária deverá apresentar um Plano de Procedimento de Apoio Operacional Padrão (PAOP). Este plano deve estruturar procedimentos e estabelecer documentação a ser implementada pelas concessionárias com o objetivo de padronizar a prestação dos serviços e atividades, garantindo sua impessoalidade e objetividade por meio da estandardização de ações do privado.

Responder se essas previsões são suficientes para respeitar a indelegabilidade do poder de polícia está fora do escopo deste artigo, assim como avaliar se atribuir atividades de segurança prisional à concessionária adentra a competência das polícias penais, estabelecida no artigo 144, § 5ª-A, da Constituição (“às polícias penais […] cabe a segurança dos estabelecimentos penais”).

De todo modo, as concessões administrativas de estabelecimentos penais tendem a se proliferar, seja por influência de incentivos governamentais (é o caso das debêntures incentivadas do artigo 2º da Lei 12.431/11), seja pela deficiência da infraestrutura do setor no Brasil (o “estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional foi reconhecido pelo STF na ADPF 347) – cenário onde os recursos privados são bem-vindos.

Mas para conferir segurança jurídica a estes contratos é fundamental aprofundar a reflexão sobre a extensão das atividades desenvolvidas nestas concessões e, sobretudo, como e que parcela delas podem ser delegados sem caracterizar delegação do exercício do poder de polícia.

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