Os recados do ministro Gilmar Mendes na reabertura da conciliação do Marco Temporal

Com críticas a “bolhas ideológicas”, a políticos e a organizações não-governamentais, o ministro Gilmar Mendes reabriu os trabalhos da mesa de negociação sobre o Marco Temporal das Terras Indígenas, no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (12/5). Entre as mensagens trazidas em seu discurso, Mendes pediu boa-fé e interesse na conciliação e disse que, sem um consenso, a violência por terras continuará no Brasil. Segundo ele, o conflito no campo virou um “negócio lucrativo” para parlamentares e entidades sem fins lucrativos que se fortalecem com as disputas.

Mendes tem tido dificuldades em chegar a um consenso sobre o assunto — tanto que já é a terceira prorrogação da mesa de conciliação e até o momento, 20 audiências públicas foram feitas. O ministro não conduz diretamente as negociações, mas sim dois integrantes de seu gabinete, os juízes Diego Veras e Lucas Faber. Dessa forma, o ministro busca participar em momentos que julga mais importantes e para estimular o acordo.

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Desde o início da conciliação, Mendes tem encontrado oposição à ideia. A primeira grande resistência já ocorreu nas primeiras audiências com a saída das principais entidades representativas indígenas brasileiras, como a Articulação dos Povos Indígenas (Apib). O grupo entende que os direitos dos indígenas à terra é indisponível, portanto, não pode ser negociado, até porque não existiria a paridade de armas entre indígenas e representantes da agropecuária.

A situação do gabinete de Mendes com os indígenas se agravou desde a negativa de suspensão da Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023) de forma liminar, conforme o pedido pela Apib. Mendes tem deixado claro que não deve afastar a lei do ordenamento nacional, mas que vê espaço para alterações. Contudo, esse recado afastou os indígenas da mesa de negociação — o que levou a uma preocupação sobre a legitimidade da conciliação.

Na esteira das críticas à atuação de parlamentares e ONGs, Mendes citou o livro “A Peste”, do romance de Albert Camus, para dizer que muitos que passaram pela mesa de negociação no STF têm o mesmo perfil trazido no romance, que é um clássico da literatura. A história é sobre a chegada de uma epidemia à cidade argelina de Orã e descreve aproveitadores da situação de desespero, como um personagem que lucra com um mercado paralelo de produtos.

“Durante o decorrer desta Comissão, temos visto parlamentares defendendo eleitoralmente posições irrefletidas, de forma demagógica, olvidando que estão vendendo ilusões, ao passo que muitas ONGs acabam incentivando invasões e conflitos”, disse.

E complementou: “Ambos agem irresponsavelmente, porque não podem assegurar a paz no campo, o que acaba sendo um ‘negócio lucrativo’ para tais intermediadores do conflito. Os parlamentares e algumas ONGs se autoafirmam na sua bolha com base em devaneios e prometem o que não podem cumprir: são mercadores de ilusões”.

O ministro deu sinais de desconforto de interesses estrangeiros na discussão. De improviso, complementando parte do discurso programado, ele disse que recebeu um grupo de indígenas em uma audiência e com eles estava uma “senhora diferente” dos indígenas que falava inglês e filmava toda a reunião.

Um dos pontos trazidos por Mendes foi o atraso econômico e social que as disputas causam ao país e citou o caso da energia elétrica em Roraima. No ano passado, o Ministério Público Federal recomendou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a interdição de áreas no município de Silves, no estado do Amazonas, por possível existência de comunidades indígenas isoladas. No local, é desenvolvida a extração do gás natural liquefeito para gerar energia elétrica para abastecer a usina termelétrica Jaquatirica III, em Roraima.

“Quem defende que não haja energia elétrica, em Roraima, integrada ao sistema interligado nacional, aposta no caos e na dependência externa da Venezuela, obrigando as pessoas de alguns estados do Norte, a estarem presas no século XIX quando dependiam de lamparinas para ter energia ou exigem a compra de geradores a base de queima de combustível fóssil”, disse.

O ministro voltou a defender que o STF é o melhor local para o diálogo sobre as terras indígenas. Argumentou que, se a Corte não fechar uma definição, o Congresso o fará — em uma tentativa de defender o anteprojeto proposto por seu gabinete. Mendes lembrou que o Legislativo já tem uma proposta de emenda constitucional para inserir o ano de 1988 como o Marco Temporal para a demarcação das terras indígenas. Portanto, o ministro quis demonstrar que a solução consensual no tribunal é um caminho em que as comunidades indígenas e as outras partes terão mais participação no texto.

Em sua fala, Mendes exaltou as conciliações que ele julgou bem sucedidas, como Ñande Ru Marangatu — pelo acordo, a demarcação das terras feita em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou mantida e os fazendeiros deixarão o local, para isso, receberão R$ 146 milhões de indenização pela terra nua e benfeitorias realizadas. Citou também a decisão do ministro Flávio Dino de conceder royalties aos indígenas atingidos pela usina hidrelétrica de Belo Monte.

A participação de Mendes na terceira tentativa de conciliação demonstra que, mesmo com as críticas à forma de condução da mesa de negociação — sem a efetiva representatividade indígenas — ele vai continuar insistindo em apresentar alguma solução para um dos problemas mais sensíveis brasileiros que são os conflitos de terras.

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