Nos últimos anos, as redes sociais consolidaram-se como uma das principais fontes de informação para investidores pessoa física. Dado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aponta que 73% dos investidores que realizaram seu primeiro aporte foram influenciados por conteúdos do YouTube ou por influenciadores digitais. Além disso, esses canais representam uma das principais formas de atualização sobre o mercado financeiro para esse público.
Muitos desses influenciadores, no entanto, não são analistas certificados nem possuem autorização da CVM para oferecer esse tipo de orientação pública. A situação é agravada pelo fato de que, mesmo sem seguir esses perfis, os usuários são expostos a seus conteúdos, impulsionados por algoritmos que priorizam vídeos com base no histórico de navegação.
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Isso torna ainda mais urgente o debate regulatório sobre o papel e os limites dos chamados finfluencers — influenciadores digitais que atuam no setor financeiro. Embora esses agentes tenham contribuído para democratizar a educação financeira, sua atuação também pode representar riscos sérios quando envolta em opacidade e conflitos de interesse, desafiando os limites tradicionais da supervisão estatal.
O caso do Reino Unido: punição mais dura e pressão sobre as big techs
No Reino Unido, a autoridade financeira Financial Conduct Authority (FCA) tem cobrado mais proatividade da big techs. Em específico, a FCA instou as plataformas a usarem seus recursos tecnológicos para identificar reincidências e conter a disseminação de conteúdo ilegal, destacando que muitos finfluencers continuam operando mesmo após terem contas encerradas — basta migrar para um novo perfil.
Durante audiência no Parlamento Britânico, realizada em 30 de abril de 2025, a diretora de investimentos ao consumidor da FCA, Lucy Castledine, revelou que a entidade precisa solicitar individualmente a remoção de cada conta, enquanto as big techs têm tecnologia para agir de forma automatizada. A FCA recebeu, só em 2024, mais de 25 mil denúncias relacionadas a negócios não autorizados.
A autoridade financeira combate os finfluencers desde a publicação de diretrizes específicas. Em 2024, nove pessoas, incluindo ex-participantes de reality shows britânicos, foram acusadas de promoverem um esquema de investimentos ilegais a 4,5 milhões de seguidores. Os julgamentos devem ocorrer em 2027.
A promoção não autorizada de produtos financeiros encontra-se vedada pela Seção 21 do Financial Services and Markets Act de 2000, a qual exige que qualquer recomendação em redes sociais seja endossada por instituição regulada. Segundo Castledine, a FCA está em diálogo com o governo para endurecer a legislação, buscando aumentar a pena máxima para promoção financeira ilegal de dois para cinco anos de reclusão.
Ressalta-se que as diretrizes FG15/4 da FCA também detalham que tais promoções devem ser claras, justas e não enganosas, incluindo a exigência de avisos de risco visíveis — especialmente para produtos complexos como criptomoedas e contratos por diferença (CFDs).
A atuação dos finfluencers no Brasil
No Brasil, a atuação de influenciadores financeiros também cresce rapidamente, impulsionada pelo fato de o país ser o terceiro que mais utiliza redes sociais no mundo. Contudo, muitos perfis promovem ações, criptomoedas, opções binárias e outros investimentos sem habilitação legal.
A CVM monitora esse cenário com atenção. A autarquia classifica como influenciadores de finanças aqueles que compartilham, em mídias e redes sociais, opiniões, sugestões, conhecimentos e experiências relacionadas à educação financeira, planejamento financeiro, finanças pessoais e demais temas correlatos.
Todavia, a CVM não possui poder direto para ordenar a remoção de conteúdo das plataformas, sendo necessário recorrer ao Judiciário ou enviar ofícios às empresas.
Ademais, ao contrário do Reino Unido, o Brasil ainda não possui uma tipificação penal específica para a promoção ilegal de investimentos, dependendo atualmente de enquadramentos como estelionato (artigo 171 do Código Penal) ou crimes contra o sistema financeiro (Lei 7.492/1986).
Por outra parte, utilizar as redes sociais ainda que em caráter não profissional pode constituir infração administrativa, conforme a Instrução CVM 8/79, sujeita às penas previstas na Lei 6.385/1976, se tiver como finalidade manipular preços, criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, realizar operações fraudulentas, ou viabilizar práticas não equitativas em benefício próprio ou de terceiros.
Panorama internacional: como outros países estão lidando com o fenômeno
Diferentes jurisdições têm desenvolvido abordagens variadas para equilibrar a inovação trazida pelos finfluencers com a necessária proteção aos investidores. As experiências internacionais revelam consenso quanto à importância da transparência e da responsabilização.
Nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC) adota postura firme com base em legislação consolidada. A Seção 17(b) do Securities Act de 1933 já previa a obrigatoriedade de divulgação de qualquer remuneração recebida por promover valores mobiliários. A regra foi modernizada em 2020 para abranger o marketing digital. Além disso, a Regra 10b-5 do Securities Exchange Act de 1934 serve como instrumento para coibir fraudes e omissões materiais em recomendações de investimento.
Na Austrália, a Australian Securities & Investments Commission (ASIC) publicou em 2022 o guia INFO 289, esclarecendo quando as atividades dos influenciadores exigem licenciamento e destacando a responsabilidade das empresas que os contratam. O foco está em conter a promoção irresponsável de produtos de alto risco — como CFDs e criptoativos — para investidores inexperientes. A ASIC já aplicou multas significativas a influenciadores que atuavam sem autorização ou omitiram informações críticas sobre riscos.
A Holanda, por meio da Dutch Authority for the Financial Markets (AFM), conduziu em 2021 o estudo The Pitfalls of Finfluencing, o qual revelou que 80% dos influenciadores analisados não divulgavam adequadamente seus conflitos de interesse. Ademais, muitos promoviam produtos complexos para públicos inexperientes. Em resposta, a AFM lançou campanhas educativas voltadas a influenciadores e investidores, além de intensificar a investigação de esquemas de comissões ocultas.
No contexto europeu como um todo, a European Securities and Markets Authority (ESMA) integrou a regulação de influenciadores ao arcabouço do MiFID II e do Regulamento de Abuso de Mercado. Empresas financeiras devem declarar o uso de influenciadores em seus formulários de atuação transfronteiriça, e qualquer recomendação de investimento nas redes sociais precisa identificar claramente seu autor e divulgar possíveis conflitos de interesse. A ESMA tem alertado que análises publicadas em plataformas como LinkedIn ou X estão sujeitas às mesmas regras aplicáveis aos relatórios financeiros tradicionais.
Por fim, a International Organization of Securities Commissions (IOSCO) consolidou essas experiências em seu relatório de 2022, oferecendo um kit de ferramentas para reguladores. Entre as recomendações centrais estão o uso de tecnologia para monitoramento proativo, a responsabilização direta da alta administração das empresas pelo marketing terceirizado e a cooperação internacional para combater golpes transfronteiriços.
Conclusão
A regulação de influenciadores financeiros digitais não visa impedir sua atuação, mas garantir que ela ocorra em um ambiente transparente, responsável e equitativo. Como demonstram os casos internacionais, a combinação de normas claras, fiscalização eficiente e educação financeira é o caminho mais promissor.
O Brasil tem diante de si a oportunidade de aprender com essas experiências e construir um marco regulatório eficaz, atento às peculiaridades de seu mercado em processo de digitalização acelerada.