As primeiras multas por violação ao DMA

A Folha noticiou recentemente que o projeto de lei que aumenta o poder do Cade na regulação das grandes plataformas – big techs – está pronto para ser enviado para a Câmara dos Deputados[1].

Já tive oportunidade de tratar do mencionado projeto em coluna anterior[2], assim como já explorei as razões pelas quais é necessário que, a exemplo do Digital Markets Act (DMA) europeu, possamos pensar em uma regulação ex ante para as grandes plataformas digitais[3], uma vez que o Direito Antitruste, na forma como está estruturado atualmente, não tem condições de conter o poder econômico de tais entes[4].

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

A discussão brasileira certamente se tornará mais vibrante após a notícia de que a Comissão Europeia, na semana passada, impôs, pela primeira vez, multas em decorrência do descumprimento do Digital Markets Act, mostrando a sua disposição de tornar eficazes as suas regras. As empresas multadas – Apple e Meta – precisam atender às obrigações determinadas pela Comissão no prazo de 60 dias, sob pena de estarem sujeitas a penalidades periódicas.

Tais resultados decorreram de três investigações que a Comissão Europeia havia aberto por violações ao DMA: (i) em relação à Alphabet, em razão das regras de direcionamento para o Google Play e do auto-favorecimento no que diz respeito ao Google Search e (ii) no tocante à Apple e à Meta, pelas acusações das quais decorreram as já mencionadas multas.

Como foi divulgado pela própria Comissão Europeia[5], após muitos diálogos com as empresas e a devida consideração dos seus argumentos de defesa, a Apple foi multada em € 500 milhões por conta de suas cláusulas anti-steering – anti-direcionamento – enquanto a Meta foi multada em € 200 milhões porque teria violado a sua obrigação de oferecer ao consumidor a escolha por serviços equivalentes que usem menos dados pessoais.

No que se refere à Apple, a Comissão Europeia entendeu que os desenvolvedores que distribuem seus aplicativos por meio do aplicativo da Apple Store devem informar aos consumidores, sem qualquer custo, sobre ofertas alternativas fora da Apple Store, assim como dirigi-los a tais ofertas e permitir-lhes fazer suas compras.

No entender da Comissão, a Apple teria descumprido tal obrigação, uma vez que, diante das inúmeras restrições que impõe, os desenvolvedores não podem se beneficiar das vantagens de distribuir seus produtos em outros canais fora da Apple Store. Da mesma maneira, os consumidores não podem se beneficiar de alternativas e ofertas mais baratas, já que a Apple impede que os desenvolvedores informem os consumidores de tais ofertas. Acresce que, ao ver da Comissão, a Apple não teria conseguido demonstrar que tais restrições são objetivamente necessárias e proporcionais.

Assim, além das multas, cujo valor supostamente refletiria a gravidade e a grande duração da conduta, a Comissão ainda determinou que a Apple removesse todas as restrições técnicas e comerciais ao steerring, assim como se abstivesse de perpetuar a conduta no futuro, o que inclui adotar qualquer outra prática que tenha objeto ou efeito equivalentes.

Já no que diz respeito à Meta, a condenação decorreu da problemática do modelo consent or pay, sob o fundamento de que os usuários que não consentem com o tratamento dos seus dados devem ter direito a uma alternativa equivalente que seja menos personalizada.

Isso porque, em novembro de 2023, a Meta introduziu um modelo de anúncios a partir de uma estrutura binária de consent or pay, por meio da qual os usuários europeus do Facebook e do Instagram passaram a ter que escolher entre autorizar a utilização dos seus dados pessoais para anúncios personalizados ou pagar uma subscrição mensal por um serviço sem anúncios.

Para a Comissão, esse modelo não seria compatível com o DMA, uma vez que não daria aos usuários a escolha específica de um serviço que usasse menos dos seus dados pessoais, mas que pudesse ser equivalente ao serviço personalizado. Ademais, o modelo da Meta não permitiria que os usuários exercessem o seu direito de consentir livremente com a combinação dos seus dados pessoais.

Verdade seja dita que, em novembro de 2024, após muitas interações com a Comissão Europeia, a Meta introduziu uma nova versão do seu modelo de anúncios, que supostamente usaria menos dados pessoais para os anúncios. A Comissão está no momento analisando essa opção, tendo solicitado inclusive à Meta que providenciasse evidências dos impactos do novo modelo na prática.

Não obstante, a Meta foi multada mesmo assim pela conduta anterior já identificada, pelo período em que os usuários teriam ficado sem opção em razão do modelo binário consent or pay, ou seja, de março de 2024, quando o DMA entrou em vigor, até novembro de 2024, quando o novo modelo foi introduzido.

Como era esperado, a iniciativa da Comissão Europeia teve uma enorme repercussão na mídia. As companhias reagiram com intensidade, afirmando que a Comissão pretende obstaculizar a atuação das empresas americanas[6]. A Meta chegou a afirmar que as multas são, na verdade, uma tarifa que a Comissão Europeia estaria aplicando às empresas americanas[7].

Outro ponto que tem sido muito discutido é o valor das multas, consideradas baixas por muitos especialistas, já que muito inferiores ao teto de 10% do faturamento anual global de cada empresa e também inferiores a outras sanções já aplicadas. Não é sem razão que a imprensa vem especulando que tais valores foram pensados para não agravar as já existentes tensões com o presidente Trump[8][9].

De toda sorte, é forçoso concordar que, em um caso como esse, o valor da multa não é o aspecto mais relevante. Além das sinalizações do regulador e do abalo reputacional das empresas apenadas, a Comissão Europeia exigiu delas uma série de obrigações que assegurem a interrupção das condutas e a inexistência de reiteração, assim como estabeleceu um diálogo com a Meta na busca da construção de um modelo compatível com o DMA.

Tais pontos reforçam a importância tanto de uma regulação ex ante – uma vez que o controle ex post inerente ao Direito Antitruste poderia enfrentar grandes obstáculos para soluções com a mesma eficácia – assim como de uma autoridade ágil e eficiente, que possa exigir das empresas o rápido cumprimento de suas obrigações.


[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/04/projeto-do-governo-que-aumenta-poder-antitruste-contra-big-techs-esta-pronto-para-ser-enviado-a-camara.shtml

[2] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/plataformas-digitais-e-impactos-concorrenciais

[3] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/por-que-uma-regulacao-como-o-digital-markets-act

[4] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/por-que-o-antitruste-nao-consegue-resolver-o-problema-dos-gatekeepers

[5] https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_25_1085

 

[6] https://www.bbc.com/news/articles/cm248vzg9jwo

[7] https://www.politico.eu/article/meta-labels-eu-digital-fines-a-tariff-on-american-firms/

[8] https://www.bbc.com/news/articles/cm248vzg9jwo

[9] https://www.techpolicy.press/understanding-the-apple-and-meta-noncompliance-decisions-under-the-digital-markets-act/

Adicionar aos favoritos o Link permanente.