Um projeto inacabado que custa caro ao Brasil

O Brasil está repleto de obras públicas inacabadas: hospitais que nunca abriram as portas, escolas que ficaram no alicerce, viadutos que não levam a lugar algum. Elas representam o retrato do desperdício, da ineficiência e da negligência com o interesse coletivo. Mas há um outro tipo de obra inacabada que também custa caro ao país — embora não esteja à vista no concreto ou no asfalto: trata-se da advocacia pública, uma instituição prevista pela Constituição de 1988, mas jamais plenamente estruturada.

Designada como função essencial à Justiça, a advocacia pública tem a responsabilidade de defender os interesses jurídicos do Estado e zelar pela legalidade dos atos administrativos. No entanto, diferentemente de outras instituições como o Ministério Público e a Defensoria Pública, ainda não possui as garantias de autonomia administrativa, orçamentária e financeira indispensáveis para exercer suas funções com plena independência.

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Essa omissão constitucional tem consequências práticas. Em um Estado que enfrenta altos índices de judicialização e desafios crônicos de ineficiência, é paradoxal manter seu órgão jurídico submetido à dependência política e à escassez de recursos próprios. A advocacia pública, que deveria atuar como âncora de legalidade e racionalidade da ação estatal, muitas vezes opera de forma reativa, sem condições de exercer seu papel estratégico na prevenção de litígios e no aconselhamento técnico isento.

Enquanto não se completa essa construção constitucional, o Estado perde em múltiplas frentes: em segurança jurídica, em qualidade na tomada de decisões e em controle interno de legalidade. Sem autonomia, a advocacia pública torna-se vulnerável a interferências e com dificuldades para enfrentar os desafios da contemporaneidade da defesa contundente do interesse público.

É nesse contexto que ganha relevância a PEC 17/2024. Apresentada em maio do ano passado e subscrita por quase 200 deputados, a PEC visa incluir o artigo 132-A na Constituição Federal, garantindo autonomia administrativa, técnica e orçamentária às Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e à Advocacia-Geral da União (AGU).

Vale destacar que o modelo de autonomia proposto pela PEC 17/2024 não é uma inovação radical, tampouco um privilégio. Trata-se de um padrão já adotado por outras instituições estratégicas do Estado brasileiro. A Defensoria Pública e o Ministério Público, ambas funções essenciais à Justiça, contam com autonomia para cumprir suas missões com imparcialidade e eficiência.

Mais recentemente, a Emenda Constitucional da reforma tributária conferiu autonomia ao Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Se o Estado entende que essas estruturas devem atuar sem amarras políticas ou orçamentárias, não há justificativa razoável para negar o mesmo tratamento à advocacia pública, que cumpre papel igualmente estratégico na governança pública e no controle da legalidade.

Com o objetivo de sensibilizar o Congresso e mobilizar a sociedade, em conjunto com outras entidades nacionais, a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (ANAPE) promove, no próximo dia 7 de maio, o Movimento Nacional pela Valorização da Advocacia Pública. Sob o lema “Advocacia Pública e Constituição: um projeto inacabado”, o evento reunirá procuradores de todo o Brasil para reivindicar a aprovação da PEC 17/2024 e fortalecer a luta por uma Advocacia de Estado forte, técnica e independente.

Essa mobilização não é uma bandeira corporativa: trata-se de uma causa pública. Uma advocacia pública autônoma contribui decisivamente para a eficiência do Estado. Com liberdade para estruturar seus quadros, planejar sua atuação e aplicar seus recursos, as Procuradorias têm melhores condições de orientar corretamente os gestores, prevenir litígios, buscar soluções negociadas e evitar perdas bilionárias aos cofres públicos.

Concluir o projeto constitucional da advocacia pública é um imperativo para quem deseja um Estado mais eficiente, justo e racional. A PEC 17/2024 representa a oportunidade concreta de transformar a promessa de 1988 em realidade. Mais do que uma reforma institucional, trata-se de entregar ao país uma advocacia pública à altura dos desafios de um Brasil que precisa — urgentemente — funcionar melhor.

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