A cooperação entre administrações tributárias no Brasil não é uma ideia nova. Está prevista desde 1966, na redação original do Código Tributário Nacional, e foi reiterada por diversas iniciativas ao longo das décadas. Mas é apenas agora, com a promulgação da Reforma Tributária, por meio da Emenda Constitucional 132/2023 e da Lei Complementar 214/2025, que essa cooperação ganha estrutura, abrangência e profundidade inéditas, abrindo caminho para uma verdadeira transformação no sistema tributário nacional.
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Historicamente, os convênios entre União, Estados e Municípios permitiram avanços importantes. O Convênio SINIEF, de 1970, estabeleceu a padronização de documentos e livros fiscais. Em 2007, a criação do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) marcou um salto qualitativo na digitalização e integração das administrações fiscais nas três esferas. Mais recentemente, em 2022, a padronização da Nota Fiscal de Serviço eletrônica (NFS-e) representou um novo passo rumo à uniformização nacional.
Agora, com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), surge um novo paradigma: impostos com regras quase idênticas, mas de competências distintas — o IBS, compartilhado por Estados e Municípios; e a CBS, de competência federal. Essa configuração exige, mais do que nunca, uma atuação coordenada entre a Receita Federal e o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), formado por representantes estaduais e municipais.
Essa integração, no entanto, não deve se limitar ao compartilhamento de dados. O que está em jogo é a adoção de uma verdadeira mentalidade de cooperação, orientada por princípios constitucionais como eficiência, racionalidade e desenvolvimento econômico. Significa alinhar processos, sistemas e estruturas, mas também construir uma nova relação com os contribuintes — especialmente com os empreendedores, que são os que mais sentem o peso da complexidade atual.
Nesse cenário, a administração tributária deixa de ser apenas fiscalizadora e passa a ser também parceira do desenvolvimento. Ao facilitar o cumprimento voluntário das obrigações fiscais, orientar de forma célere e clara, e investir em programas efetivos de compliance, os Fiscos podem ajudar a criar um ambiente mais favorável aos negócios. Com isso, é possível reduzir não apenas o custo da máquina pública, mas também o volume de litígios, por meio de formas inovadoras de prevenção e resolução de conflitos.
A Constituição agora impõe — e a realidade exige — que os Fiscos não apenas atuem de forma coordenada, mas pensem e decidam juntos. A Reforma Tributária oferece a chance de estruturar normas, processos de trabalho e sistemas de informação de forma unificada, com ganhos concretos para o Estado e para o contribuinte. Essa nova lógica já começa a se espalhar, alcançando contadores, profissionais de tecnologia, instituições financeiras (como no caso do split payment) e, inevitavelmente, todos os setores econômicos.
A integração já se iniciou por meio do desenvolvimento conjunto dos sistemas de informação. Os sistemas legados, os sistemas atuais para o ICMS, ISS, PIS e Cofins não servem para o IBS e CBS, e não serão utilizados para a implementação da reforma tributária.
Para o modelo operacional do IBS e da CBS, as administrações tributárias iniciaram em conjunto o desenvolvimento de soluções desde seus módulos básicos. Esse modelo é diferente do conceito do Sped, criado como um “barramento” ou uma estrutura que pretendia primeiro integrar os diferentes sistemas das administrações tributárias, unificando layouts de documentos fiscais eletrônicos e criando obrigações acessórias de padrão nacional que substituíssem as diversas obrigações acessórias de cada Fisco. No entanto, as dificuldades de integração dos produtos do Sped com os diversos sistemas municipais, estaduais e federal fez com que o Sped não entregasse todo o prometido.
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Com a reforma tributária, os Estados, DF e Municípios constroem um novo sistema para gestão do IBS e a Receita Federal um novo sistema para gestão da CBS, e ambos deverão ser integrados em painel único para o contribuinte.
Estamos diante de uma oportunidade histórica. O sucesso da reforma dependerá não apenas das novas regras instituídas, mas da capacidade de suas administrações tributárias de atuarem com visão compartilhada, agilidade e espírito público. Um novo sistema tributário requer, necessariamente, uma nova administração tributária: mais integrada, mais eficiente e mais comprometida com o desenvolvimento do país.