Em sua primeira entrevista desde que se tornou CEO da Pearson no Brasil no início de abril, Cinthia Nespoli defende o lifelong learning proposto pela empresa de educação também para os líderes. “Tem que ter um investimento pessoal em sair da zona de conforto. É sempre mais difícil se envolver em coisas para as quais você não foi treinado para dominar”, diz. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, com pós-graduação em Direito Tributário pela PUC São Paulo, ela também acumula o novo cargo com algo mais próximo da zona de conforto dos advogados, a responsabilidade de General Counsel Global da empresa. “Tem um pouco de preconceito infundado na ideia de que advogado só pode trabalhar dentro da sua área de expertise”.
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Nespoli é uma das participantes da C Law Experience, que será realizada em 9 e 10 de junho em São Paulo, onde compartilhará mais da sua trajetória e visões sobre liderança jurídica. O JOTA é um dos parceiros do evento. Veja mais informações e garanta o seu ingresso para o evento que conecta C-levels e heads jurídicos.
Confira a entrevista completa com Cinthia Nespoli, CEO da Pearson no Brasil
Como tem sido a transição para ser também CEO da Pearson no Brasil, além de General Counsel global?
Estou na Pearson há 12 anos. Cuido de toda a parte do jurídico, de compliance, de relações governamentais e sustentabilidade da Pearson globalmente. E, nos mercados em que a gente tem o crescimento mais focado, temos a figura do CEO. Fui apontada como a do Brasil. A prioridade é primeiro elevar o perfil da Pearson Brasil e criar uma oportunidade de crescer os nossos negócios aqui. Como uma empresa de educação, num momento de tantas inovações tecnológicas, a gente tem um papel importante. Então essa posição foi criada para que se pudesse efetivamente ter um foco maior no Brasil, que é uma das áreas de aposta de crescimento da Pearson.
Quais são as principais semelhanças e diferenças desses dois chapéus que a senhora tem?
Tem um pouco de preconceito infundado na ideia de que advogado só pode trabalhar dentro da sua área de expertise. Eu sempre acreditei muito que o Direito prepara as pessoas de forma ampla para exercer uma série de funções. Várias pessoas me perguntam muito sobre a carreira, pessoas que têm filhos em idade de escolher que faculdade vão seguir, e sempre vem essa pergunta, porque Direito é um curso popular. E uma das coisas que eu sempre falo é que eu acho que o Direito prepara você para uma série de diferentes carreiras, para pensar de uma forma interpretativa, de uma forma crítica, assim como uma série de outras profissões. Então, ainda que depois você não escolha um encarreiramento tipicamente jurídico, o Direito cria uma base muito robusta para seguir adiante.
Então eu acho que esse papel de CEO é um exemplo disso. É uma oportunidade que eu, conhecendo a companhia, estou tendo de ter um papel que é muito mais comercial e que tem um foco completamente diferente do que seria um foco de advogado. O Direito proporciona muito. Tanto que eu acho que foi com certeza por isso que eu fui acumulando essas outras funções que não são funções de Direito. As pessoas tendem a olhar para o advogado e a dizer “essa pessoa está em relações governamentais porque existe um risco regulatório” ou porque você tem que entender das leis e na verdade não é isso. Esses papeis que eu assumi aqui na Pearson antes dessa posição de CEO foram oportunidades criadas para eu poder fazer outras coisas. A regulação é só uma parte do trabalho.
Eu tive a oportunidade de liderar, não só sob a ótica regulatória, mas também do que a gente vai fazer, qual que vai ser a agenda da Pearson, no sentido de contar a nossa história, dando suporte às comunidades que a gente serve. Como é que é contar a nossa história e posicionar a companhia perante os governos. E agora como é que é fazer a companhia crescer aqui no Brasil, que é meu coração, minha alma, meu tudo.
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E às vezes as pessoas ficam muito presas no conceito de que o advogado é aquele que sabe resolver problemas, o advogado é aquele que conhece as leis, o advogado é aquele que conhece a jurisprudência e só.
Essa ausência de visão holística do que um advogado pode fazer é possivelmente um entrave à formação de lideranças que venham do jurídico?
Tem que ter um investimento pessoal em sair da zona de conforto, é sempre mais difícil se envolver em coisas para as quais você não foi treinado para dominar. Uma coisa que eu sempre digo para todo mundo do meu time, para todo mundo com quem eu trabalho, é que se você está dentro de um negócio, qualquer que seja a posição que você exerce, você tem que conhecer bem o negócio. Isso faz muita diferença. Você precisa entender como funciona a pedagogia do produto, qual é o comportamento de quem está usando o produto, o que essa pessoa quer, como você ajuda. Saber essas coisas consome tempo e exige proatividade. Você tem que estar disposto a dedicar seu tempo, a dedicar seus relacionamentos, a entender o negócio efetivamente.
Como a senhora procura fomentar esses comportamentos nas pessoas que trabalham na sua equipe?
A primeira coisa, a mais importante, é lembrar que todo mundo é gente. Eu sou a Cinthia que é CEO da Pearson Brasil, general counsel da Pearson, mas eu também sou Cinthia filha, eu também sou Cinthia esposa, eu também sou Cinthia mãe. A gente tem uma série de facetas na vida, e dentro dessas facetas a gente tem uma série de necessidades e aspirações. Então, quando eu penso no desenvolvimento das pessoas, ou no potencial, ou em como eu posso ajudar a pessoa a evoluir, ela vem de vários lados. Ela vem do time que te suporta, ela vem do seu chefe que te ajuda, ela vem de outros relacionamentos que você tem. Eu sempre procuro trabalhar primeiro com pessoas que gostam de trabalhar, que estão investidas no trabalho. E aí eu procuro entender o que aquela pessoa precisa. Porque o que a Cíntia precisa é diferente do que outra pessoa necessita, né? A gente fala muito de aprendizado personalizado, tem o encarreiramento personalizado também. Não é todo mundo que quer liderar pessoas. Tem pessoas que fazem um trabalho excelente contribuindo individualmente e preferem esse perfil.
Mas eu também tenho que ter opções para oferecer para o crescimento de determinada pessoa dentro do encarreiramento que ela escolheu, que não é o de liderar pessoas. Acredito muito nessa troca, de entender quais são as necessidades, aspirações e como a gente consegue fazer a pessoa se movimentar.
Agora, a pessoa também tem que saber o que ela quer, às vezes é a parte mais difícil. Eu lembro que eu tive uma conversa uma vez com um chefe, há muitos anos, e ele me perguntou o que eu queria fazer. Eu disse que não sabia. E ele disse “assim não vou conseguir te ajudar”. As decisões não são para sempre. A gente tem que se permitir um pouco acertar e errar. Às vezes você faz uma escolha achando que aquilo é o que você vai amar, e a hora que você chega lá percebe que não era bem aquilo. Então, você muda. Tem uma questão de resiliência, de flexibilidade, de autoconhecimento para cada um, que também tem um papel muito importante.
E a partir do seu papel global, o que a senhora traz de experiências e aprendizados para o Brasil?
Eu estou liderando times internacionais há muitos anos já. Além da parte jurídica, eu também tive a oportunidade de fazer a parte que a gente chamava de corporate affairs, que é a parte de comunicação, de relações governamentais sob outro ângulo. Naquela época não estava embaixo do jurídico. E dentro disso tem uma questão importante que é respeitar as diferenças. Quem me promoveu para essa função internacional foi um norueguês, um filho de diplomata, uma pessoa super cidadã do mundo, e ele me recomendou um livro chamado “The Culture Map”, porque ele queria que eu entendesse que as pessoas são diferentes do ponto de vista cultural e recebem as informações de maneira diferente. Tem algumas coisas que a gente acha que são óbvias, mas não são.
Eu morei em Nova Iorque por dois anos, e um colega que se sentava na minha frente dizia, “Cinthia, sabe o que acontece? Eu faço uma reunião com uma pessoa do Brasil e digo, ‘você já pensou em fazer desse outro jeito?’. Obviamente que na minha cabeça eu estava dizendo pra ela, você deveria fazer desse outro jeito. Mas o que a pessoa entendia? Ela entendia que ela podia falar pra mim que ela não ia fazer!” [risos]. Então foi entender que culturas diferentes entendem as mensagens de jeito diferente, se comportam de jeito diferente e, dentro das culturas, você tem as nuances pessoais de cada pessoa, o que exige flexibilidade. Enxergar culturas e pessoas me enriqueceu muito, criou humildade sobre nosso lugar no mundo. Somos muito menores em relação a tudo o que existe.
E, em questões práticas, a gente consegue trazer tecnologia, consegue trazer uma série de discussões, tirando o que acontece de melhor em cada país. A gente tem coisas que aqui no Brasil são muito boas, coisas que lá fora são muito boas. É uma combinação de riqueza, de gestão de pessoas, de melhores práticas, de troca muito rica, e até de desafios que são comuns.
Como a senhora enxerga que a tecnologia está mudando a educação? Como a Pearson pretende enfrentar isso?
A Pearson é uma empresa líder mundial no aprendizado ao longo da vida. Sabemos que o aprendizado tem vários momentos e tem várias oportunidades, seja no trabalho, seja enquanto a gente ainda está falando de momentos escolares, seja autoaprendizado. E a tecnologia está aqui para agregar nisso. Então, a nossa expectativa não é, por exemplo, que a tecnologia substitua um professor, mas que consigamos dar para o professor ferramentas para que ele possa fazer o trabalho dele de forma mais efetiva, com maior escala.
O alcance também é importante. Queremos que mais pessoas tenham acesso à educação, mais pessoas possam falar inglês. Existe uma oportunidade de usar a tecnologia para o bem do professor e do aluno, para mais qualidade e mais escala. Ensinar as pessoas a usar a tecnologia é um papel importante. Também temos, o “aprender a aprender”.
Qual o tipo de arcabouço regulatório ideal para atingir esses objetivos?
A primeira dificuldade é conseguir fazer com que o tempo do sistema regulatório acompanhe o da tecnologia, porque já tem uma série de ferramentas novas. A questão da privacidade de dados e como usar esses dados para personalizar a educação é muito importante, e somos muito focados nessa questão ética também no uso de inteligência artificial. Tem uma questão também que é a qualidade do que você recebe baseado no input da inteligência artificial, e sobre direitos autorais. As pessoas que geram conteúdo, não só a Pearson, querem ver esse conteúdo sendo respeitado. Além disso, a questão dos vieses. Tem uma série de questões críticas para esse ecossistema, cuja base é a ética e a confiança — confiança na qualidade do conteúdo, confiança em como as informações vão ser usadas. É uma parte crítica de como o ambiente regulatório deveria evoluir.