O ano de 2025 começou para muitos com a notícia do reajuste da tarifa do transporte público municipal. Foram sete as capitais – Belo Horizonte, Florianópolis, Natal, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo – onde ocorreu um aumento no valor pago de tarifa pelos usuários do serviço de ônibus, com o preço se aproximando de 5 reais (ou mais). Ao mesmo tempo que a tarifa subiu, também cresceram os subsídios pagos pelo Poder Público, nas cidades que realizam essa forma de custeio. Só em São Paulo, o valor das “compensações tarifárias” atingiu os 6,7 bilhões de reais em 2024, mais de metade do custo do serviço. Com o aumento em ambas as formas de financiamento do serviço em valores acima da inflação no período era de se esperar pelo menos uma melhoria da qualidade do serviço ou da demanda por ele. Contudo, essa não é a realidade na maior parte das cidades – e São Paulo serve de bom exemplo.
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De 2019 para cá, o subsídio pago pela prefeitura de São Paulo passou de 3 para 6,7 bilhões de reais, com o custo total do serviço crescendo de 8,7 para 11,4 bilhões de reais. O aumento inicial se deu por causa da Covid-19: com demanda consideravelmente inferior, era preciso incrementar o volume dos subsídios para permitir a estabilidade financeira dos contratos. Passada a pandemia, todavia, os contratos deveriam ter se equilibrado naturalmente e o valor do subsídio se estabilizado. Porém, esse não foi o cenário: o aporte estatal continuou crescendo para manter o valor da tarifa estável e, ainda assim, houve um reajuste tarifário em 2025. Mas, qual seria o motivo do aumento do valor pago pelo serviço?
Estudos mostram que, de 2013 a 2022, a cidade de São Paulo perdeu 30% dos usuários do seu serviço, mesmo com um crescimento populacional. No período, o valor da tarifa se manteve razoavelmente estável, em razão – principalmente – do já mencionado aumento no subsídio. Isso induz a constatação de que, mesmo com a diminuição do custo real do serviço, ele se mostra pouco atrativo para a população. Outras cidades, como o Rio de Janeiro, apresentam desafios similares. Esse vetor da mobilidade urbana, principalmente em tempos de transição energética, tem perdido espaço por problemas no seu modelo de negócio, falta de organização e desintegração entre os meios de transporte. Neste cenário, o que pode ser feito para incentivar o transporte coletivo urbano, que, além de ser menos poluente, é mais eficiente em termos de política urbana? O Projeto de Lei 3278/2021, do Senado Federal, busca trazer soluções novas para o setor e tentar revivê-lo da crise que atualmente vive.
Primeiramente, é muito importante diferenciar dois cenários muito distintos entre si: os Municípios que se utilizam de subsídios para custear o transporte público e os que não o fazem. Segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), são cerca de 365 cidades que possuem subsídio para o transporte por ônibus, das quais 18 capitais. No total, são 2.703 cidades que possuem serviço de transporte público por ônibus, sendo cerca de 13,5% das cidades que de alguma forma subsidiam o serviço. Dessas 365 cidades, 135 possuem iniciativa de tarifa zero relacionada ao subsídio (64% delas com menos de 50 mil habitantes), e, na média, essa forma de custeio ocupa 30% do custo do serviço. Esse tipo de pagamento ajuda a passar parte do custo do serviço, que seria alocada diretamente no usuário, para a coletividade, o que torna o serviço mais acessível e potencializa a sua utilização. Um sistema de transporte público bem pensado pode servir para reduzir desigualdades, inclusive quanto ao tempo de transporte de pessoas que vivem em regiões afastadas dos centros econômicos. O número de cidades que adotam tal política cresceu muito desde a pandemia, mas em muitos lugares o serviço ainda se mostra ineficiente e inacessível.
O PL 3278/21 foi apresentado pelo Senador Antonio Anastasia no dia 22/09/2021 e visava atualizar o Estatuto da Cidade e a Política Nacional da Mobilidade Urbana. O projeto acabou pegando tração e foi substancialmente alterado antes da sua aprovação no Senado Federal no dia 19/12/2024. Atualmente, está na Câmara dos Deputados. Hoje, ele apresenta um conjunto de medidas estruturais para aprimorar a prestação de serviços de transporte público urbano. No seu cerne está uma busca por modernizar o sistema e torná-lo economicamente viável. Entre os fatores propostos, merece destaque o equilíbrio de fontes de financiamento, bem como a transparência da governança dos contratos de concessão e novas modalidades de custear a atividade. Em termos institucionais, a inovação está na criação do Sistema de Financiamento da Mobilidade Urbana Sustentável, para instituir novas fontes de financiamento.
Ainda dentre as principais medidas, destaca-se a aplicação de alíquota específica sobre o valor da contribuição sobre a intervenção no domínio econômico incidente sobre a comercialização de combustíveis e lubrificantes (CIDE/Combustíveis), além da cobrança de taxa sobre áreas centrais de estacionamento e criação de um fundo de compensação gerido por Municípios e Estados. Também prevê, como incentivo à adoção de tarifas sociais e de tarifa zero, aportes adicionais de recursos federais.
O projeto define o regime dos bens reversíveis dentro dos contratos de concessão. Além de permitir a sua utilização como garantia em financiamentos para a operação da infraestrutura, estabelece prazo para o pagamento de eventuais indenizações pela sua não amortização. Nessa mesma linha está a possibilidade de serem desapropriadas ou constarem como bens reversíveis áreas de interesse público. Portanto, o novo modelo busca garantir previsibilidade e rentabilidade financeira aos sistemas de transporte público. Além disso, traz maior transparência à gestão desses serviços, através de auditorias periódicas e uso de indicadores de desempenho para avaliação das concessionárias. Isso dificulta eventuais desvios de subsídio e atende às obrigações de oferta pública de serviço quanto à qualidade e eficiência de gestão.
Outros elementos do projeto que merecem destaque são a modernização da frota, a priorização do transporte coletivo no espaço urbano e a renovação dos veículos a diesel para aqueles que utilizam eletricidade ou motores híbridos. Fora isso, as cidades que estabelecerem faixas exclusivas e infraestrutura integrada à mobilidade urbana ganharão prioridade ao acesso secundário das linhas de crédito e incentivos fiscais.
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Deste modo, o Projeto de Lei 3278/2021 tem o objetivo de reagir à crise do transporte público urbano no Brasil com um modelo sustentável e idealizado por uma ação coletiva eficiente e acessível à população. Ele permite a redução da dependência das tarifas pagas pelos usuários, bem como a garantia da sustentabilidade do financiamento, em vista da reabilitação e reconstrução da mobilidade urbana brasileira. A mudança legislativa é alvissareira, mas apenas o começo; é necessário que sejam pensadas e realizadas políticas públicas capazes de lidar com os desafios modernos das cidades.