O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu destaque nesta quarta-feira (9/4) e suspendeu o julgamento que analisava o referendo de medida cautelar do ministro Flávio Dino, que determinava que as concessionárias responsáveis pelos cemitérios de São Paulo (SP) deveriam manter o teto de valores para cobranças do serviço funerário com base na tabela de preços utilizada no período imediatamente anterior à concessão, com os devidos ajustes pela inflação (IPCA) do período.
Com isso, o julgamento da ADPF 1196, que ocorria em sessão virtual, será reiniciado em plenário físico, ainda sem data definida.
Até a interrupção, o placar estava em quatro votos contra o referendo da liminar de de Dino e em dois para manter as determinações impostas. Contra o referendo, votaram os ministros André Mendonça, que devolveu o voto-vista e inaugurou a divergência, acompanhada por Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Edson Fachin. Já a favor de referendar a liminar votou o ministro e relator Flávio Dino, acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Na liminar de março, Dino determinou uma série de medidas complementares a serem cumpridas pelo serviço de cemitérios e funerárias na capital paulista, como: ampliar acesso aos preços dos serviços, com especial destaque para a política de gratuidade; e divulgar canal de denúncias disponível 24 horas por dia para a população.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
O ministro também determinou que as empresas informassem o número atual de fiscais designados especificamente para a fiscalização dos serviços cemiteriais e funerários; e reajustassem as multas aplicáveis às concessionárias, garantindo que os valores fossem proporcionais à gravidade das infrações e suficientes para coibir práticas irregulares na prestação dos serviços funerários, cemiteriais e de cremação.
Dino afirma na decisão que qualquer desvio prestacional no serviço funerário, como a cobrança de preços abusivos, a baixa qualidade nas informações aos usuários e na execução dos serviços ou a falta de transparência na gestão, configura uma “grave violação ao ordenamento jurídico, comprometendo a finalidade pública e a dignidade dos cidadãos”. “A morte de um brasileiro não pode estar acompanhada de exploração comercial de índole aparentemente abusiva”, afirma.
Desse modo, avaliou que a política tarifária deve ser justa, clara e acessível, evitando que as concessionárias imponham valores excessivos ou estabeleçam barreiras econômicas que dificultem o acesso da população a esses serviços essenciais. Segundo o ministro, a ausência de uma regulação eficaz favorece práticas abusivas e pode resultar em indevida exploração financeira, comprometendo a função social desses serviços e violando os princípios de dignidade e equidade previstos na Constituição.
Por essa razão, considerou que a fiscalização rigorosa é “indispensável para coibir práticas predatórias que possam prejudicar os usuários”, sobretudo em um momento de extrema vulnerabilidade emocional, como a perda de um ente querido. Assim, concluiu que o município de São Paulo deveria garantir que sua agência reguladora dispusesse de estrutura material e recursos humanos adequados para o pleno desempenho de suas funções.
Os demais ministros do STF iriam analisar em plenário virtual entre os dias 14 a 21 de março a liminar de Dino. O ministro André Mendonça, no entanto, pediu vista e suspendeu o julgamento, retomado posteriormente na última sexta-feira (4/4).
Divergência de Mendonça
Na última terça-feira (8/4), o ministro André Mendonça devolveu o voto-vista se manifestando de maneira contrária à modulação dos efeitos da liminar de Dino, sob o argumento de que há outros meios processuais capazes de prover tutela jurídica adequada aos direitos fundamentais em disputa.
Além disso, Mendonça considerou que não pode perder de vista que o mesmo tema já foi objeto de análise, em sede de controle concentrado, pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP), o que aponta para o não cabimento da ADPF nos casos em que verificada a existência de ação de controle concentrado no âmbito estadual.
Segundo o ministro, com a admissão de que a ADPF tem por escopo o combate às práticas abusivas, demandaria “incabível atividade de instrução probatória, sobretudo quando controvertidas e contraditadas as informações de fato apresentadas aos autos pelas partes envolvidas na contenda”.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
De acordo com Mendonça, conforme ilustrado pelo estudo do Núcleo de Processos Estruturais Complexos (Nupec) da Corte, há consenso quanto ao “comportamento” dos preços, os quais, em todos os cenários analisados, “apresentavam uma trajetória ascendente no período pré-concessão, sendo que no período pós-concessão essa trajetória se tornou levemente decrescente”.
Mendonça também apontou em seu voto a ausência de elementos capazes de atestar, com segurança, os efeitos provocados pela concessão dos serviços funerários e cemiteriais na cidade de São Paulo. Para o ministro, até mesmo as alegações apresentadas dão conta de que as situações de abuso estariam ocorrendo a “despeito da higidez dos atos normativos disciplinadores da matéria, tratando-se de situação eminentemente fática”.
“À luz de tais elementos é que se afirma que não há como determinar, com segurança, qual o cenário afigura-se menos prejudicial ao usuário: se aquele verificado antes ou após a concessão dos serviços funerários e cemiteriais à iniciativa privada. O que, por sua vez, afasta a configuração do periculum in mora aventado”, disse o ministro.
Entenda o caso concreto
A ação foi ajuizada em novembro pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para contestar a concessão da gestão de cemitérios e crematórios municipais de São Paulo à iniciativa privada. Na ADPF 1.196, o partido argumenta que a privatização resultou em aumentos abusivos dos preços dos serviços funerários.
O PCdoB pede a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei 17.180/2019, e do artigo 9, inciso VI, da Lei 16.703/2017, que disciplinam as concessões de cemitérios e crematórios públicos no âmbito do Plano Municipal de Desestatização (PMD). A legenda sustenta que a Lei Orgânica do Município de São Paulo define a gestão do serviços funerários e cemiteriais como “típicos serviços municipais”. Leia a íntegra da petição inicial.
Para o partido, as normas violam o direito à dignidade humana ao permitir a exploração comercial de pessoas em momentos de fragilidade emocional. Assim, o PCdoB solicitou liminar para suspender a eficácia dos dispositivos e as manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Prefeitura de São Paulo sobre os serviços prestados pelas quatro empresas que administram os cemitérios: Consolare, Cortel SP, Grupo Maya e Velar SP.
Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!
Ainda em novembro do ano passado, vereadores da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) defenderam a extinção dos contratos de concessão, após uma série de relatos de preços abusivos e negligência nos serviços funerários. Foram convocados pela CMSP, o diretor-presidente da SP Regula, João Manoel da Costa Neto, e representantes de duas empresas para se explicarem sobre as denúncias.
Em 2023, 22 cemitérios e um crematório de São Paulo passaram a ser geridos por essas quatro empresas. As concessões durarão 25 anos e os serviços devem ser fiscalizados pela SP Regula.
Segundo um levantamento do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), os preços para a realização de funerais chegaram a triplicar em metade dos cemitérios paulistas após a concessão. Antes da privatização, o custo total de um pacote de para enterro de uma pessoa era de R$ 428,04, na categoria popular; R$ 863, na padrão e R$ 1.507,32, na luxo. Após a concessão, os valores passaram para R$ 1.494,14; R$ 3.408,05; e R$ 5.737,25, respectivamente.