STF começa a julgar lei que estabeleceu rol da ANS como exemplificativo e não taxativo

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa nesta na quinta-feira (10/4) o julgamento sobre a validade da Lei 14.454/2022 que definiu que o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deve ser uma referência e não lista fechada. A lei foi uma resposta do Congresso Nacional ao julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que definiu que o rol era, em regra, taxativo e não exemplificativo.

Conforme o JOTA apurou, as operadoras de planos de saúde terão um longo caminho a percorrer dentro do Supremo para conseguir a inconstitucionalidade da lei que derrubou o rol taxativo da ANS. Afinal, tanto a Procuradoria-Geral da República (PGR), quanto a Advocacia-Geral da União (AGU), as advocacias da Câmara e do Senado e o Ministério da Saúde, enviaram pareceres a favor da manutenção da lei. A PGR apenas pondera que é preciso assegurar a segurança do tratamento a ser disponibilizado.

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A própria autora da ação, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), está ciente deste percurso, tanto que já apresentou uma proposta intermediária na petição inicial, com critérios para a eventual manutenção do rol exemplificativo.

No cenário atual, segundo interlocutores consultados pelo JOTA, o relator da matéria, Luís Roberto Barroso, está tendendo a manter o texto da lei, em deferência à escolha legislativa. O ministro tem reforçado que, em regra geral, o STF tem mantido as decisões de outros Poderes. Bastidores do tribunal não descartam uma solução intermediária, mantendo a lei, mas estabelecendo critérios além dos previstos na norma contestada. Mas as conversas ainda são preliminares.

Barroso entende a sensibilidade da discussão – de um lado, o direito dos beneficiários receberem o tratamento que o médico entende como adequado e a opção do legislador em matéria de saúde; e do outro, a imprevisibilidade vivida pelas operadoras em custear procedimentos não previstos na lista regulatória e os riscos de crescimento da judicialização.

Por isso, o ministro optou por usar o método de dividir o julgamento em dois momentos – ele tem usado essa estratégia em temas que considera mais sensíveis e que demandam mais tempo para debate e reflexão. Assim, no dia 10 de abril haverá a leitura do relatório e as sustentações orais. Em outra data, o julgamento do mérito será agendado – o assunto está entre as prioridades de julgamento ainda em sua presidência, que termina em setembro. No entanto, ainda não existe uma data definida para o segundo momento.

Dessa forma, neste caso, as sustentações orais poderão trazer o termômetro da discussão, o que deve ajudar os ministros em sua posição.

As empresas devem aproveitar a sustentação oral para convencer o relator e os demais ministros da invalidade da lei aprovada poucos meses depois do STJ decidir que o rol era taxativo e não exemplificativo, em junho de 2022. As operadoras devem trazer para o plenário argumentos de que a lei dá poder excessivo ao médico em detrimento ao órgão regulador. Devem defender que o rol é dinâmico e a agência reguladora balanceia ciência, custo e benefício. Também devem mostrar que o equilíbrio financeiro das empresas fica prejudicado com a imprevisibilidade de um rol exemplificativo.

Devem solicitar de forma subsidiária que o plano só custeie o procedimento fora do rol sob condições específicas como protocolo prévio para inclusão do procedimento na lista da ANS, demora da agência e inexistência de substituto incluído no rol da ANS.

“Não se pode estabelecer para a iniciativa privada critérios diversos, mais elásticos, ou exigir das operadoras de planos privados de assistência à saúde mais do que se impõe ao próprio Estado”, escreveu a Unidas na petição apresentada ao STF.

Glauce Carvalhal, diretora jurídica da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) – que tem federações de plano de saúde associadas – explica que o rol está cada dia mais dinâmico e passa por alterações a cada 6 meses, por isso, o melhor é manter o rol da ANS. “A discussão não é se o rol é taxativo ou exemplificativo, mas sim que ele é um processo dinâmico que se atualiza a cada 6 meses”, defende.

“Qual a grande crítica à Lei 14.454? É que ela dá um poder excessivo ao médico, sem que tenha certezas e evidências científicas. A questão não é proteger o mercado. A questão é esse paciente ter a cobertura dada por um único médico, sendo que o procedimento não existe em na agência técnica, que tem procedimentos e olha o custo benefício daquele tratamento”, acrescentou Carvalhal.

As entidades de defesa de pacientes e de consumidores também terão voz em proteção aos benefícios da lei e vão demonstrar que, mesmo após a edição da lei, os planos de saúde ainda continuam negando tratamentos e procedimentos, em prejuízo à saúde dos segurados. Vão trazer também a importância do uso de novas tecnologias para os tratamentos e que a inclusão de novos procedimentos são lentos dentro da ANS.

O diretor-executivo do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Igor Britto, defendeu a permanência da lei. Segundo ele, a aprovação do rol exemplificativo foi “um raro momento” em que o Congresso Nacional aprovou uma norma que protege os consumidores. A expectativa do instituto é que a norma seja mantida. Para o Idec, diferentemente do que argumentam os autores da ADI, uma eventual modulação é que poderia aumentar a judicialização. Segundo Britto, 80% das pessoas que solicitam um procedimento médico têm o pedido atendido na Justiça. “Isso mostra que é um tratamento ao qual elas têm direito.”

O diretor também argumenta que, por mais eficiente e rápida que possa ser a atualização do rol pela agência reguladora, ela sempre será em uma velocidade menor que a necessidade das pessoas.

Nos autos, a ANS defendeu a importância do órgão regulador para definir a abrangência dos tratamentos. Para a agência, o melhor é que seja feito um “ajuste interpretativo” sem admitir a possibilidade de cobertura em saúde sem prévia análise do órgão técnico, ressalvadas, hipóteses excepcionais.

A agência ponderou que definição de coberturas do plano de saúde à revelia do órgão regulador deve trazer mais judicialização e problemas econômicos às empresas, o que pode gerar inviabilidade das empresas menores – concentrando ainda mais o setor – e pode impactar nos reajustes e preços dos planos de saúde no Brasil.

A ANS sugere que o STF adote uma solução parecida com a encontrada nos temas 6 e 1234, que tratou sobre judicialização dos remédios de alto custo no Brasil. Por esses julgados, em regra, o Estado não deve oferecer por decisão judicial medicamentos que não constam na lista SUS, independentemente do custo. No entanto, possibilita exceções, desde que o paciente atenda a critérios como, por exemplo, a comprovação de evidências científicas sobre a eficácia do medicamento, a negativa administrativa e a inexistência de tratamento alternativo no SUS.

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