A sensibilidade de Luiz Fux

Durante o julgamento que transformou em réus os acusados de comandarem a tentativa de golpe de Estado em 2022, o ministro Luiz Fux afirmou que “justiça não é algo que se aprende, é algo que se sente” e recordou ensinamentos antigos segundo os quais “os juízes devem ser homens sensíveis, saber o direito, se possível”.

O ministro também declarou que pretende abrandar a pena da chamada “ré do batom”, votou pela submissão do caso ao plenário do STF e mostrou-se surpreso com as “nove delações” de Mauro Cid, o que pode ser interpretado pelas defesas como indício de uma postura menos rígida.

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Algumas de suas preocupações são fundamentadas. Há espaço para juristas divergirem sobre se o caso deve ou não tramitar no plenário do STF. Pode-se divergir sobre a legitimidade de uma decisão proferida por todos os ministros ou sobre se, estrategicamente, um julgamento no plenário oferece mais oportunidades de retardar o desfecho. A linha divisória entre a mera cogitação de crime e a execução de uma tentativa pode ser relevante para alguns réus, especialmente dos núcleos que ainda serão julgados.

Entretanto, os sinais que o ministro emitiu nesta fase da ação — em que tais considerações não eram estritamente necessárias — parecem destoar de sua trajetória de decisões em questões penais no STF.

Luiz Fux, que ingressou na corte em 2011, participou ativamente do julgamento do Mensalão e adotou uma linha rigorosa, na maior parte dos casos votando pela condenação dos réus principais.

Em seu voto quanto à acusação de formação de quadrilha, Fux sustentou que mesmo núcleos originalmente lícitos (como um partido político ou uma agência de publicidade) podem, por certo período, se associar para práticas criminosas de modo estável. Assim, não seria necessário que a finalidade exclusiva do grupo fosse delinquir para configurar o delito de quadrilha.

Além disso, invocou conceitos como a “teoria do domínio do fato” e a “cegueira deliberada” para afastar alegações de desconhecimento dos fatos por parte dos dirigentes.

Nos desdobramentos penais da Operação Lava Jato (2014-2021), Fux manteve uma linha de forte rigor punitivo, com frequência alinhado à chamada “ala lavajatista” do STF. Sua atuação abrangeu votos em matérias-chave de direito processual penal, decisões monocráticas e posições administrativas que, em conjunto, revelam tendência a endurecer o tratamento dado aos réus. Fux foi defensor da possibilidade de começar a cumprir pena após condenação em segunda instância (antes do trânsito em julgado, interpretando de forma diversa o texto constitucional).

Em setembro de 2020, já na presidência do tribunal, Luiz Fux propôs e conseguiu aprovar uma mudança regimental para que as ações penais de autoridades com foro fossem julgadas pelo plenário, em vez das turmas (como vigorava desde 2014). Muitos viram essa alteração como uma vitória da ala “lavajatista”, reforçando a feição punitivista do STF em matéria penal.

Em outra decisão marcante, Fux restringiu a aplicação do princípio in dubio pro reo no STF. Em setembro de 2021, diante do risco de empates em julgamentos criminais (por conta de uma vaga aberta na corte), Fux entendeu que o empate não acarretaria necessariamente a absolvição do réu em ações penais ou recursos — diferentemente do que ocorre em habeas corpus.

Com as revelações da chamada Vaza Jato — vazamento de conversas privadas entre procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, obtidas pelo hacker Walter Delgatti Neto em 2019 —, surgiram alegações de nulidade processual em razão de supostas condutas indevidas da acusação e do juízo em Curitiba. A posição de Fux sobre esse tema foi caracterizada pela relutância em acolher seu uso jurídico em benefício de réus, por se tratar de prova ilícita.

Comparar conjecturas iniciais no recebimento de denúncia com votos de mérito em ações penais é um exercício especulativo. Os elementos probatórios serão integralmente disponibilizados e escrutinizados pelas defesas agora. Somente depois do devido processo legal, com ampla defesa, os ministros votarão com plena convicção. Nesta toada, empatia e sensibilidade, valores altamente positivos, devem ser sempre louvados.

Entretanto, os ministros decidirão sobre como devemos lidar com quem propõe suprimir nossos mais elementares direitos fundamentais. Atentar contra a ordem democrática é um dos crimes mais graves de nosso sistema jurídico e, como bem frisaram Cármen Lúcia e Flávio Dino, ditaduras matam e muito.

Em A sociedade aberta e seus inimigos, Karl Popper desenvolve um conjunto de ideias que ficou conhecido como o paradoxo da tolerância. Em síntese argumenta que, se uma sociedade é ilimitadamente tolerante com discursos e atos intolerantes, corre o risco de ver a própria tolerância ser destruída. Atenuar o constante rigor quando intolerantes radicais sentam no banco dos réus por atentar contra a democracia pode caracterizar muitas coisas, menos sensibilidade.

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