Os argumentos dos ministros do STF para tornar Bolsonaro réu por tentativa de golpe

Embora a abertura da ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados tenha sido aceita por unanimidade de votos entre os cinco integrantes da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros indicaram suas posições, desconfortos e reflexões sobre o tema e o que deve permear os debates quando do julgamento da ação penal. A sessão desta quarta-feira (26/3) deixou claro, por exemplo, que os ministros Luiz Fux e Cristiano Zanin têm preocupação com a dosimetria das penas para os golpistas e que existe entendimento distinto entre Fux e o ministro Flávio Dino sobre os crimes imputados.

O relator, ministro Alexandre de Moraes, não deixou dúvidas de que não vai baixar o tom contra os golpistas. “É bom lembrar que tivemos uma tentativa de golpe de estado violentíssimo”. Aproveitou o voto para passar um vídeo com imagens da destruição causada pelo 8 de janeiro nos prédios da Praça dos Três Poderes, em uma tentativa de desconstruir a narrativa de que os participantes da trama golpista – tanto as lideranças, quanto os participantes dos atos de 8 de janeiro – estavam articulados dentro de um mesmo plano. A estratégia foi criticada pelas defesas dos réus que acharam a estratégia apelativa.

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Moraes concordou com a denúncia do Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, ao apontar que Bolsonaro estava na liderança da trama golpista, seja ao usar a máquina pública para descredibilizar as instituições brasileiras – como ocorreu com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e urnas eletrônicas – , seja no conhecimento das minutas golpistas ou quando o ex-presidente assumiu a função de insuflar simpatizantes a continuarem acampados nas portas de quartéis. “Não há nenhuma dúvida que o denunciado Jair Messias Bolsonaro conhecia, manuseava e discutiu a minuta do golpe”, afirmou Moraes.

“O denunciado Jair Bolsonaro condenou os integrantes do governo federal por atuarem de modo ilícito na construção de uma narrativa que visava atacar sistema eleitoral de vários documentos”, complementou.

Durante a leitura do voto, o relator tentou amarrar cada participante desse primeiro núcleo ao seu papel no plano para articular um golpe de estado que inviabilizasse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o Palácio do Planalto em janeiro de 2023. Como, por exemplo, quando cada membro do governo teve uma função na tentativa de endossar a fraude no sistema eletrônico de votação. A investigação encontrou, por exemplo, anotações do general Augusto Heleno, na época, chefe do gabinete de relações institucionais, no sentido de endossar a narrativa de fraude no sistema eletrônico de votação. O mesmo foi feito pelo ministro da defesa Paulo Nogueira e o diretor da Abin, Alexandre Ramagem.

Proporcionalidade das penas

Moraes também tentou desconstruir a tese que circula entre bolsonaristas de que as penas aplicadas no 8 de janeiro são desproporcionais. “Não houve um domingo no parque. Não foi um passeio no parque. Ninguém, absolutamente ninguém que lá estava, não estava passeando. Até porque tudo estava bloqueado e tinha necessidade de romper barreiras policiais”, disse. “ Não eram pessoas que estavam passeando e foram passar um batonzinho na estátua”, acrescentou, em referência ao julgamento interrompido no plenário virtual pelo ministro Luiz Fux sobre uma mulher que participou dos atos de 8 de janeiro e pichou a estátua da Justiça com batom.

As declarações dos ministros Luiz Fux e Cristiano Zanin demonstram certo desconforto com a dosimetria das penas aplicadas pelo ministro Alexandre de Moraes nos atos de 8 de janeiro. Durante a votação, Fux chegou a justificar para Moraes o pedido de vista no julgamento de uma mulher que invadiu os prédios públicos e pichou a estátua da Justiça com batom. “Eu vou fazer uma revisão da dosimetria”, afirmou.

O ministro Luiz Fux informou que receberia a denúncia para aprofundar as questões quanto à autoria e materialidade dos atos golpistas. Na avaliação de Fux, por exemplo, o atentado ao estado democrático de Direito e o golpe de Estado são o mesmo crime e não crimes diferentes – ao contrário do que defenderam, por exemplo, o relator e o ministro Flávio Dino, que acreditam que se tratam de dois crimes distintos e as penas devem ser somadas.

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A ministra Cármen Lúcia e o ministro Flávio Dino se mostraram mais alinhados com Moraes e com a ideia de um crime que começou em 2021 e se perpetua até o 8 de janeiro, conforme traz a denúncia da PGR. Em sua fala, Dino disse que “golpe de Estado é coisa séria” e que “pouco importa se a pessoa tinha ou não uma arma de fogo. O que importa era que o grupo era armado e portava armas de fogo e armas brancas”, disse.

 

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Sobre as críticas às penas impostas pelo STF aos participantes do 8 de janeiro, Dino disse que “quem define os trilhos da proporcionalidade da pena não é o Poder Judiciário. É o Poder Legislativo”.

A ministra Cármen Lúcia abriu sua fala citando um livro e com reflexões de que o golpe não se faz em dia e não dura uma semana, nem um mês. A magistrada usou o termo “quebra-quebra” para se referir à depredação dos prédios da Praça dos Três Poderes e reforçou que Bolsonaro e seus aliados deixaram a máquina funcionando para desacreditar as instituições brasileiras. “Nós ministros somos nuvens passageiras, o Supremo é do Brasil”, disse.

Na avaliação da ministra, “alguém planejou, alguém entrou, alguém executou [referindo-se ao golpe]”, por isso, quem praticou as ações deve pagar pelo crime cometido. Dessa forma, na avaliação de Cármen, seria “prematuro” não receber a denúncia. “O compromisso é de receber a denúncia para que o país, sociedade brasileira, saiba que o STF vai dar sequência para apuração e instrução do processo para o julgamento justo e democrático”, afirmou.

O ministro Cristiano Zanin foi mais sucinto e reforçou que “neste momento” considera que há materialidade e indício de autoria para ensejar o recebimento da denúncia.

Com a decisão, tornaram-se réus Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto.

Os 8 réus são acusados dos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

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