Retaliação, reciprocidade ou vingança: sobre priorizar diálogo e consistência

As recentes tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre o aço e o alumínio brasileiros reacenderam o debate sobre a adoção de medidas de reciprocidade tarifária por parte do Brasil. Em resposta a essas e outras restrições comerciais unilaterais, o Senado avança na discussão do PL 2088/2023, que prevê a aplicação de sanções a países que imponham barreiras ambientais ou comerciais injustificadas.

Patriotismo visceral à parte, contudo, a adoção dessas medidas exige cautela e um planejamento estratégico consistente para evitar impactos negativos para a economia brasileira. A retaliação comercial não é uma iniciativa inédita no Brasil.

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O país já utilizou mecanismos semelhantes no passado, como no caso do contencioso do algodão contra os EUA, quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) autorizou o Brasil a suspender direitos de propriedade intelectual (DPI) como forma de pressão.

No entanto, para que essas medidas sejam eficazes, é necessário que sejam embasadas em critérios técnicos e que tenham um claro respaldo jurídico. Credenciar DPI como alvo preferencial de “reciprocidade” é medida contraprodutiva, que reitera ranços e suspeições internacionais relativamente à relação do Brasil com o respeito à propriedade intelectual.

Isso é preocupante e suas ondas consequenciais podem extrapolar, em muito, o prazo de mandato daqueles governantes que executam ordens a partir de entendimentos equivocados.

O novo projeto de lei incorpora justamente essa abordagem. Ao incorporar ajustes, sua relatora, a senadora Teresa Cristina (PP-MS) prevê que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) avalie a aplicação de contramedidas e que o Ministério das Relações Exteriores conduza consultas diplomáticas antes da adoção de qualquer medida retaliatória ou, como prefere o Legislativo, de “reciprocidade”.

Além disso, o monitoramento contínuo da eficácia das medidas garantirá que ajustes possam ser feitos conforme necessário, evitando prejuízos desproporcionais para a economia nacional.

Em que pese ser a retaliação instrumento legítimo para corrigir distorções no comércio internacional, medidas precipitadas podem gerar efeitos adversos, como o encarecimento de insumos para a indústria brasileira, a deterioração de relações comerciais estratégicas e a retaliação em setores sensíveis para a economia do país. Aqui, acertadamente, o Executivo tem adotado tom conciliador. Já no Congresso, contudo, o ritmo parece perigosamente açodado.

O Brasil deve privilegiar o diálogo com os parceiros comerciais antes de recorrer a sanções. A postura diplomática, associada à aplicação rigorosa das normas internacionais, pode ser mais eficaz do que ações imediatistas. A experiência brasileira na OMC mostra que a construção de consensos e a busca por soluções negociadas tendem a trazer melhores resultados de longo prazo do que confrontos tarifários diretos.

Se é o objetivo o ressurgimento do multilateralismo, esta é oportunidade dourada. Mais ainda, apresenta espaço para evidenciarmos nova fase de relacionamento com os DPI. É inadmissível que retrocedamos quase 30 anos de evoluções e ganhos desde a aprovação do Acordo da OMC para Aspectos Comerciais da Propriedade Intelectual (TRIPS).

A resposta ao impacto das tarifas norte-americanas sobre o aço e o alumínio precisa ser analisado no contexto mais amplo das relações comerciais bi e multilaterais. DPI são representativos da inovação e tecnologia incorporada no Brasil por parceiros comerciais estratégicos, inclusive nas áreas da energia, saúde e agronegócio.

O risco de uma escalada de medidas protecionistas com foco nos DPI pode afetar setores essenciais para o crescimento econômico brasileiro, bem como ecoará como medida de vingança, com maior potencial de infligir dor e menos impacto de efetiva reparação comercial ou econômica.

É vital que o orgânico e legítimo ímpeto patriota dialogue, efetivamente, com matriz de riscos e oportunidades futuras. Ao sancionar os DPI, componentes alheios à atual contenciosa relação comercial, o Brasil reduzirá a sua postura diplomática equilibrada e afetará, substancialmente, o seu poder e margem de manobras à luz de medidas impostas equivocadamente por líder relevante parceiro comercial.

A suspensão de concessões comerciais e de direitos de propriedade intelectual pode ser legalmente prevista e uma ferramenta poderosa, mas deve ser evitada a todo custo, assegurando com que mantenhamos distantes consequências que possam, ainda mais, prejudicar a atratividade do Brasil como destino de investimentos estrangeiros.

O avanço do PL 2088/2023 representa um passo importante na consolidação da política comercial brasileira, garantindo ao país um mecanismo de defesa em face de medidas unilaterais que prejudiquem seus interesses. No entanto, sua implementação deve ser pautada pela prudência, garantindo que qualquer ação retaliatória seja sustentada por negociações diplomáticas robustas e uma análise detalhada dos impactos econômicos.

Em um cenário de crescente instabilidade no comércio global, a melhor estratégia para o Brasil é manter-se fiel a uma abordagem técnica e previsível, que combine firmeza na defesa dos interesses nacionais com a construção de pontes para o diálogo. Afinal, no comércio internacional, as melhores vitórias não são aquelas conquistadas no campo da retaliação, mas sim as que asseguram competitividade e prosperidade sustentável para o país. Salve os DPI!

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