TCU e a renovação de votos com a Súmula 262

Criou-se grande expectativa em torno da nova Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021), especialmente quanto às mudanças e inovações que ela promoveria em relação a sua antecessora, a Lei 8.666/1993.

Exemplo disso é o regramento relativo à inexequibilidade das propostas nas licitações para contratação de obras e serviços de engenharia. Tanto na antiga (art. 48, §1º) quanto na nova lei (art. 59, §4º) foi adotado um critério matemático para a caracterização da inexequibilidade das propostas. Os parâmetros, no entanto, mudaram.

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Sobre o tema, chama a atenção o fato de que, assim como na lei revogada, não foi estabelecida na nova lei, de forma expressa e inequívoca, a possibilidade de relativização dessa de hipótese de inexequibilidade, nem a obrigatoriedade de a administração dar ao licitante a oportunidade de produzir prova em sentido contrário.

Aqui cabe recordar que, ainda na vigência da lei anterior, o TCU já havia editado o enunciado 262 de sua súmula, segundo o qual a inexequibilidade de propostas inferiores a 70% do valor de referência (art. 48, §1º) configuraria, em verdade, uma presunção relativa, devendo a administração dar ao licitante a chance de demonstrar concretamente a exequibilidade de sua proposta. Esse entendimento foi consolidado em inúmeros acórdãos anteriores e posteriores à edição do referido enunciado.

Com a promulgação da nova lei, a Corte de Contas foi novamente testada sobre o tema. E a despeito de um primeiro julgamento em sentido oposto ao do referido enunciado (Acórdão de Relação 2198/2023), o tribunal, a partir do Acórdão 465/2024, tem sustentado que a Lei 14.133/2021 não trouxe qualquer dispositivo que impeça a aplicação do raciocínio consagrado na súmula às licitações regidas pelo novo diploma legal (Acórdão 803/2024, Acórdão 2378/2024 e Acórdão 214/2025).

O TCU tem assentado seu entendimento nos seguintes fundamentos:

(i) o dispositivo que trata da hipótese específica de inexequibilidade de propostas para obras e serviços de engenharia (art. 59, §4º) deve ser interpretado de forma sistemática, compatibilizando-se com a previsão genérica que confere à Administração a possibilidade de realização de diligências para aferição da exequibilidade das propostas (art. 59, IV, §2º);

(ii) a Lei 8.666/1993 e a Lei 14.133/2021 trataram da exequibilidade de forma estruturalmente semelhante, não havendo nenhum dispositivo na nova lei que justifique o afastamento do entendimento consolidado na súmula;

(iii) a recusa da administração em diligenciar para aferir a exequibilidade da proposta inferior a 75% do valor orçado pela administração (conforme parâmetro da nova lei) pode prejudicar a seleção da proposta mais vantajosa;

(iv) não cabe ao Estado intervir no mercado para tutelar os licitantes, zelando pela lucratividade de suas propostas, uma vez que a decisão empresarial pela apresentação de proposta tida como inexequível pode ser pautada por interesses legítimos, como a entrada em novos mercados, formação de acervo técnico em novas atividades ou mesmo ganhos reputacionais.

O posicionamento sugere que, na aplicação da Lei 14.133/2021, o TCU não fará mudanças significativas em sua jurisprudência, construída sob a vigência da Lei 8.666/1993, ao menos com relação aos temas em que a nova lei não tiver trazido inovações explícitas e relevantes.

Por um lado, essa postura contribui para a previsibilidade e para a segurança jurídica nos processos de contratação regidos sob a nova lei. Por outro, pode ser um indicativo de que haverá resistência às mudanças concebidas pelo legislador. Algo a ser observado nos próximos anos.

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