Redução de assimetrias na pós-graduação em Direito: onde chegamos?

A transição de 2024 para 2025 traz um desafio já conhecido para quem atua no cenário brasileiro da pós-graduação: a submissão dos cursos de mestrado e doutorado, no âmbito de seus respectivos Programas de Pós-Graduação, ao ciclo quadrienal de avaliação.

O site da Avaliação Quadrienal 2021-2024 foi disponibilizado recentemente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e apresenta informações importantes sobre o processo, especialmente o calendário de avaliação. A área de Direito na Capes também divulgou diversos materiais que orientam essa etapa.

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Dentre os vários desafios que permeiam a manutenção e o fortalecimento do sistema nacional de pós-graduação, encontra-se a redução das assimetrias regionais existentes num país de proporção continental como o Brasil. Há mais de uma década os entes governamentais instituíram a redução de assimetrias como uma meta educacional do país e vem renovando esta diretriz.

O Plano Nacional de Educação 2014-2024, instituído pela Lei 13.005, de 25 de junho de 2014, expressamente colocou como estratégia para o alcance da meta 14 (elevação do número de matrículas em cursos de mestrado e doutorado) a oferta de vagas de doutorado em instituições abertas por meio do programa de expansão e interiorização das instituições superiores públicas (Reuni). Como o Congresso Nacional ainda não aprovou o novo Plano Nacional de Educação no momento da escrita deste texto, o de 2014 foi renovado até o fim de 2025.

No âmbito específico da Capes, o Plano Nacional da Pós-Graduação 2024-2028 (PNPG), em fase de discussões para aprovação, definiu em seu Eixo 5 o tema Assimetrias e Desenvolvimento. Alguns pontos relevantes da minuta do PNPG incluem a ampliação da oferta de pós-graduação em localidades ainda não contempladas (5.1), a interiorização da pós-graduação (5.1.1) e a redução de assimetrias nos contextos inter e intrarregional (5.2).

Por que a Capes busca reduzir tais assimetrias em todas as áreas da pós-graduação? Podemos inferir com algum grau de segurança que o que a agência almeja com a redução das assimetrias é promover o desenvolvimento social e econômico de localidades distantes dos centros de pesquisa consolidados, principalmente nas regiões Sudeste e Sul.

Essa hipótese advém dos diversos estudos que demonstram a correlação entre investimentos em educação, ciência e tecnologia e o desenvolvimento socioeconômico, tanto em análises mundiais quanto regionais, sobretudo em países em desenvolvimento.

Como essa intenção de reduzir assimetrias se reflete na realidade da pós-graduação em Direito? Utilizamos dados de dissertações e teses produzidas por todos os programas de pós-graduação em Direito, registrados na Capes entre 1987 e 2022, como base para o debate. O acesso ao material foi viabilizado pelo pacote capesR, disponível para uso no software R e desenvolvido pelos professores Hugo Medeiros, Dalson Figueiredo Filho e André Leite. Por meio de um script, que posso disponibilizar a quem solicitar, obtive acesso aos 57.592 trabalhos defendidos no período considerado.

O primeiro ponto de interesse é a evolução temporal da produção de dissertações e teses, segmentada pelas regiões onde estão localizados os cursos de mestrado e doutorado. No conjunto de 1987 a 2022, houve 32.703 trabalhos produzidos no Sudeste, 13.846 no Sul, 6.224 no Nordeste, 3.568 no Centro-Oeste e 1.251 no Norte do Brasil. Considerando que a média dessa distribuição é de 11.518,4, apenas as regiões Sudeste e Sul superam esse valor.

Esses números são compreensíveis em razão do longo período em que a produção acadêmica se concentrou no eixo Sul-Sudeste. Contudo, se a redução das assimetrias é uma meta efetivamente perseguida, espera-se que, ao longo dos anos, as curvas que representam o agregado da produção regional passem a convergir.

O gráfico acima contraria a expectativa. A inclinação e a tendência de crescimento das curvas das regiões Sudeste e Sul são equiparadas, nos últimos anos, apenas pela do Centro-Oeste, provavelmente em razão dos cursos localizados em Brasília. A região Nordeste, embora tenha iniciado um crescimento modesto a partir dos anos 2010, apresenta estagnação desde 2019, com queda relevante em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19. A Região Norte, por sua vez, mantém-se em patamar muito baixo de produtividade ao longo de toda a série temporal.

Quando cruzamos essa série histórica com os dados populacionais do Censo 2022, confirma-se a assimetria no comportamento das curvas. Embora o Sudeste corresponda a 41,8% da população brasileira, o Nordeste aparece em segundo lugar, com 26,9%, seguido pelo Sul (14,7%), Norte (8,54%) e Centro-Oeste (8,02%).

Aspectos sociais, econômicos e demográficos explicam, em parte, a ausência de correspondência entre o volume de produção acadêmica na área do Direito e a distribuição populacional, mas também evidenciam que o suposto empenho em reduzir as assimetrias ainda não produziu resultados concretos.

Para uma análise mais aprofundada no plano intra-regional, e considerando minha atuação profissional, realizei um comparativo da produtividade de trabalhos defendidos entre 1987 e 2022 nos nove estados da região Nordeste.

A melhor forma de interpretar o gráfico acima não é fixar-se nos números absolutos, mas comparar o comportamento das curvas. Podem-se identificar, no mínimo, três grupos de estados no Nordeste:

  1. Ceará e Pernambuco, que têm longo histórico de trabalhos e, mais recentemente, alcançaram valores anuais elevados de produção;
  2. Bahia e Paraíba, com ampla série histórica, porém sem atingir índices expressivos de trabalhos na base de dados da Capes; e
  3. Alagoas, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, todos com menos da metade dos registros ao longo da série e um volume anual reduzido de dissertações e teses.

Essa visualização evidencia que as assimetrias na área do Direito vão além da esfera inter-regional. Mesmo em uma região com produtividade modesta, como o Nordeste, a disparidade intra-regional é significativa. Enquanto Ceará e Pernambuco possuem vários cursos de mestrado e doutorado, exibindo produção anual comparável à de alguns estados do eixo Sul-Sudeste, unidades federativas como Rio Grande do Norte, Sergipe, Piauí, Maranhão e Alagoas ainda apresentam capacidade limitada de gerar conhecimento jurídico-acadêmico avançado.

Essa situação também se reflete na ausência de cursos de doutorado em diversos desses estados. Em parte do Nordeste — Alagoas, Piauí e Rio Grande do Norte, por exemplo — não há oferta de doutorado nos respectivos programas de pós-graduação. Já o Ceará conta com três cursos, todos em Fortaleza, enquanto Pernambuco mantém dois, localizados no Recife.

É claro que essa realidade deve ser analisada à luz de outras variáveis. Contudo, os dados não confirmam o discurso governamental — sobretudo da Capes — de que a interiorização da pós-graduação esteja reduzindo as assimetrias. Esta breve análise, que pode ser estendida a outras regiões ou áreas do conhecimento, sugere a necessidade de um alerta para que a prática na gestão das políticas públicas de pós-graduação se aproxime mais do discurso normativo e das manifestações institucionais.

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