Afinal, transação tributária não é parcelamento?

Provamos por cinco anos a transação tributária em âmbito federal, e ainda é embaraçoso não a confundir com um parcelamento. Afinal, o que houve de tão novo desde a Lei 13.988/2020? De 2000 a 2019, experimentamos o período em que reinaram as sucessões dos parcelamentos especiais. Da Lei 9.964/2000 até a Lei 13.946/2017, convivemos com um modelo de negociação cujo eixo comum consistia no pagamento dos tributos em prestações mensais que se prolongavam por cerca de uma década e meia.

Eram concedidas, ainda, vantagens como remissões, anistias e amortizações com uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL. As dívidas, mesmo as parceladas anteriormente, acabavam sendo readmitidas nas modalidades do parcelamento especial superveniente. Em contrapartida, exigia-se a confissão irretratável e irrevogável da dívida e a renúncia às defesas antiexacionais.

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A transação não revolucionou essas condições, mas, em vez disso, reposicionou-as em um local tributário mais apropriado. Inalterados alguns dos traços do parcelamento especial, a sensação poderia ser, de fato, de continuidade. Seria igualmente cômodo esticar as mesmas interpretações ao novo modelo de negociações inaugurado após a era dos parcelamentos especiais. 

Entretanto, há uma distinção essencial na finalidade e na estrutura jurídica do instrumento adequado para alcançá-la. 

Enquanto os parcelamentos são manifestações inequívocas da vontade de pagar sob condições facilitadas de prazo, as transações se voltam à solução de conflitos, retirando-os da necessidade da intervenção judicial. São, como tais, meios alternativos à jurisdição.

Elas, objetivamente, significam que as partes “determinarão” a solução do litígio por autocomposição, entre si. Ambas as partes reconhecem que a outra tem algo interessante a oferecer e que isso é mais vantajoso do que prosseguir até o resultado incerto a ser produzido no ambiente contencioso processual.  

Pensando, então, na vocação de cada um dos institutos, o parcelamento deveria ser próprio de quem não quer discutir o crédito tributário. A intenção por trás é apenas pagar a dívida, mas de uma forma que seja viável. Estende-se, por conseguinte, o período de pagamento em prestações mensais. A confissão e a renúncia exigidas para a adesão apenas exteriorizam e formalizam a vontade objetiva de pagar que lhe é inerente.

Já as anistias e as renúncias, com que os parcelamentos especiais se fizeram acompanhar, não são típicas da figura. São apenas uma decisão política de apoiar setores e atividades na superação de crises econômicas cujos efeitos não serão aferidos individualmente. Por isso, preponderam as condições uniformes de fruição do parcelamento. Trabalha-se, mais, com generalizações a respeito do impacto de uma crise e do alcance dos parcelamentos.

A transação, por sua vez, vem sobretudo para tratar uma incerteza de forma consensual. Por isso, o comum é referir-se a débitos inscritos em dívida ativa, na iminência de serem executados e de sujeitarem-se às defesas próprias do processo, ou a débitos cuja constituição suscite grandes controvérsias jurídicas. A confissão e a renúncia exigidas, aqui, são dosadas na medida do litígio a resolver.

As transações de débitos em cobrança da dívida ativa tendem a exigir um reconhecimento integral do débito, enquanto as do contencioso tributário podem conformar-se com reconhecimentos parciais, conforme a extensão da tese a ser pacificada. 

A força dessa manifestação é (deveria ser), também, mais intensa, abarcante das questões de direito e de fato, as quais passam a ser voluntariamente retiradas da apreciação jurisdicional. Tal como sucede na arbitragem, escolhe-se outra via que não a judicial para tratá-las. 

Na transação, a dívida também pode ser reduzida. Todavia, esses descontos não se dão a título de remissão e anistia, mas como mecanismo reflexo da perda de capacidade contributiva (transação na cobrança) ou como compensação de risco, em que as partes buscam se precaver de um “tudo ou nada” (transação de tese do contencioso). 

Se a identidade da transação está na estrutura jurídica de exigir o término de um litígio por meio de concessões mútuas (artigo 171 do CTN), os descontos são apenas a feição de uma das concessões da União. Não são causas autônomas de extinção ou exclusão do crédito tributário, como a remissão e a anistia. Os descontos só subsistem condicionados ao cumprimento do acordo e na dimensão estritamente necessária a ele.    

Há duas perspectivas importantes para compreender essas reduções peculiares. O que não são? Não são benefícios fiscais. O que são? São concretizações legais da capacidade contributiva, a qual não apenas pode influir na constituição de tributos maiores ou menores, como também pode, ao ser perdida, impactar na capacidade arracadatória, a capacidade de pagamento.

Descarta-se a configuração como benefício fiscal porque não lhes prepondera a finalidade extrafiscal. Estimular o contribuinte a recolher tributos, a abandonar o litígio e optar pela arrecadação e retornar à regularidade fiscal não são projetos externos ao sistema tributário, mas internos. O intuito é ajustar a arrecadação, o que revela o caráter fiscal da transação. Inexiste, aqui, uma opção estatal por abrir mão de recursos para que um particular invista diretamente em uma finalidade econômica ou adote condutas socialmente desejáveis.

O incentivo corresponde, na realidade, a uma evolução nas relações tributárias em que, sob a ótica da cobrança, o ente público consegue balancear a tributação de acordo com a capacidade contributiva mais atual do devedor que a perdeu. A partir dos indicadores patrimoniais, verifica-se que o particular não tem condições de arcar com o débito e se reconhece que certa quantia é irrecuperável, a menos que o Estado redimensione o tributo de acordo com as forças individuais do sujeito passivo. 

Também pode significar, na transação de tese contenciosa, o interesse de equalizar riscos de perda. Como forma de garantir segurança jurídica e previsibilidade econômica aos envolvidos, opta-se por uma transação em que, de antemão, os impactos da tese controversa são consensualmente distribuídos para cada um.  

Daí, introduzida maior carga de elementos negociais, a transação ser inconfundível com um mero somatório de parcelamento (causa suspensiva do crédito tributário, artigo 151 do CTN) acrescido de anistias e isenções (causas de exclusão do crédito tributário, artigo 175 do CTN) e remissões (causa de extintiva do artigo 156 do CTN). 

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Ela foi forjada para ser causa extintiva do crédito tributário por si mesma, como modelo mais personalizado de consideração de riscos dentro do Direito Tributário. Constitui uma forma de quitação própria e negociada, que acarreta a extinção do crédito sob condição suspensiva ou resolutiva, segundo a opção legislativa do ente público. 

No caso da União, essa escolha se deu pela modalidade suspensiva, até mesmo por favorecer a praticabilidade da transação. Assim, enquanto não cumprida a integralidade do acordo, a extinção do crédito fica suspensa, pendente. É um modo de agilizar a reativação da cobrança, se preciso for. Não obstante, nada impede que outro ente público viabilize uma transação cuja extinção se dê sob condição resolutória ou mesmo mediante novação, desde que preservada a natureza tributária do débito.  

Portanto, transação não é parcelamento mesmo. Ela se situa entre riscos e reciprocidade. Precisa ter um componente mais individualizado, como a proporção entre a perda de capacidade arrecadatória e o benefício recebido. Caso se lhe incuta uma finalidade preponderante extrafiscal, seria esperado também que o beneficiário produzisse uma contrapartida social mensurável individualmente. 

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