Redemocratização 40 anos: Sarney lembra resistência de militares às vésperas de sua posse


Ex-presidente da República relembrou a tensão nos dias que antecederam a volta de um civil à Presidência da República e a liderança de Ulysses Guimarães na transição democrática. Sarney fala dos 40 anos da redemocratização e relembra transição após ditadura militar
O ex-presidente José Sarney relembrou nesta sexta-feira (14) momentos de tensão e a resistência de parte dos militares à sua posse como presidente interino da República há 40 anos.
A posse do maranhense é um marco no processo de redemocratização do Brasil. Depois de 21 anos de ditadura militar, um civil voltava à presidência do país – o último antes de Sarney havia sido João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964.
Em entrevista ao programa Em Pauta, da GloboNews, o ex-presidente relembrou os instantes que antecederam o dia 15 de março de 1985, quando, aos 54 anos, foi empossado como vice de Tancredo Neves – político mineiro que havia sido eleito presidente da República indiretamente, mas que estava hospitalizado após uma cirurgia abdominal.
Sarney foi avisado na madrugada daquele dia 15 de março de que tomaria posse e ficaria à frente do governo até a recuperação de Tancredo – que viria a morrer 39 dias após ser internado.
O impasse acerca do estado de saúde de Tancredo, relembrou Sarney, gerou tensão e uma divisão entre os militares sobre sua assunção ao poder. O político do Maranhão afirmou que uma parcela dos militares resistiu.
“Os militares estavam divididos. A metade, ou talvez mais ainda [da metade], achava que eu não devia assumir, porque o João Figueiredo [último presidente militar] não compreendera por que eu tinha me afastado dele, mas, na realidade, foi ele que não aceitou as coisas que nós estávamos propondo de fazer uma eleição democrática, uma democracia interna, dentro do partido, para escolher o candidato à Presidência da República”, disse o ex-presidente.
José Sarney toma posse em 15 de março de 1985, no Congresso Nacional.
Acervo/Senado Federal
Segundo Sarney, o então ministro do Exército Walter Pires procurou Leitão de Abreu, à época ministro da Casa Civil do governo Figueiredo, para dizer que não aceitava a posse do maranhense como presidente interino e que procuraria os comandos militares a fim de “destituir” a transição democrática.
“Era uma intervenção militar que ele [Walter Pires] partiu para fazer. E o Leitão de Abreu disse a ele que ele não era mais ministro, que tinha sido. Usou de um artifício, disse a ele que o ‘Diário Oficial’ naquele dia tinha publicado a demissão dele por um equívoco. Evidentemente, o doutor Leitão não podia divergir do João Figueiredo, mas ele sabia, como constitucionalista, que, na realidade, a fórmula constitucional era a minha assunção à presidência da República”, rememorou Sarney.
À GloboNews, o emedebista afirmou que, diante da reação do ministro da Casa Civil Leitão de Abreu, Walter Pires percebeu que não teria apoio para mobilizar os comandos militares e interromper a transição democrática.
Papel do STF e liderança de Ulysses
José Sarney se torna presidente em exercício
Na entrevista concedida nesta sexta-feira, Sarney também citou uma reunião informal de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) na casa de Cordeiro Guerra, então ministro da corte, na noite anterior à sua posse.
Naquele encontro, disse o maranhense, os presentes consolidaram, por maioria, o entendimento de que ele deveria assumir a presidência da República até o restabelecimento de Tancredo Neves. Somente dois ministros se posicionaram contra.
Além disso, Sarney destaca a liderança de Ulysses Guimarães (MDB), então presidente da Câmara dos Deputados, na elaboração de atas do Senado e da Câmara no sentido de que o vice-presidente da República eleito indiretamente era quem deveria assumir o comando do país diante daquela situação.
O ex-presidente disse ainda que Ulysses, que teve papel primordial na redemocratização, chegou a ser ríspido com ele, pois estava receoso com a possibilidade de mobilização de militares caso os civis titubeassem sobre a posse na presidência.
“Assim, aquela noite [da véspera da posse de Sarney] foi uma noite de grandes perplexidades. E eu me recolhi à minha casa, e disse que não queria participar das conversas sobre isso, porque eu era uma pessoa que estava no meio do processo e não me sentia bem [em participar]”, concluiu o maranhense, que foi o primeiro civil a assumir a Presidência depois de 21 anos de ditadura militar.
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