Não incidem honorários no cumprimento de sentença em mandado de segurança individual

Na coluna desta semana, analisaremos recente julgado da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual estabeleceu a tese de que não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos. [1]

No caso concreto, a questão controvertida se originou de uma decisão interlocutória, proferida por juiz estadual, em cumprimento de sentença nos autos de mandado de segurança individual, indeferindo pleito para que fossem arbitrados honorários advocatícios.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Quando do mandado de segurança, ocorrera a denegação da ordem que havia sido pleiteada por um militar aposentado, em que se atacava ato imputado à direção do Instituto de Previdência dos Servidores Militares (IPSM), consubstanciado em desconto previdenciário.

Ao se denegar a segurança, acabou sendo revogada a liminar que havia sido inicialmente concedida, razão pela qual o instituto de previdência houve por bem em requerer a devolução dos valores que o impetrante havia deixado de recolher quando acobertado pela liminar, assim como também se pugnou pelo pagamento de honorários advocatícios.

Assim, requerido o cumprimento de sentença, o juiz acolheu o pedido, para que se levasse a efeito o pagamento dos valores que deixaram de ser recolhidos por força da liminar, mas rejeitou a incidência da verba honorária, justificando com base no art. 25 da Lei 12.106/2009.

O IPSM, na sequência, interpôs agravo de instrumento, pleiteando que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reformasse a decisão, de modo a admitir como possível o arbitramento de honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança. O agravo, no entanto, não foi provido, mantendo-se intacta a decisão interlocutória de primeiro grau.

Em razão disso, chegou ao STJ um recurso especial, interposto pelo IPSM, contra tal acórdão do TJMG.

Conforme os argumentos trazidos pela recorrente, em sua peça recursal, a vedação constante do art. 25 da Lei 12.016/2009 não seria extensível aos procedimentos que derivarem do mandado de segurança, quando se fizesse necessária a instauração de lides acessórias à implementação da decisão, como no caso de cumprimento de sentença, em que se observa que a pretensão autoral se mostrou resistida.

O argumento, pois, era de que, como foi necessária a instauração de um procedimento executivo, diante do não cumprimento voluntário, seria o caso de aplicação das regras de sucumbência contidas no Código de Processo Civil, já que inexistiria vedação específica da norma especial neste sentido.

Compreendemos como acertado o posicionamento a que se atingiu no âmbito da 1ª Seção do STJ. Explicamos.

Em seu voto, o ministro Sérgio Kukina, relator do recurso especial repetitivo, pontuou que não são cabíveis os honorários sucumbenciais em mandado de segurança, conforme longevo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), possuidor de entendimento consolidado desde 1969, estampado na Súmula 512 que prescrevia que não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança. Da mesma forma, o STJ também possuía entendimento sumulado antigo, desde 1994, quando editada a Súmula 105 com semelhante teor.

A Lei 1.533/1951, que anteriormente regia o mandado de segurança, nada dispunha a respeito da incidência da verba honorária. Já a Lei 12.016/2009, que atualmente disciplina o remédio constitucional, manteve a linha da jurisprudência sumulada dos tribunais superiores, estabelecendo expressamente no art. 25 que não cabem honorários advocatícios no processo de mandado de segurança.

Assim, compreende-se que a fixação de honorários, em se tratando de ação de mandado de segurança, não deve ser tratada considerando a lei geral – CPC –, mas sim a lei especial, no caso, a Lei 12.016/2009. E, registre-se, tal diploma legal não faz qualquer tipo de distinção entre a fase de conhecimento e a fase de execução (cumprimento de sentença), para fins de vedação à incidência da verba honorária sucumbencial.

Como bem realça José Henrique Mouta Araújo, em relação aos honorários advocatícios, há vedação expressa, no art. 25, da Lei do Mandado de Segurança. Portanto, a sua fixação, prevista no art. 85, § 2º, do CPC/15, não pode ser aplicável ao procedimento do mandado de segurança, inclusive no que diz respeito aos honorários recursais. [2]

De todo modo, como bem lembra Leonardo Carneiro da Cunha[3], a vedação do citado art. 25 da Lei 12.016/2009 ressalva a aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé, significando dizer que, no mandado de segurança, apesar de não caber a condenação ao pagamento de honorários de advogado, é possível a aplicação de sanções, aí incluída a multa, em caso de prática de atos de litigância de má-fé.

Naturalmente, a vedação à condenação em honorários sucumbenciais no mandado de segurança não representa ponto pacífico na doutrina. Conforme Luís Otávio Sequeira de Cerqueira[4], o argumento de que se trata de ação constitucional, para afastar a condenação em honorários advocatícios em caso de denegação da ordem, não se sustenta sob qualquer enfoque. Para o autor, seja concedendo ou denegando a ordem, o impetrante e a autoridade coatora se viram obrigados a ir a juízo, razão pela qual não se justifica o afastamento da regra de sucumbência.

Registre-se, aliás, que esse dispositivo teve a sua constitucionalidade questionada pelo Conselho Federal da OAB, quando da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.296/DF[5]. No julgamento da ADI, o STF compreendeu que a jurisprudência daquela Corte era pacífica no sentido do não cabimento dos honorários de sucumbência.

Pois bem. Indiscutível, do ponto de vista legal e jurisprudencial, o descabimento dos honorários na fase cognitiva do remédio constitucional. O que ocorre é que se identificavam decisões divergentes, inclusive no âmbito do STJ, no que toca à incidência ou não de honorários advocatícios no cumprimento de sentença decorrente de mandado de segurança individual, exatamente o caso tratado nesta coluna.

Curiosamente, o próprio relator do REsp repetitivo, ministro Sérgio Kukina, havia relatado, em 2022, julgado em que se compreendeu que a aplicação do art. 25 da Lei do Mandado de Segurança se restringiria à fase de conhecimento, não sendo cabível no cumprimento de sentença, ocasião em que a legitimidade passiva deixa de ser da autoridade impetrada e passa a ser do ente público ao qual se acha vinculada, razão pela qual se mostraria incidente a regra geral do art. 85, §1º, do CPC, o qual autoriza os honorários na fase de cumprimento[6].

No voto que levou à construção da tese, o relator cuidou de estatuir um distinguishing entre o caso sob análise e o que restara decidido no Tema 973 do STJ, em que se reafirmara a Súmula 345 daquela corte. Na tese, o STJ compreendeu que o art. 85, §7º, do CPC/2015, não afasta a aplicação do entendimento consolidado na Súmula 345, de modo que são devidos honorários advocatícios nos procedimentos individuais de cumprimento de sentença decorrente de ação coletiva, ainda que não impugnados e promovidos em litisconsórcio.

Assim, com base nessa tese decorrente do Tema 973, ainda que particularmente discordemos, porque teria sido objeto de superação pelo art. 85, §7º, do CPC[7], poder-se-ia até compreender como possível a incidência da verba honorária quando o cumprimento de sentença decorra de mandado de segurança coletivo, já que inserido no microssistema das ações coletivas.

Daí, pertinente a distinção na hipótese, porque a controvérsia em debate no tema 1232 era a incidência da verba honorária quando o cumprimento de sentença decorresse do mandado de segurança individual.

No voto, a nosso ver acertadamente o relator realçou que o CPC, quando adotou a figura do processo sincrético, teria acabado com a ideia de que haveria processos distintos de conhecimento e de execução, mas apenas fases do mesmo processo, razão pela qual não se pode falar que a natureza do cumprimento de sentença é distinta do mandado de segurança que lhe deu origem.

Há registro, e isso foi destacado no voto do ministro Sérgio Kukina, de que tramita no Congresso Nacional o PL 296/2024[8], de autoria do deputado Marangoni (União-SP), cujo objetivo é alterar a Lei 12.016/2009, exatamente para permitir a fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, que decorra de cisões proferidas em mandado de segurança individual, com efeitos patrimoniais.

Não obstante discordemos do conteúdo do projeto de lei, por compreendermos que a defesa do direito líquido e certo, pela via do remédio constitucional, pressupõe a dispensa de honorários durante todo o processo, independentemente da fase em que se encontre, é de se compreender que, em sendo eventualmente alterada a Lei 12.016/2009, o cenário mudará e restará superada a tese fixada no Tema 1.232 do STJ.

Até que isso venha a eventualmente ocorrer, é de prevalecer a unânime posição a que se chegou na 1ª Seção do STJ, no sentido de que, havendo efeitos patrimoniais decorrentes da fase cognitiva do mandado de segurança e, fazendo-se necessário inaugurar a fase de cumprimento de sentença, ainda que haja resistência não haverá a incidência da verba honorária, em absoluto respeito ao que está prescrito no art. 25 da Lei 12.016/2009, às Súmulas 512 do STF e 105 do STJ e ao julgado da ADI 4296/DF. Se há previsão, contida em lei especial, vedando, tal há de se sobrepor à regra geral da condenação na verba honorária, contida no art. 85, § 1º, do CPC.


[1] Tema 1.232. REsp 2053306-MG, STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro Sérgio Kukina, julg. 27/11/2024, DJE 04/12/2024.

[2] ARAÚJO, José Henrique Mouta. Mandado de Segurança. 8. Ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 291.

[3] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 579.

[4] CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de. Comentários ao art. 25. In CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; GOMES JÚNIOR, Luís Manoel; FAVRETO, Rogério; PALHARINI JÚNIOR, Sidney. Comentários à nova Lei do Mandado de Segurança. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 224.

[5] Disponível em https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur454225/false, acesso em 17 de fevereiro de 2025.

[6] AgInt na ImpExe na ExeMS n. 15.254/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, DJe 01/04/2022. Na mesma linha, AgInt nos EDcl na ExeMS n. 12.744/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 25/2/2022.

[7] PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Aspectos controversos da liquidação e da execução nas ações coletivas brasileiras. In Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro: Ano 16, Vol. 23, número 3, setembro/dezembro de 2022. Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/redp/article/download/65528/43618/248081, acesso em 17 de fevereiro de 2025.

[8] Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2418027#:~:text=PL%20296%2F2024%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei&text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%2012.016,seguran%C3%A7a%20individual%2C%20com%20efeitos%20patrimoniais., acesso em 18 de fevereiro de 2025.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.